João Lucca, meu neto, fez sete anos e atingiu a idade da razão.
Geralmente se pensa e se conta que a idade
cronológica começa a partir do nascimento. Não é assim. A vida intrauterina
desenvolve o ser humano em suas características físicas, genéticas e
estabelecem outras relações entre a mãe e o bebê e o meio ambiente em que os
dois estão habitando. Estudiosos falam do desenvolvimento do bebê no útero e
mencionam sua estreita relação, começando aí, através da identificação da fala
da mãe, a sua preferência e segurança.
Saindo da segunda infância que vai até os 6 anos, na visão de alguns estudiosos da psicologia, e adentrando à terceira infância que vai até os 11 anos. João abre uma janela muito importante na sua vida, porque diminuem as atitudes egocentristas, sai um pouco de si mesmo, se abre para o mundo através da estimulação da linguagem e da memória, logo se dispondo a ler, escrever e interpretar o que ler e o que conhece.
Por isso nessa fase a escola é tão
importante, porque vai introduzir na criança a força criativa e metodológica,
no mundo letrado que guarda em si o conhecimento produzido e acumulado pela
humanidade até o seu tempo.
No meu tempo, quando fiz sete anos, a
lembrança maior que eu tenho é da festa da minha primeira comunhão celebrada no
mesmo dia do aniversário e realizada na Igrejinha do Quadro, ou seja, Quadro é
referência à praça onde teve início o município do Ipu, no Ceará, fundado em
1840 e elevado à categoria de cidade em 1885. A igrejinha havia sido construída
em em 1865.
A comunhão recebida na Igreja, depois de
confessar os pecados já cometidos, a festa em casa para os convidados, tudo
isso refletia o tamanho da responsabilidade diante da vida, o que considero impróprio
para uma criança aos sete anos de idade.
Dos meus sete anos até os sete anos de João
já se foram 70 anos. Naquela época a greja católica liderava a influência na
formação das pessoas e o pensamento religioso era dominante nas famílias e nas
escolas.
Entre a minha vida e a de João, o país e o
mundo já passaram por muitos eventos que produziram acertos e erros, se é que
podemos chamar assim, decorrentes de ações e atitudes praticadas pelo próprio
ser humano. Muitos conflitos aconteceram e foram responsáveis por tragédias,
fome, miséria, como a Segunda Guerra Mundial, a Guerra do Vietnã, a invasão do
Iraque, a má experiência do chamado socialismo real, tudo determinado pela
ganância ou pela necessidade de dominação.
Embora tudo isso também tenha sido acompanhado
pelo avanço da ciência, das comunicações e das tecnologias.
João carrega em sua memória, aos sete anos,
lembranças completamente diferentes desde a sua formação no útero, através da
relação com a mãe até as experiências com os instrumentos tecnológicos, como
celular, tablet e o
manuseio dos games. Tudo isso na atualidade faz parte da formação da criança
enquanto as relações com a natureza, as brincadeiras nos parques ou até mesmo
nas ruas foram afastadas, dadas as novas formas de vida e sobrevivência das
famílias.
Também concorrem para este afastamento da
vida ao ar livre, a violência urbana, talvez o pior resultado da forma como o
capitalismo organizou a sua forma de produzir riqueza, promovendo o êxodo rural
e aglomerando as famílias detentoras de mão de obra no entorno das grandes
cidades.
É chegada a hora de afastar tudo o que é
ruim e colocar no lugar o que significa avanço para melhorar a vida das
populações vítimas das desigualdades geradas pela ganância. Aproveitar o avanço
das ciências e das tecnologias para fins mais nobres.
A primeira grande janela da vida era
considerada pelo pensamento filosófico religioso como o momento chamado da
idade da razão, acontecia ao completar, a criança, sete anos de vida. No
entanto, Rousseau considerava também como a idade das paixões, mas somente
quando na fase da puberdade os jovens despertavam ou se habilitavam à vida sob
as responsabilidades geradas pelas descobertas do corpo, orientadas pelo
processo educativo e pela liberdade.
Segundo Vagner Junior dos Santos, em seu
artigo A Idade da Razão e das Paixões segundo Rousseau, “Rousseau queria uma
sociedade em que as pessoas fossem não apenas livres e iguais, mas também
soberanas, que exercessem um papel ativo dentro do contexto. E para que isso
acontecesse seria necessário ensiná-las a serem livres, autênticas e autônomas.
Seria essa uma tarefa de poder civilizar a civilização, ou seja, deveria
iniciar com a educação das crianças”.
O pensamento de Rousseau foi
fundamental para a pedagogia, porque orientava sobre a organização das emoções
no trato com a educação, o que é fundamental.
Em 1946, Jean Paul Sartre escreveu o seu
romance “A Idade da Razão”, no qual trata da problemática da liberdade, da
consciência e da moralidade sob a ótica do existencialismo. Em seu livro, num
primeiro momento indaga sobre o que é o homem e em seguida sobre o que é a
moral. E todo romance está pautado pelo sentimento de que a liberdade está
relacionada à tomada de decisões e às responsabilidades que devem ser assumidas
durante a vida.
A Educação no seu sentido mais amplo, ao
apresentar novos conhecimentos e novas experiências às crianças,
necessariamente deveria ser reflexiva para que cada ser humano possa ter
liberdade e discernimento ao construir o seu eu, no confronto com o que vem do
outro e, de forma coletiva, da sociedade.
Mas a questão é que, sendo a idade da razão
pensada de várias formas, desenhada ou formulada de vários modelos, nada mais é
do que o momento em que as crianças começam a entender o mundo e a construir a
sua visão sobre si mesmas e sobre os outros.
Na verdade, esse acontecimento na vida do
ser humano é difuso e acontece de forma diferenciada, devendo ser mediada pelos
processos educacionais que acontecem na família, na escola e na comunidade.
Nesse mundo dito moderno e desigual, o que acontece na comunidade vai
repercutindo cada vez mais no desenvolvimento das crianças.
É claro que aos sete anos a grande janela
que se abre para João e todas as crianças é a oportunidade de desenvolver as
capacidades de aprender a ler, escrever, ter noções sobre a matemática e as
ciências de modo geral e aprender sobretudo a ser livre para interpretar o que
está aprendendo e continuar desenvolvendo o seu raciocínio e moldando o seu
pensamento, sabendo que a referência sempre é o outro.
E aprender a pensar que nunca nada será o
bem se não for para todos.
Fácil de compreender Paulo Freire quando
ele fala que “a educação não transforma o mundo, mas transforma pessoas que
transformam o mundo.” E quando discute quão é danosa o que ele chama de
educação bancária, aquela que joga, despeja aos alunos montanhas de
conhecimentos produzidos sem a ação reflexiva sobre os mesmos, sua importância
e qual a sua utilização para a vida das pessoas.
O Brasil, que foi um dos primeiros países
do mundo a reconhecer as crianças como um ser especial em desenvolvimento, em
1990, através da Lei nº 8.069 que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente, precisa abrir a grande janela da Educação para todas as suas
crianças e jovens. Escolas públicas com professores bem formados, valorizados,
com tempo integral para o desenvolvimento da aprendizagem, bibliotecas e
instrumentos tecnológicos que possibilitem um ambiente de pesquisa, ambientes
esportivos e boa acolhida emocional.
Do contrário, permaneceremos perdidos no
tempo, emaranhados em decisões políticas alheias às nossas necessidades,
vítimas das milícias, do tráfico de drogas e da violência urbana, destruindo os
processos culturais, produzindo grãos genéricos com bastante agrotóxico para
exportar, devastando nossas matas e poluindo os rios, enquanto quase a grande
maioria da população sente fome.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga.
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