O Estado de S. Paulo
Em 2022, as receitas perderão fôlego, os
juros estarão bem mais altos e o déficit deverá ser o dobro em relação a 2021
As receitas do governo são um porcentual da
produção, do consumo e da renda. Se a inflação aumenta, essas bases incham e a
receita cresce. Já a despesa é mais afetada pela inflação passada. É preciso
escrutinar os dados fiscais de 2021 para evitar análises equivocadas sobre o
déficit de R$ 35,1 bilhões. Houve melhora, mas por conta de fatores
transitórios, principalmente inflação, dólar e preços de commodities. Isso não
se repetirá em 2022.
A receita líquida do governo central deflacionada pelo IPCA cresceu 21,2%, entre 2020 e 2021, depois de diminuir 13,5% no período anterior. Isto é, o tombo de 2020 foi maior que o do PIB (recessão de 3,9%) e a recuperação, em 2021, superou o crescimento da economia (projetado em 4,6%). Essa distorção das taxas da arrecadação vis-à-vis às do PIB é típica de períodos de recessão. Para o médio prazo, a tendência é a receita caminhar com a economia.
Mesmo assim, a alta real de 21,2%
impressiona. Poderia sugerir uma mudança de dinâmica a autorizar mais gastos.
Ocorre que a evolução do dólar e dos preços das commodities precisa ser
contemplada na análise. Quando deflacionada pelo IGP-M, índice mais sensível
aos preços das commodities e ao dólar, a receita líquida cai 27,4%, em 2020,
para subir 11,3% em 2021. Vamo-nos entender: a economia recuperou-se, após a
recessão de 2020, e então começou a andar de lado. Não há razão para projetar
uma dinâmica permanentemente melhor das receitas.
Em 2022, a Instituição Fiscal Independente
(IFI) prevê crescimento do PIB de 0,5% e inflação na metade do que foi em 2021.
Não podemos cair na esparrela de adotar o reflexo no retrovisor como um bom
prognóstico.
Para averiguar melhor o peso da inflação,
recorro a dados históricos. De 1985 a 1993, quando a inflação anual (IPCA) saiu
de 242% para 2.477%, houve superávit primário anual médio de 1,6% do PIB no
setor público. As receitas seguiam a inflação de perto; já as despesas, nem
sempre, dada a enorme discricionariedade quanto ao reajuste do funcionalismo e
mesmo do salário mínimo. A inflação era uma aliada poderosa para reduzir as
despesas sem maior esforço, o que redundava em superávits primários. Mas eles
não sobreviveram quando a inflação caiu.
Mais recentemente, entre 2014 e 2015, a
inflação também acelerou. Mas por que o déficit primário do governo central
superou a estimativa do PLDO – Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias
(déficit de R$ 114,7 bilhões), totalizando R$ 120,5 bilhões, em vez de ficar
menor? Primeiro, a inflação prevista no PLDO era de 4,5% e ficou em 10,7%, mas
o crescimento do PIB real previsto era de 3%, enquanto o resultado foi uma recessão
de 3,6%. Segundo, os preços das commodities caíram. Terceiro, houve pagamento
das chamadas pedaladas fiscais (R$ 55,8 bilhões). Nada é tão simples quanto
parece.
Então, não houve nada de bom na cena fiscal
dos últimos anos? Do lado das despesas, alguns eventos merecem destaque.
Primeiro, os gastos realizados contra a covid-19 passaram de R$ 524 bilhões, em
2020, para menos de 1/4 disso em 2021. Segundo, não houve reajuste salarial a
servidores e o salário mínimo só foi corrigido pela inflação. Terceiro, a
reforma da Previdência conteve as emissões de novos benefícios, que estão
subindo menos de 1%. Há quatro anos, cresciam 2,5% em 12 meses.
Entre 2020 e 2021, as despesas caíram de
26,1% para 18,6% do PIB. Desta queda de 7,5 pontos porcentuais (p.p.), boa parte
resultou da redução das despesas extraordinárias ligadas à pandemia; o
restante, da corrosão inflacionária. Os gastos de pessoal caíram 0,5 p.p. do
PIB, entre 2020 e 2021, a Previdência diminuiu 0,7 p.p., o término da ajuda a
Estados e municípios colaborou com menos 1 p.p., o benefício de prestação
continuada, o abono salarial e o seguro desemprego caíram 0,4 p.p. e os
créditos extraordinários no âmbito do combate à pandemia diminuíram 4,4 p.p. do
PIB. O meio ponto restante refere-se à soma das variações de outras rubricas.
As despesas indexadas ao salário mínimo
serão pressionadas, em 2022, porque ele aumentou 10,2%, mas a inflação será
pouco maior que 5%.
Além disso, a despesa de 2021 ficou 0,7
p.p. do PIB menor do que a observada em 2018 (19,3% do PIB). Cerca de 1/3 dessa
queda se deveu ao gasto previdenciário e o restante, à folha. Para 2022, esse
patamar de gastos primários (sem juros da dívida), de 18,6% do PIB, não deve
sofrer grande mudança.
Contudo, o rombo de R$ 112,6 bilhões no
teto de gastos, neste ano, pressionará permanentemente as despesas. Não custa
lembrar, também, o calote de R$ 50 bilhões nos precatórios: aumento da dívida
pública. A redução de despesas prometida pelo teto, em 2016, era de 4,5 p.p. do
PIB até 2026. Transcorridos 2/3 do tempo, a despesa deveria ficar em 16,9% do
PIB, mas terminará 2022 R$ 150 bilhões maior.
Em 2022, as receitas perderão fôlego e os
juros estarão bem mais altos. O governo prevê o dobro de déficit em relação a
2021. Com honestidade intelectual, o joio e o trigo podem ser devidamente
apartados. Inflação nunca é boa coisa.
*DIRETOR-EXECUTIVO E RESPONSÁVEL PELA IMPLANTAÇÃO DA IFI. CO-ORGANIZADOR, COM JOÃO VILLAVERDE E LAURA KARPUSKA, É AUTOR DO LIVRO “RECONSTRUÇÃO: O BRASIL NOS ANOS 20” (SARAIVA, FEV/22)
Um comentário:
Caracole,que coisa complicada!
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