Correio Braziliense
Todos são políticos profissionais, mas há
uma diferença nada sutil entre ser remunerado com um salário de parlamentar ou
ter esse salário multiplicado pelo fato de representar grandes interesses
privados
Uma das características da política em Brasília é o fato de que o outro lado do balcão não muda muito em matéria de lobbies no Congresso. O que muda é a composição da Câmara e do Senado, a cabeça de quem manda na pauta das duas Casas e a correlação de forças a favor e/ou contra os interesses em jogo. Nos bastidores, os lobistas que atuam a favor desses interesses são muito conhecidos. Quando são flagrados fazendo coisa errada, são rapidamente substituídos por outros.
Há todo tipo de lobistas. Os mais sérios atuam com competência na discussão de
mérito e na articulação política. Os bandidos engravatados são os que operam as
malas da propina. Como não há regulamentação da prática de lobby, todos acabam
estigmatizados pela opinião pública. Por isso, talvez a mãe de todas as
prioridades do Centrão deveria ser a regulamentação do lobby, como acontece nos
Estados Unidos e muitos países da Europa. Haveria mais responsabilidade e
transparência na tramitação das propostas.
O sociólogo alemão Max Weber, na célebre palestra A política como vocação, divide os políticos em duas categorias: os que vivem para a política e os que vivem da política. Na primeira categoria estão aqueles que veem a política como bem comum, ou seja, não são financeiramente remunerados pelos projetos que votam em favor de interesses privados ou corporativos. Na segunda, os que têm a política como verdadeiro negócio, na acepção da palavra, pois se beneficiam financeiramente das leis que aprovam. Muitas vezes são empresários do ramo ou agentes remunerados diretamente pelo engajamento em projetos empresariais. O Centrão é formado por parlamentares que veem a política como negócio.
Todos são políticos profissionais, mas há
uma diferença nada sutil entre ser remunerado com um salário de parlamentar ou
ter esse salário multiplicado pelo fato de representar grandes interesses
privados. A existência de salário é a forma encontrada para garantir a
sobrevivência de quem defende o bem comum. Entretanto, no Brasil, todos os
políticos dizem representar o bem comum, embora não seja isso que aconteça
muitas vezes, na prática. O bem comum geralmente é difuso e universal, tem
apoio social disperso na sociedade. O negócio, não. É focado numa atividade
econômica, num determinado espaço geográfico ou num segmento da sociedade. Seu
lobby é mais concentrado e direcionado. A regulamentação do lobby, para uns e
para outros, possibilitaria mais transparência e paridade de meios de atuação
entre os que defendem os interesses públicos e os agentes dos interesses
privados nos bastidores da nossa política.
Regras do jogo
Por exemplo, vejamos a pauta anunciada pelo
ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), de comum acordo com o presidente
da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Não é nenhuma novidade para quem acompanha a
vida do Congresso, muitos projetos dormem nas gavetas da mesa da Câmara ou das
comissões há anos, mas, agora, existe uma conjunção zodiacal que favorece a
aprovação dessas matérias até então consideradas prejudiciais à sociedade, à
economia popular, à saúde pública, aos direitos humanos ou ao meio ambiente.
Como aconteceu na quarta-feira, com a nova
Lei do Agrotóxico. Os deputados ligados ao agronegócio, muitos deles
fazendeiros, articularam a aprovação trocando apoio com outros segmentos
interessados em matérias dessa “pauta suja”, como a chamada “bancada da bala”,
interessada na liberação da venda e compra de armas e na chamada “exclusão de
ilicitude”, que legitima a violência policial indevida.
Com apoio do presidente Jair Bolsonaro, a
“bancada da bala”, da qual seu clã faz parte, nunca teve tanto poder. Os
lobistas das indústrias de armamento circulam à vontade nos corredores do
Congresso. Nas redes sociais, têm forte apoio de atiradores, milicianos,
caminhoneiros, fazendeiros, garimpeiros, grileiros, os embrutecidos e violentos
de um modo geral.
Essa aliança entre o agronegócio e a
“bancada da bala” não é nova, mas nunca teve tanta influência na pauta de
votação do Congresso, em razão dos acordos feitos por Lira para se eleger
presidente da Câmara. O esquema se reproduz com os políticos ligados às grandes
empresas interessadas no novo marco da mineração, na flexibilização do
licenciamento ambiental, no fim da demarcação das terras indígenas e na PEC dos
Combustíveis, para citar o que o Congresso deve debater nas próximas semanas.
Existe uma Associação Brasileira de
Relações Institucionais Governamentais (Abrig), que reúne executivos das
principais empresas do país, e luta pela regulamentação do lobby faz algum tempo.
Na cartilha da entidade, a atividade é conceituada como aquela “por meio da
qual os atores sociais e econômicos impactados por proposições legislativas
(Parlamento), por políticas públicas (Executivo), por demanda da sociedade
civil organizada (terceiro setor) e/ou pelo mercado (consumidores) fazem chegar
aos tomadores de decisões estratégicas (privado) e políticas (autoridades) a
sua visão sobre a matéria”. Que isso seja feito com transparência e regras
claras.
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