Folha de S. Paulo
Praticamente nada foi feito para evitar que
desgraça similar se repetisse
Quanto vale uma vida? Quem é razoavelmente instruído há de dizer que a vida não tem preço, é direito fundamental e inviolável previsto na Constituição Federal. No dia a dia, porém, o valor da vida no Brasil está atrelado a fatores como o Código de Endereçamento Postal (CEP) da residência, a cor da pele, a rede de contatos e o poder econômico da pessoa. E, como cantou Elza Soares, a voz do milênio, "a carne mais barata do mercado é a carne negra".
Claro que isso não se encontra registrado em nenhum diploma legal, até porque seria flagrantemente inconstitucional para dizer o óbvio ululante. Mas, na prática, é assim que a banda toca. Os exemplos —como a quantidade e o perfil dos mortos, desaparecidos e desabrigados em decorrência das fortes chuvas na Bahia, em Minas Gerais, em São Paulo e no Rio de Janeiro desde o final do ano passado— pululam.Com milhares de pessoas precariamente instaladas em áreas de risco país adentro, não há dúvida de que a prevenção de catástrofes naturais e o cuidado com quem vive em situação de vulnerabilidade social não são prioridades do Estado brasileiro. Em esfera alguma. Do contrário, o cenário seria menos funesto do que o que se tem visto reiteradamente.
No caso específico do RJ, onde em 2011 uma chuvarada provocou as mortes de mais
de 900 pessoas em cinco municípios da região serrana, praticamente nada foi
feito para evitar que desgraça similar se repetisse.
Imagens desalentadoras de familiares cavando a lama à procura dos corpos de
seus entes desaparecidos enquanto autoridades proferem discursos sobre como
reparar a situação compõem o quadro da dor e do abandono ao qual o povo está
entregue.
O que é isso senão fruto do desleixo e da inoperância do poder público? Talvez
uma oportunidade de refletir sobre a escolha de representantes dispostos a
prevenir mais do que remediar e a fazer política pensando na maioria da
população brasileira, que é pobre, preta e parda.
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