sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Vinicius Torres Freire: Não olhe para cima

Folha de S. Paulo

Tem festinha na Bolsa e dólar em baixa, mas asteroide do juro dos EUA é um risco

Aqui na terrinha, o Ibovespa continua em alta, indiferente ao tombo dos irmãos americanos. Para surpresa quase geral, o dólar caiu da casa dos R$ 5,60 de dezembro para perto dos R$ 5,20. Se a gente olhar para cima, porém, verá que o asteroide dos juros americanos ficou mais próximo. Mesmo quando apenas passa perto, costuma causar confusão.

A inflação nos Estados Unidos chegou a 7,5% ao ano em janeiro, a maior em 40 anos, sem sinal de esfriar. As taxas de juros lá deram saltos raros nesta quinta-feira. Agora, se discute em que ritmo o Fed, o Banco Central deles, vai elevar a taxa básica de juros, ora próxima de zero. Muito analista velho de guerra, reputado e administrador de muito dinheiro diz que o Fed está atrasado. Portanto, teria de aumentar muito mais seus juros, para compensar o atraso no controle da inflação.

Aumentos rápidos, grandes e sem hora para acabar podem ser um problema. Além de bater na economia "real", podem causar acidentes. Isto é, pegar gente graúda de calças curtas, em aplicações grandes e erradas, provocando estouros. Não é profecia. É só a cautela de qualquer um que já deu uma olhada na história de viradas financeiras.

E daí?

Para começar, o que é esta calmaria relativa no câmbio e essa alegria modesta na Bolsa? Tem entrado dinheiro. O fluxo financeiro neste ano estava positivo em quase US$ 6 bilhões no início de fevereiro (é a diferença entre o que entrou e saiu de dólares no país, operações de comércio exterior e finança), quase empatando com o saldo do ano passado inteiro. Aparentemente, o saldo do ano, mas não o mais recente, foi quase todo na Bolsa, onde estrangeiros (não residentes) puseram quase R$ 40 bilhões a mais do que tiraram, até 8 de fevereiro. Não se explica câmbio só por isso, mas vá lá.

Das moedas relevantes do mundo, o real foi a que mais se valorizou em 2022 (média de fevereiro ante média de dezembro). Há uma ondinha favorável a emergentes, mas o Brasil e quem apanhou muito no câmbio desde o início da epidemia se destacam mais. "Está barato". Existe ainda essa perspectiva de melhora relativa se um Lula "centrista" seja eleito, como é o chute atual de muito investidor estrangeiro.

Mais que isso, gente do mercado argumenta que algum dinheiro dá o fora dos Estados Unidos para escapar do baque das altas de juros. Esse dinheirinho que procura pechinchas em emergentes, como o Brasil, valoriza alguns papéis, como ações (mas não a dívida. Os juros continuam salgados por aqui).

Até quando? É ano de eleição, intranquilo em qualquer lugar, ainda mais por aqui. Jair Bolsonaro e o centrão estão no comando. Até ontem, essa gente estava disposta a estourar a dívida pública para fazer demagogia das bem burras (baixar impostos de montão). Quanto dinheiro os estrangeiros (não residentes) vão pingar neste ambiente? Sim, os ativos estão baratos, deprimidos pela economia ruinosa e pelo dólar caro. A diferença entre a taxa de juros daqui e de lá de fora é grande, o preço das commodities que vendemos está alto. Mas há motivo para dúvida razoável, um cheiro de risco —o jornalista não tem ideia além disso. Se tivesse, estaria em "romófice" na Polinésia, em Siracusa, Lisboa ou Paris.

Os juros americanos na praça devem estar subindo também porque o Fed está comprando menos títulos de dívida (na prática, ainda subsidia governo e setor privado), mesmo com inflação em alta, mercado de trabalho já apertado —deve acabar com essa festa em março. Ainda que seja verdade, as taquicardias recentes são inflação na veia. Há risco de mais emoção em caso de uma paulada do Fed, a partir de março. Olhem para cima.

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