O Globo
O líder da bancada do agora governista
Partido Social-Democrata alemão, Rolf Mützenich, viajou para o exterior pela
primeira vez na pandemia esta semana, para participar de um seminário em
Montevidéu intitulado “Quem disse que tudo está perdido?”. A pergunta
provocadora reflete a enorme expectativa que existe em vários países da região
e do mundo sobre o que muitos chamam de uma nova onda progressista ou de
esquerda na América Latina.
Que líderes de esquerda são favoritos em
eleições de peso, ninguém discute. O jovem Gabriel Boric derrotou o
ultradireitista José Antonio Kast no fim do ano passado e será empossado como
presidente do Chile no próximo dia 11 de março. Sentado ao lado de Mützenich,
na capital uruguaia, esteve Giorgio Jackson, ex-líder estudantil como Boric,
nomeado ministro da Secretaria-Geral da Presidência chilena.
Mas duas perguntas se impõem quando a torcida pela esquerda mostra tanta euforia: o que veremos será uma onda de proporções similares à que tivemos nos primeiros anos deste século? Ou apenas uma marola? Como farão os novos governos de esquerda, com menos recursos do que tiveram outros presidentes no passado (atualmente vive-se uma alta de preços, mas não uma explosão de commodities como a ocorrida entre 2000 e 2010), para enfrentar demandas sociais mais desafiadoras e populações mais impacientes?
O mundo está se recuperando de uma
pandemia, e os países latino-americanos, vale lembrar, a região mais desigual
do planeta, atravessam uma fase de enorme volatilidade política, social e econômica.
Que o diga o presidente do Peru, Pedro Castillo, que esta semana designou o
quarto primeiro-ministro de seu governo, após menos de 200 dias de mandato,
novo recorde da frágil democracia peruana. Em Lima, muitos já se perguntam até
quando resistirá o ex-sindicalista que se elegeu como promessa da esquerda e
rapidamente fez um giro à centro-direita para sobreviver.
Voltando ao Chile, é bom lembrar que, no
primeiro turno da eleição presidencial de 2021, a participação foi de apenas
47%, e Boric ficou em segundo lugar com 25,83%. Quase 75% dos chilenos não
votaram no novo presidente no primeiro turno. Em Montevidéu, Jackson, que em 6
de fevereiro passado fez 35 anos (Boric faz 36 hoje), assegurou que “não somos
uma loucura impossível de realizar”. Questionado sobre como fará seu governo,
sem maioria parlamentar, para aprovar medidas audaciosas como a reforma
tributária, da Previdência, da saúde e a implementação de um “modelo econômico
sustentável e justo” (leia-se: sair da dependência do cobre), o futuro ministro
reconheceu que elas dependerão de “alianças políticas, sociais e territoriais”
e, fundamentalmente, de uma nova Constituição que derrube os obstáculos que
hoje barram os pilares do programa de governo de Boric.
Os exemplos regionais mencionados por
líderes europeus quando fala-se numa nova onda progressista na América Latina
são Argentina, Bolívia, Honduras, México e Chile (demorou, mas Venezuela e
Nicarágua foram assumidos como regimes autoritários). As esperanças de 2022 são
Colômbia e Brasil, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como estrela
do momento. Nas eleições presidenciais colombianas, a aposta é o senador e
ex-guerrilheiro Gustavo Petro, na liderança, mas sem muito fôlego, que
pretende, entre outras iniciativas, criar uma frente antipetróleo com Brasil
(se Lula for eleito, claro) e Chile. Do que se trata exatamente? De reduzir
gradualmente a exploração de petróleo, uma das bases da economia local, e de
promover uma transição para uma economia impulsionada por “turismo e conhecimento”.
Petro quer economias descarbonizadas na América Latina.
Entre os que já estão no poder, o argentino
Alberto Fernández enfrenta boicotes internos para conseguir fechar um acordo
com o Fundo Monetário Internacional (FMI), salva-vidas que a Casa Rosada acredita
que conseguirá impedir um colapso total da economia. O obstáculo chama-se
Cristina Kirchner, sua vice, que prefere ser oposição dentro do próprio governo
para preservar um capital político que, confia, a manterá com força. Sem
reservas líquidas no Banco Central e sem acesso aos mercados externos (no
governo de Néstor Kirchner, a Venezuela de Hugo Chávez foi um dos principais
prestamistas), o presidente argentino foi buscar dinheiro na China e obteve, em
troca da adesão à nova Rota da Seda chinesa, a promessa de US$ 23,7 bilhões,
que chegariam por meio de investimentos e financiamento de obras públicas.
Nem tudo está perdido, dizem, entre outros,
os social-democratas alemães que, em meio às tensões entre China e Estados
Unidos, buscam aliados na América Latina. Instalou-se uma melancolia por um
passado não muito distante que muitos esperam que se repita. Hoje não se trata
de nomes, ou de lideranças mais ou menos carismáticas. Os latino-americanos
querem soluções e as querem pra já. Governos que não entregam resultados estão
fadados ao fracasso. A América Latina não precisa de um revival de esquerda,
precisa de governos pragmáticos e sensatos, com capacidade de aliviar a vida
dos — de acordo com recentes dados divulgados pela Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe (Cepal) — 201 milhões de pobres e 86 milhões de pobres
extremos que vivem na região.
*Repórter especial do GLOBO
Um comentário:
É,os tempos vão ser difíceis,aqui no Brasil Bolsonaro quebrou tudo.
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