Valor Econômico
Prazo para troca de partidos é abertura
oficial da campanha
Há alguns meses as eleições mobilizam a atenção
da mídia e das redes sociais. Da escolha dos pré-candidatos presidenciais às
negociações para a formação das federações, as movimentações dos dirigentes
partidários são acompanhadas de perto na tentativa de captar os sinais de
alianças, apoios e traições a partir de quem encontrou com quem, onde, e o que
teriam conversado.
A partir da semana que vem as articulações
descem de patamar, passando do Planalto para a planície. Está aberta a
temporada de troca-troca de legendas de deputados, senadores e todos os que
buscam um lugar ao sol na política brasileira a partir de 2023.
Na teoria, o sistema político-eleitoral brasileiro gira em torno dos partidos. Afinal de contas, a legislação proíbe o lançamento de candidaturas independentes, assim como a distribuição de cadeiras nas Câmaras de Deputados e nas Assembleias Legislativas estaduais é determinada pelo total de votos angariados pelas legendas - e não simplesmente pelos candidatos mais votados individualmente.
Na prática, porém, há um elevado grau de
personalismo em nossas disputas eleitorais. Seja pela grande quantidade de
agremiações ou pela baixa robustez ideológica e limitada conexão com a
população da maioria delas, o eleitor em geral orienta seu voto muito mais
pelas características pessoais dos candidatos do que pelos ideais e programas
das siglas a que se vinculam (quando eles existem).
São poucos os concorrentes, contudo, que
têm condições de tocar suas campanhas de forma autônoma. Por serem disputadas
em áreas muito grandes e com uma quantidade imensa de adversários, elas são
caras. Para piorar, como não há tradição de doações individuais e as
contribuições empresariais foram proibidas, o dinheiro dos fundos eleitoral e
partidário tornou-se a principal fonte de financiamento para cobrir os elevados
gastos com propaganda, cabos eleitorais e outras despesas.
Assim, gerou-se um ecossistema simbiótico,
em que os competidores dependem dos partidos para bancar suas campanhas,
enquanto esses, por sua vez, precisam de candidatos com grande potencial de
votos para fazer bancadas maiores, que vão lhes proporcionar grandes fatias dos
fundos eleitoral e partidário no ciclo eleitoral seguinte, assim como
ministérios e orçamento graúdo no próximo governo.
Essa dualidade gerou uma dúvida: afinal, a
quem pertence o mandato decidido nas urnas, ao partido ou ao candidato eleito?
Dado o silêncio da Constituição, uma discussão judicial arrastou-se por anos.
De um lado, políticos se sentiam legitimados para mudar de sigla como trocam de
camisa, argumentando que a escolha do eleitor recaiu sobre eles. No outro polo
do ringue, partidos se valiam do princípio da fidelidade partidária para
reivindicar a perda de mandato de quem abandonava a legenda que o ajudou a chegar
lá.
Uma resolução do Tribunal Superior
Eleitoral de 2007, ratificada pelo Supremo Tribunal Federal no ano seguinte,
bateu o martelo em favor dos partidos, determinando que vivemos numa democracia
partidária e que, portanto, migrações oportunistas de siglas deveriam ser
punidas com a destituição do cargo.
Em 2015, entretanto, o STF abrandou seu
posicionamento, concluindo que a regra não se aplicaria ao presidente da
República, senadores, governadores e prefeitos - para esses postos, falaria
mais alto o princípio da soberania popular. Isso explica por que Jair Bolsonaro
pôde migrar do PSL para o PL sem qualquer consequência (pois seu cargo é
majoritário), enquanto seus seguidores mais fiéis na Câmara dos Deputados
(eleição proporcional), como o próprio filho Eduardo Bolsonaro, continuam
presos à legenda pela qual foram eleitos em 2018.
No mesmo ano, uma lei acrescentou três
exceções à punição de parlamentares que trocavam de time no decorrer do
mandato. Duas delas tratavam da relação entre o partido e os seus membros;
nesses casos, a mudança de filiação não seria punida caso fosse demonstrada uma
alteração radical na ideologia da legenda ou se seu integrante tivesse sofrido
uma grave discriminação política. Essa foi a justificativa usada pela deputada
Tabata Amaral para deixar o PDT, rumo ao PSB, após ser punida por discordar da
orientação de sua sigla original em algumas votações polêmicas.
A outra possibilidade de infidelidade
permitida pela lei foi a abertura de um prazo para que deputados federais,
estaduais e distritais trocassem de legenda antes das eleições seguintes. Essa
“janela partidária” é o primeiro evento oficial do calendário eleitoral deste
ano.
Esperam-se intensas negociações a partir da
próxima Quarta-Feira de Cinzas (3/03) até a data final para a definição da
filiação partidária e do domicílio eleitoral de todos os que pretendem
concorrer a algum cargo em outubro (2/04).
Deputados e senadores terão a oportunidade
de debandar para o lado que acreditam que comandará o país a partir de janeiro
de 2023. Aqueles com maior capital político e potencial de atração de votos
tentarão arrancar nacos maiores do fundão eleitoral e do orçamento secreto, as
criptomoedas mais valorizadas em Brasília atualmente.
Olhando em retrospecto, a tabela abaixo
indica que as migrações nas últimas legislaturas deixaram clara a opção
preferencial dos parlamentares por partidos do Centrão, em detrimento das
legendas mais tradicionais à direita e à esquerda.
Neste ano não será diferente.
Bruno Carazza é mestre em
economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras).
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