EDITORIAIS
Criatividade ajuda a elevar índices de
vacinação infantil
O Globo
Diante da omissão do Ministério da Saúde e
de decisões obscuras que só servem para boicotar a campanha de vacinação
infantil, governos locais, profissionais de saúde e instituições assumiram o
protagonismo necessário para imunizar 20 milhões de crianças de 5 a 11 anos o
mais rápido possível. São louváveis as iniciativas em andamento nos mais
diversos cantos do país para aumentar os índices de cobertura — um mês depois
de iniciada a aplicação das doses para essa faixa etária, menos de um terço das
crianças foi vacinado.
É um alento ver a criatividade ocupar o lugar do obscurantismo. Num posto de Goiânia (GO), profissionais na linha de frente da imunização se vestiram de super-heróis para atrair a atenção das crianças e tornar menos tenso o momento da picada. Viraram heróis de verdade: a iniciativa aumentou a frequência de 60 para cerca de 150 por dia, como mostrou o jornal “Hoje”. Inúmeras cidades pelo país passaram a emitir “certificados de coragem” aos pequenos que estendem o braço à agulha. Outras distribuíram brindes. Em Belo Horizonte (MG), locais de vacinação se tornaram playgrounds. Um centro de saúde de Aquidauana (MS) emprestou óculos de realidade virtual para distrair os pequenos.
Há centenas de iniciativas por todo o país.
Merecem registro também as secretarias que têm promovido “busca ativa” para
localizar os não vacinados. No Rio, onde nem metade das crianças tomou vacina,
a prefeitura decidiu levar a campanha às escolas. Pedidos de autorização são
enviados aos pais, os que quiserem podem acompanhar os filhos. O governo de São
Paulo levará postos volantes para dentro de escolas públicas e particulares.
É inegável que os obstáculos criados pelo
presidente Jair Bolsonaro, contrário à vacinação, e pelo ministro da Saúde,
Marcelo Queiroga — que adota postura ambígua sobre o assunto —, têm impactado a
campanha. Não se podem desprezar também os efeitos nocivos dos movimentos
antivacina, que têm ganhado espaço no Brasil. Carros de som propagando mentiras
e cartazes criminosos comparando as vacinas aprovadas pela Anvisa a venenos
contribuem para disseminar medo e desconfiança nos pais.
Fez bem o ministro Ricardo Lewandowski, do
Supremo Tribunal Federal (STF), em proibir o Ministério da Mulher, da Família e
dos Direitos Humanos de criar um canal para receber denúncias de pais
contrários à vacinação. O argumento estapafúrdio da ministra Damares Alves era
defender os direitos humanos. Deveria se preocupar com o principal deles: o
direito à vida. Lewandowski ordenou ainda que sejam retiradas as absurdas notas
técnicas do governo que questionam a eficácia e a obrigatoriedade da vacinação.
Como mostrou reportagem do GLOBO, enquanto
o país perdia tempo precioso com discussões inúteis sobre a necessidade da
vacinação infantil, seis crianças morreram de Covid-19 e 124 contraíram a forma
grave da doença, uma tragédia. Em razão dos obstáculos criados pelo Ministério
da Saúde, como uma absurda consulta pública, a campanha de vacinação começou
tarde e ainda não engrenou como deveria. Nesse cenário de incertezas e dúvidas
fabricadas, são alentadoras as iniciativas que surgem de forma criativa por
todo o país e a abnegação de profisionais de saúde para elevar os índices de
vacinação. Funcionam como antídoto contra os males do negacionismo.
As lições da crise dos caminhoneiros canadenses
para o Brasil e o mundo
O Globo
O protesto de caminhoneiros e manifestantes
antivacina no Canadá tem inspirado movimentos semelhantes noutras partes do
mundo e demonstra o poder de mobilização de pequenos grupos de defensores de
teorias conspiratórias. Ecoa o mesmo espírito e reúne o mesmo perfil dos que
invadiram o Capitólio em Washington ou promoveram a revolta dos “coletes
amarelos” na França. Num momento em que parte maior da população sente a fadiga
provocada pelas restrições adotadas para combater a pandemia, extremistas se
aproveitam para sair das sombras e aumentar seu poder de confusão. Continuam
sendo uma parcela minoritária, mas extremamente barulhenta.
No final de janeiro, caminhoneiros saíram
de todas as partes do país rumo à capital Ottawa, para o que seria em princípio
um protesto. Chegando lá, ocuparam a cidade. Em pouco tempo, passaram a
interditar avenidas, xingar transeuntes por uso de máscara e buzinar sem parar.
Não satisfeitos, bloquearam pontos da fronteira com os Estados Unidos, como a
Ponte Ambassador, por onde passa 25% do comércio.
A ação do governo e da polícia foi de
início tíbia. Na semana passada, o primeiro-ministro Justin Trudeau decidiu
reagir com energia, mas aí exagerou. Para lidar com a crise, invocou uma Lei de
Emergências que permite ao governo tomar medidas extraordinárias em casos de
guerra ou sedição. “Não podemos e não permitiremos que atividades ilegais e
perigosas continuem”, disse. A polícia comunicou aos caminhoneiros que era hora
de sair de Ottawa ou enfrentar as consequências. Quem ajudou com suprimentos,
combustível e fundos também foi alvo da ação. Houve multas, prisões,
investigações sobre financiadores, até confisco de saldos bancários e
criptomoedas usadas para arrecadação.
É possível que esse tipo de medida contenha
a ameaça imediata, mas não resolve o problema de fundo: o efeito da decadência
que se abateu sobre parcelas da população que querem se fazer ouvir e mantêm
poder de mobilização, facilitado pela tecnologia. No mundo todo, os
“esquecidos” ou “deixados para trás” em rincões afastados têm adotado o
discurso de defesa da liberdade (no Canadá, o movimento se autointitula
“Comboio da Liberdade”). Veem ameaça nas decisões tomadas pelo poder que emana
dos grandes centros urbanos, seja o aumento do diesel (que deflagrou os
protestos dos coletes amarelos ou dos caminhoneiros brasileiros em 2017) ou a
imposição de restrições sanitárias (caso recente de Canadá, Austrália ou
Estados Unidos).
Em toda democracia, minorias têm o direito
de se fazer ouvir saindo às ruas. Os caminhoneiros canadenses, porém, passaram
dos limites ao transformar protesto em arruaça, com adesão de neonazistas e
outros movimentos desprezíveis. No Brasil e no mundo, as autoridades e o
Judiciário precisam acompanhar os desdobramentos. Não se pode esquecer que
temos um presidente com histórico de manipular caminhoneiros, propagar teorias
da conspiração e ser um expoente do movimento antivacina.
Grátis para quem?
Folha de S. Paulo
Empurrar subsídios ao transporte coletivo para a União é saída fácil e enganosa
O transporte público municipal vive uma crise de financiamento que é estrutural, mas foi agravada pela pandemia. Não espanta, nesse cenário, a pressão crescente por ajuda federal vinda de prefeitos e associações de empresas do setor.
O resultado foi a
aprovação pelo Senado de um projeto que
poderá transferir neste ano R$ 5 bilhões da União aos municípios,
recursos que serão destinados a manter a gratuidade de acesso a idosos com mais
de 65 anos.
Um problema de origem da proposta está no
critério de idade. Toda política pública se encontra inserida em uma realidade
de escassez de recursos; por isso é preciso haver foco nos que realmente
precisam da intervenção do Estado. Mais correto, pois, seria subsidiar o
transporte de idosos pobres, como ocorre em outros programas.
As dificuldades do
setor, de fato, são graves. A Covid-19 legou uma redução de demanda por
transporte público, que ainda opera com ociosidade entre 30% e 40%. Também por
causa do aumento de custos, principalmente dos combustíveis, o prejuízo
acumulado desde o início de 2020 seria próximo a R$ 21 bilhões, segundo as
associações.
Em que pese essa
realidade, simplesmente transferir mais dinheiro federal, nos moldes atuais de
operação dos sistemas, não resolverá nenhum problema de forma sustentável. No
máximo, trata-se de um remendo para evitar aumento de tarifas em ano eleitoral,
um terror do mundo político desde as manifestações populares de 2013.
Em vez de uma revisão
ampla dos mecanismos de custeio e padrões de qualidade das concessões, que
poderia se dar a partir de um novo marco regulatório para o setor em tramitação
no Senado, opta-se apenas por jogar o custo nos cofres federais já
deficitários.
Tal saída se tornou
conveniente com a fragilidade política e programática do governo Jair Bolsonaro
(PL) e a baixa capacidade de resistência do Ministério da Economia.
Se a crise no setor
é um fato, não procede que Estados e municípios careçam de recursos próprios.
Ao menos no caso das grandes cidades, que de todo modo concentram a maior parte
do problema, houve enorme crescimento de arrecadação, a ponto de várias
terminarem o ano passado com recorde de dinheiro em caixa.
Como se sabe, os
municípios recebem 25% da receita do ICMS estadual, que disparou no ano
passado. Tome-se o exemplo do município de São Paulo, que aprovou para 2022 um
Orçamento de R$ 82,7 bilhões, o maior da história, e dispunha de inauditos R$
27 bilhões em sua conta no final de 2021.
Segundo o prefeito
Ricardo Nunes (MDB), o custo da gratuidade para idosos ficaria em R$ 450
milhões. A cidade, pois, dispõe de dinheiro, se quisesse usá-lo para esse fim.
Infelizmente, o discurso fácil da penúria sempre conta com a boa vontade do
Congresso.
Vieses policiais
Folha de S. Paulo
Negros, pobres e moradores da periferia são mais parados; urge adoção de câmeras
Os dados parecem não deixar dúvidas: os negros são mais abordados por policiais na cidade do Rio de Janeiro. Eles representam 63% das pessoas que dizem ter sido paradas por agentes da lei, uma fatia consideravelmente superior ao seu peso entre os cariocas (48%).
Os que se declaram
brancos, em comparação, equivalem a 51% da população local e correspondem a 31%
de quem foi parado ou abordado. No total, 39% dos entrevistados na cidade
afirmaram ter passado por essa experiência.
Os números,
apurados pelo Datafolha, estão no relatório "Elemento Suspeito",
lançado na terça-feira (15) pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania.
Ressalve-se que nem
todos os contatos com a polícia relatados são negativos. Dos 739 moradores do
Rio que responderam ao questionário completo, 66% viram agentes ajudando
pessoas. No entanto nada menos que 46% testemunharam agressões, e 32% tiveram
um parente ou amigo morto ou ferido.
Procurada pela Folha para comentar os resultados do
levantamento, a Polícia Militar fluminense afirmou que não há viés racial nas
suas operações e que segue protocolos rígidos de atuação.
A resposta, formal
e irrealista, poderia levar em consideração outros aspectos identificados pela
pesquisa. Por exemplo, 66% das pessoas paradas pela polícia vivem em bairros
periféricos ou favelas e 60% ganham até três salários mínimos —segmentos
sobrerrepresentados por pretos e pardos.
Logo, fatores como
geografia e nível de renda adicionam uma camada de complexidade à questão
puramente racial. Trata-se aqui, ademais, de uma cidade que tem parte
importante de seu território sob o poder de criminosos e que amarga patamares
alarmantes de letalidade em operações policiais.
De nada adianta
virar as costas para a truculência e para os vieses por trás de boa parte de
abusos e ilegalidades. É preciso encarar o problema e pensar em soluções.
Uma delas está à
vista de todos. Trata-se das câmeras portáteis em uniformes, utilizada com
êxito nas forças policiais de São Paulo. O equipamento inibe o mau
comportamento dos agentes da lei com um simples ganho de transparência.
Sua adoção em todos
os estados é urgente para conter o arbítrio e combater abusos —inclusive
aqueles que a Polícia Militar fluminense ainda não consegue enxergar.
Nem Deus nem o diabo são candidatos
O Estado de S. Paulo
É falsa a afirmação de que o eleitor terá
de decidir entre Lula e Bolsonaro. É manipulação rigorosamente antidemocrática.
Diante do descalabro do governo de Jair
Bolsonaro, parece evidente a necessidade de que as eleições do segundo semestre
sirvam para interromper o retrocesso e a destruição a que o País vem sendo
submetido desde 2019 pelo bolsonarismo. Trata-se de imperativo civilizatório
mínimo. Jair Bolsonaro mostrou-se indigno e incapaz do cargo que lhe foi
atribuído em 2018.
Mas o desempenho sofrível de Bolsonaro na
Presidência da República não leva apenas a rejeitar o bolsonarismo nas urnas.
Isso seria pouco. A experiência com o governo atual explicita, com poderosa
contundência, a necessidade de que a campanha eleitoral esteja centrada em
ideias e propostas políticas, e não apenas em nomes. Essa é a melhor proteção
contra a farsa bolsonarista.
Deve-se destacar, ao mesmo tempo, que esse
tema transcende as circunstâncias políticas atuais, tendo raízes na própria
essência do regime democrático. Não há pleno exercício dos direitos políticos
se o eleitor faz na urna mera opção por nomes. Não há plena cidadania se o voto
é tão somente uma avaliação sobre o passado. O direito ao voto inclui a
possibilidade de escolha sobre o futuro do País. Daí a importância de haver –
sempre, mas especialmente em ano eleitoral – uma genuína e ampla discussão a
respeito dos diagnósticos e soluções possíveis para os problemas nacionais.
Fugir desse debate é ludibriar, de partida, o eleitor.
Por óbvio, ninguém tem o descaramento de
negar explicitamente a conveniência de discutir, numa eleição, o futuro do
País. A manipulação é um pouco mais sutil, mas igualmente nefasta. Por exemplo,
é cada vez mais comum ouvir que, nas eleições deste ano, o eleitor terá de
decidir entre Lula e Bolsonaro. Essa afirmação, que pode soar a alguns ouvidos
como realista – afinal, são os nomes que aparecem nas primeiras posições das
atuais pesquisas de intenção de voto –, é inteiramente equivocada. Vigora no
Brasil o sistema do pluripartidarismo e se pode afirmar, com toda a certeza,
que haverá outros candidatos disputando a Presidência da República em outubro
deste ano. Além disso, o primeiro turno das eleições ainda está muito distante.
A falsa disjuntiva entre Lula e Bolsonaro
tem um só objetivo: desqualificar e impedir o debate de propostas e ideias
políticas sobre o futuro do País. Trata-se de manipulação asfixiante e rigorosamente
antidemocrática.
Como esperado, o PT se empenha em fazer com
que o eleitor acredite que inexistem alternativas a Lula quando se trata de
escolher um candidato capaz de desbancar Bolsonaro. O partido quer encerrar o
eleitor desde já numa estreita clausura eleitoral: ou Lula ou Bolsonaro. Ao
fazê-lo, o PT se dispensa de apresentar uma discussão madura sobre o futuro do
País. Quer impor um binarismo que, a rigor, nem é escolha: é imposição do
retrocesso, seja qual for o resultado.
Não é nova a tentativa do PT de
desqualificar toda opção política não alinhada ao lulopetismo. Agora, no
entanto, a pretensão autoritária tem ganhado contornos escandalosamente
explícitos. Em recente reunião da legenda, segundo informou o UOL, Lula disse com
todas as letras como se vê – e como deseja colocar o eleitor entre a cruz e a
espada. “A humanidade acompanha há séculos a polarização entre Deus e o diabo,
e nunca teve terceira via”, disse. Nesses termos apocalípticos, supõe-se que
todo aquele que não votar em Lula estará escolhendo o diabo.
Outra tentativa de impedir que o eleitor
pondere serenamente a respeito das consequências do seu voto sobre o futuro do
País é afirmar que as eleições presidenciais de 2022 são apenas e tão somente
um plebiscito sobre a barbárie do governo Bolsonaro. Sob essa lógica, para
impedir um segundo mandato de Bolsonaro, valeria a pena votar em qualquer outro
candidato. É bom lembrar que foi esse estreito raciocínio, antes aplicado ao
lulopetismo, que conduziu Bolsonaro ao Palácio do Planalto. Não convém repetir
o erro.
Eleições não são mero duelo de nomes. O
voto é oportunidade de avaliar o passado e, de forma muito especial, de definir
o futuro.
O triunfo definitivo do Centrão
O Estado de S. Paulo
Lira deixa claro que anemia da cadeira
presidencial é fato consumado e que o próximo presidente terá de se submeter ao
Congresso
Se foi malsucedido em implantar uma agenda
conservadora como a prometida na campanha de 2018, Jair Bolsonaro pode se
vangloriar de ter subvertido o presidencialismo de coalizão vigente no País
desde a redemocratização. Na atual administração, o governo não governa, não
define os projetos que serão submetidos ao Legislativo e não articula maioria
no Congresso. Essas atividades foram gentilmente cedidas a Arthur Lira (PP-AL),
que assumiu as funções como se tivesse sido ele, e não Bolsonaro, o eleito com
o voto de 57,7 milhões de brasileiros para comandar o Orçamento e liderar o
debate legislativo. É sempre necessário lembrar que não foi, ainda que uma
recente entrevista de Lira ao jornal Valor Econômico explicite esse e vários
outros aspectos da realidade política do País supostamente presidido por
Bolsonaro. A bem da verdade, a cadeira presidencial já vinha sendo enfraquecida
antes, ainda sob Dilma Rousseff, mas o processo se acentuou ainda mais com
Bolsonaro, cujo único objetivo desde que foi eleito é garantir mais quatro anos
no cargo.
Está cada vez mais evidente que caberá a
Lira dar uma solução para o pandemônio que se tornou a discussão sobre a
desoneração de combustíveis, obsessão bolsonarista e alvo de pelo menos duas
Propostas de Emenda à Constituição (PEC), uma delas apelidada de PEC Camicase
pelo impacto estimado de R$ 100 bilhões aos cofres públicos. Se depender do
presidente da Câmara – e já se sabe que depende –, o Congresso deixará as
bombas fiscais de lado e aprovará um projeto de lei complementar que muda a
cobrança de ICMS, hoje um porcentual sobre o preço, para um valor fixo por
litro, e aproveitará a proposta para embutir no texto a redução dos impostos
federais sobre o diesel. “Não temos interesse nenhum em atrapalhar o caminho
involutivo que o dólar está tendo e que a inflação terá”, disse Lira.
É, portanto, com o espírito público de Lira
– dono do orçamento secreto e articulador da PEC dos Precatórios, aquela que
dinamitou o teto de gastos – que o País precisa contar para evitar a explosão
da inflação e a desvalorização do câmbio, enquanto o Banco Central luta
praticamente sozinho para manter alguma estabilidade na economia. O ex-superministro
Paulo Guedes, por sua vez, “é como ele é, todo mundo sabe como ele é”, na
precisa definição de Lira, e deveria seguir a hierarquia – o que, neste
governo, significa um presidente decorativo tutelado pelo ministro da Casa
Civil, Ciro Nogueira. “As pessoas me perguntam se houve uma superposição do
ministro Ciro sobre o ministro Guedes. Não. Todo governo tem que ter uma
hierarquização. O presidente da República, o ministro da Casa Civil e depois os
outros ministros. Se o ministro da Casa Civil não organizar o Ministério, fica
ruim. Tem que ter quem fale pelo governo. O ministro da Economia tem que ser
ouvido, é figura-chave com relação aos projetos econômicos, mas ele não pode
ter a palavra final se o governo vai querer fazer política de saneamento. Isso
aí é governo. Ele pode falar sobre o impacto e o governo tem a posição política
de enfrentar ou não”, disse.
Não que surpreenda, mas chama a atenção uma
exposição tão nua da natureza distorcida das relações entre Executivo e
Legislativo. Lira deixa claro que a anemia da cadeira presidencial é hoje um
fato da vida, e se as consequências desse fato serão boas ou ruins para a
sociedade é o comando do Congresso quem vai dizer. Nesse sentido, o principal
recado de Lira, que já reconheceu a iminente derrota de Bolsonaro ao menos no
Nordeste, foi para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Líder das
pesquisas de intenção de voto, Lula já anunciou que pretende revogar a reforma
trabalhista e as privatizações de estatais e subsidiárias se for eleito. “Só
queria lembrar que no meio dos presidentes que estão e que serão eleitos tem o
Congresso Nacional. E já deixei bem claro: permanecendo um Congresso de
centro-direita, nossa vontade é não retroagir nos avanços que a gente já teve.
O problema do Brasil é terminar as reformas paradas.” Traduzindo: o presidente
da República pode até mudar, mas Lira fica, e o Centrão também.
Depois de seis anos, venda da Eletrobras
pode virar realidade
Valor Econômico
China volta ao ponto de partida e encara um
revés provisório nas mudanças de paradigma de sua economia
Os acionistas da Eletrobras, holding que
controla o capital das estatais federais de energia, se reúne amanhã, em
assembleia-geral, para deliberar sobre a privatização da companhia. Tudo indica
que, depois de quase seis anos, quando a iniciativa foi lançada pelo governo do
presidente Michel Temer, a maior empresa de energia do Brasil deixará de ser
controlada, nos próximos meses, pelo Estado.
Na última quarta-feira, por seis votos a
um, os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) aprovaram os estudos
técnicos do Ministério das Minas e Energia para a desestatização da companhia,
fundada em 1962 como estatal, em meio à polarização política provocada pela
Guerra Fria. Embora aliado dos Estados Unidos na Segunda Guerra e adepto da
democracia e do capitalismo, o Brasil vivia internamente, no início da década
de 1960, sob forte pressão de setores da classe média para estatizar empresas,
principalmente, as prestadoras de serviços públicos.
Na ocasião, eram fortes ainda os ecos da
maior mobilização popular ocorrida até então: a campanha, de notório viés
anti-americano, "o petróleo é nosso ", de 1953, que resultou na
nacionalização das reservas de petróleo e na fundação, no ano seguinte, da
Petrobras, detentora de monopólio que se estendeu até 1998, quando o Congresso
Nacional, aprovou emenda à Constituição extinguindo-o.
Os custos desse monopólio para o Brasil são
visíveis. Em que pese o reconhecido desenvolvimento da estatal como expert na
exploração de óleo em águas profundas, a ausência de competidores para a
Petrobras durante décadas atrasou o aumento da eficiência da economia
brasileira, que ainda hoje paga pelas consequências do modelo estatal.
No caso da Eletrobras, o ambiente, hoje,
não lembra nem de longe a concentração de mercado que ainda beneficia a
Petrobras e prejudica o país. Há atores privados operando em todos os segmentos
do setor, com exceção da geração de energia nuclear. Isto significa que não faz
mais sentido manter a companhia sob comando estatal porque a tendência é que,
presa às regras de controle do Estado, não consiga competir com os concorrentes
e, assim, além de não prestar bons serviços à população e às empresas, perca
continuamente valor, o que no fim também é prejudicial aos interesses da
maioria dos brasileiros, dado o elevado investimento feito pelo Tesouro na empresa
ao longo de 60 anos.
O corporativismo de parte dos funcionários,
o patrimonialismo (dos empregados e de fatias da classe política e do
empresariado) e a visão ideológica (na maioria dos casos, usada para defender
interesses escusos) impuseram obstáculos à privatização da Eletrobras desde
2016, quando o governo tomou a decisão de colocar esse tema na agenda. Em
decisão monocrática _ uma distorção institucional que afronta o arcabouço
democrático brasileiro _, um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
determinou que, doravante, toda privatização tivesse que ser aprovada por lei.
Ora, já havia lei consolidada sobre o assunto, seguida por todos os governos
eleitos desde 1989, e esta exigia apenas que o presidente da República, por
meio de decreto, ordenasse a inclusão da estatal no Programa Nacional de
Desestatização, sendo que este foi instituído por legislação específica.
A novidade do caso Eletrobras é que todos
os obstáculos, inclusive, o último, de caráter quixotesco, protagonizado por
ministro do TCU, foram superados de maneira institucional e, portanto,
democrática _ o que significa dizer que a não privatização é que poderá ser
qualificada de ato ilegítimo, uma vez que o Congresso aprovou lei para a venda
da estatal e o TCU chancelou os estudos técnicos para viabilizar a
desestatização.
O ato quixotesco coube ao ministro Vital do
Rêgo, do TCU. Recorrendo a algo inexistente na avaliação de ativos para fins de
privatização _ o valor da potência das hidrelétricas _, o ministro, designado
relator dos estudos técnicos, calculou que o erário perderá R$ 34 bilhões se
vender a holding nas condições propostas. Logo, tratou como "falha"
algo incalculável, uma vez que não existe mercado para mesurar o
"ativo" ao qual se refere.
No Brasil e alhures, define-se, não apenas no setor público mas também no privado, o preço de um serviço de utilidade pública, como energia e telecomunicação, com base na projeção do fluxo de caixa descontado (isto é, referente ao período de concessão, estimada a inflação). Evidentemente, esta é uma conta complexa que, por isso mesmo, está sujeita à reavaliação ao longo do prazo de concessão. O ministro conseguiu holofotes para sua tentativa canhestra de impedir a venda da Eletrobras, mas não o apoio dos colegas, o que mostra que o Brasil, apesar dos problemas, avança institucionalmente.
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