EDITORIAIS
‘PL do Veneno’ traz riscos para a saúde e o
meio ambiente
O Globo
Foi irresponsável a aprovação, pela Câmara,
do projeto de lei 6.299/02, apelidado de “PL do Veneno” por flexibilizar o
controle e a autorização de agrotóxicos no país. A pretexto de modernizar e
desburocratizar as normas do setor, a proposta, mais uma das tantas “boiadas”
que o governo Bolsonaro passa por cima da legislação e do bom senso, embute
riscos seriíssimos ao meio ambiente e à saúde. A desfaçatez é tamanha que chega
a trocar a nomenclatura de “agrotóxico” para “pesticida”, como se isso pudesse
mudar os efeitos das substâncias químicas.
O projeto contém inúmeras aberrações. A primeira é conferir ao Ministério da Agricultura a competência exclusiva para autorizar novos agrotóxicos. Hoje, essa atribuição é compartilhada com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) — que cuida da saúde dos brasileiros — e com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) — que trata dos riscos ambientais. Pelo novo projeto, Anvisa e Ibama continuarão se pronunciando, mas não terão mais poder de veto. Infelizmente, se rompe o equilíbrio necessário num tema que não pode ser analisado de forma unilateral.
Outra barbaridade do projeto é prever
proibição do agrotóxico somente em casos de risco “inaceitável”. Pergunta
óbvia: até onde se aceitariam os riscos que poderão incidir sobre a saúde e o
meio ambiente? Um terceiro ponto controverso é ele permitir o uso de
agrotóxicos com registro temporário. A autorização provisória passaria a ser
concedida automaticamente quando a análise ultrapassar os prazos previstos. Na
prática, esse afrouxamento permitirá a venda de produtos nocivos à saúde ou ao
meio ambiente sem estudo prévio sobre danos (a única exigência é que estejam em
uso em pelo menos três países da Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico, OCDE).
Os riscos da tal modernização representam
retrocesso inegável. Ao analisar o projeto de lei em 2018, os cientistas da
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Guilherme Franco Netto e Marco Antônio Carneiro
Menezes atestaram que ele, “além de promover o completo desmonte da regulação
dos agrotóxicos no país, claramente prioriza os interesses econômicos e põe em
risco toda a sociedade, com repercussões de curto, médio e longo prazos”.
O problema não está, por óbvio, no uso do
agrotóxico em si, necessário para a garantir a qualidade e a competitividade da
produção agrícola. Está no uso sem controle. A história comprova como tais
produtos podem conter substâncias cancerígenas, nocivas à saúde ou ao meio
ambiente. Representam risco para trabalhadores da lavoura, populações vizinhas
e consumidores em geral. É por isso que as autorizações precisam ser
criteriosas, embasadas em critérios técnicos e científicos, não políticos.
Excluir órgãos como Anvisa e Ibama das decisões é um absurdo, pois essa lacuna
não será preenchida pelo Ministério da Agricultura. Cada um tem atribuições
específicas.
O pujante agronegócio brasileiro merece uma
legislação moderna, alinhada com a de outras potências do setor. Mas isso não
pode significar o “liberou geral” que põe em risco a saúde da população e a
preservação do meio ambiente. O Senado, para onde seguirá o “PL do Veneno”, tem
obrigação de depurar a proposta. Ou as consequências para o país no médio e
longo prazos serão desastrosas.
Corte do orçamento da CVM é ameaça ao
mercado de capitais
O Globo
Foi-se o tempo em que as notícias sobre a
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) interessavam apenas ao mundo financeiro.
Hoje, os assuntos envolvendo o xerife do mercado de capitais têm apelo maciço.
O Brasil reúne 3 milhões de investidores em ações e 4,2 milhões com contas
abertas em corretoras de valores. Nos últimos 12 meses, 1,5 milhão de pessoas
passaram a operar nesse mercado. Metade dos brasileiros da classe A e 30% da B
investem em produtos financeiros, segmento em que as aplicações destinadas a títulos
e fundos têm crescido nos últimos anos.
É essencial, para a segurança desses
investidores, que a CVM tenha condição plena de fiscalizar o que se passa entre
os agentes econômicos, disciplinar eventuais falhas e desenvolver regras em
novas frentes. Está em jogo, sem exagero, a credibilidade do mercado. Causa
estranheza, portanto, a decisão do governo federal de reduzir em mais de 50% o
orçamento previsto para manutenção das atividades da CVM.
O corte não veio acompanhado de
justificativa que fizesse sentido, estudos que apontassem desperdícios de
gastos ou áreas pouco produtivas. Há cerca de dez anos não há concurso público
para a autarquia. A CVM gera receita com a cobrança de taxas de fiscalização.
Parte desses recursos deveria custear suas despesas, mas tem sido destinada
diretamente ao Tesouro Nacional. Ex-diretores do órgão descrevem a situação
como asfixia.
É dever do governo federal tratar da
recomposição do orçamento. O bom funcionamento do mercado de capitais é
essencial num país como o Brasil. Num ciclo virtuoso, ele funciona como o canal
de comunicação entre a poupança doméstica e as necessidades de recursos das
companhias. Para atrair capital, as empresas são incentivadas a ser
transparentes, ter boa governança corporativa e a alocar o dinheiro de forma
eficiente. Quando isso ocorre sem sobressalto, aumentam as chances de
investidores receberem retorno pelo que aplicaram e de as empresas obterem mais
acesso a capital. Esse ecossistema é o melhor indutor de crescimento econômico
e criação de empregos que se conhece. Não há companhias escolhidas a dedo por
burocratas, não há “campeões nacionais” preferidos por políticos, não é o
Estado que decide onde alocar os recursos.
O mercado de capitais tem cumprido sua
parte. As emissões de papéis no ano passado somaram R$ 722 bilhões, o maior
montante em um único ano, de acordo com a própria CVM. Somente o mercado de
dívida cresceu 98% na comparação com 2020. Quanto ao futuro, todas as sirenes
foram ligadas. O país não tem motivos para amarrar a CVM com restrições
orçamentárias sufocantes que darão margem a erros evitáveis. Há outras áreas da
máquina pública em que cortes fariam muito mais sentido, a começar pelos
privilégios inaceitáveis da elite do funcionalismo. É hora de agir.
Caminho estreito
Folha de S. Paulo
Desempenho fraco na largada e articulação
de Lula com o centro pressionam 3ª via
Tem sido acidentado o percurso dos que
entraram na corrida presidencial apresentando-se como opção para os eleitores
que estão fartos de Jair Bolsonaro (PL) e tampouco querem o petista Luiz Inácio
Lula da Silva de volta.
Até aqui, as pesquisas indicam que nenhum
desses pretendentes reuniu apoio suficiente para tirar o atual ou o
ex-presidente do jogo antes do segundo turno —e o desconforto cresce enquanto
os números nas sondagens mudam pouco.
Lançado como candidato do PSDB em novembro,
quando venceu uma tumultuada prévia interna, o governador João Doria alcançou
no máximo 4% das intenções de voto desde que pisou em campo.
Adversários
de Doria começam a se mexer para explorar o descontentamento interno e
cogitam até lançar por outra sigla o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo
Leite, derrotado nas prévias.
O ex-juiz Sergio Moro (Podemos), que também
entrou na pista no fim de 2021, aparece nas pesquisas empatado com Ciro Gomes
(PDT), cada um com no máximo 9% das preferências. Ambos continuam longe de
representar ameaça a Lula ou Bolsonaro.
Duas máquinas políticas expressivas, o MDB,
que lançou a senadora Simone Tebet (MS) como opção, e a União Brasil, resultado
da recém-consumada fusão do PSL com o DEM, ainda não definiram o rumo a tomar
na sucessão.
De acordo com os levantamentos mais recentes,
os eleitores que veem nesses nomes uma alternativa eleitoral demonstram pouca
convicção. A maioria afirma que poderá trocar de camisa se outro personagem com
maior apelo surgir.
A situação é diametralmente oposta para os
que estão na frente da corrida. A maioria dos apoiadores de Lula e Bolsonaro
diz que sua opção é definitiva e não pensa em mudar de opinião.
A nove meses da eleição, é obviamente
prematuro concluir que o quadro se manterá inalterado até o encontro do país
com as urnas. Mas o momento é sem dúvida inóspito para a chamada terceira via.
Com mais de 45% das intenções de voto, Lula
tem aproveitado a vantagem para ampliar o espectro de suas alianças. Ofereceu a
vaga de vice ao ex-governador Geraldo Alckmin, que deixou o PSDB e está sem
partido, e estendeu a mão para siglas partidárias que estão à sua direita, como
o PSD do
ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab.
Os resultados dessas articulações ainda são
incertos, e elas certamente alimentarão tensões com os seguidores de Lula à
esquerda se prosperarem. O efeito mais imediato da movimentação, entretanto,
será tirar oxigênio dos que acreditavam corresponder aos anseios do eleitorado
que busca outro caminho, mais ao centro.
Agropolêmica
Folha de S. Paulo
Senado deve debater com rigor técnico itens
controversos de texto para pesticida
Aprovado em regime de urgência pela Câmara
dos Deputados, o projeto de mudança
na legislação que rege o controle de agrotóxicos suscita não poucas
controvérsias.
A proposta, que tramita no Congresso há
cerca de 20 anos, encontrava-se empacada desde que o substitutivo de Luiz
Nishimori (PL-PR) foi votado numa comissão especial da Câmara em 2018. Agora,
recebeu ampla maioria dos votos da Casa (301, ante 150 contrários).
O aspecto mais discutível do texto concerne
aos procedimentos para a chancela de pesticidas.
Atualmente, o registro depende de uma
avaliação do Ministério da Agricultura, da Anvisa e do Ibama, sendo os dois
últimos responsáveis pelas análises dos impactos na saúde pública e no
ambiente. Em essência, o projeto reduz poderes dos órgãos técnicos,
concentrando a decisão na Agricultura.
Pelo novo desenho, que visa simplificar o
trâmite, a agência de vigilância sanitária e o instituto de controle ambiental
ficariam responsáveis por produzir relatórios a serem entregues ao ministério.
Não vêm apenas de ambientalistas as
críticas à ideia. Em 2018, diversas instituições, em particular Anvisa e
Fiocruz, argumentaram que assim terminará enfraquecido o sistema regulatório.
Já os defensores da alteração consideram
que a burocracia e a lentidão do processo —que fazem com que produtos
importantes para as lavouras possam demorar exorbitantes oito anos para chegar
ao mercado— retardam a transformação do setor agrícola num mercado competitivo,
que demanda produção em larga escala.
Outro ponto a ser debatido em maior detalhe
no projeto de lei diz respeito às proibições de pesticidas, que hoje abarcam
produtos que podem causar malformações fetais, mutações, tumores e distúrbios
hormonais.
Propõe-se que passem a ser vedados somente
os agrotóxicos que apresentam um "risco inaceitável" para seres
humanos ou meio ambiente —condição que o texto não esmiúça como deveria.
Assim, espera-se que o Senado, para onde o
projeto retorna, possa, amparado em argumentos consistentes e estudos técnicos,
fazer uma discussão serena da proposta e encontrar um ponto de equilíbrio que
não transija com medidas que venham a desproteger a saúde pública e agredir o
ambiente.
Não parece crível que seja do interesse do
agronegócio manchar a imagem de seu processo produtivo.
Falta dinheiro até para o agro
O Estado de S. Paulo
Sequestrado por emendas parlamentares,
Orçamento já é insuficiente para equalização de empréstimos de um setor que
sustenta a economia
A falta de recursos para equalização de
empréstimos para o agronegócio diz muito sobre o improviso do governo, uma das
principais marcas da gestão Jair Bolsonaro. Dos R$ 7,8 bilhões aprovados no
Orçamento pelo Legislativo, 99% já foram usados, o que obrigou o Ministério da
Economia a suspender a contratação de novas operações pelas instituições
financeiras neste mês. Em pleno fevereiro, simplesmente não há mais dinheiro
para colocar de pé o Plano Safra até junho, segundo a Confederação da
Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
A importância do agronegócio para o País é
inegável. O setor tem sido essencial para a obtenção de saldos comerciais
positivos. No ano passado, o superávit do segmento foi de US$ 105,1 bilhões, de
acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), alta de 19,8% em
relação a 2020. Impulsionadas pela recuperação dos preços das commodities e da
economia global, as exportações bateram recorde histórico e totalizaram US$
120,6 bilhões. Em janeiro, quando o mercado projetava que o Produto Interno Bruto
(PIB) cresceria 0,5% em 2022, a estimativa para o desempenho da cadeia do
agronegócio era de um avanço de 3,5% a 5%, em contrapartida à queda esperada
para o comércio, a indústria, os serviços e o consumo das famílias, corroídos
pela inflação elevada e pelo aumento dos juros. De lá para cá, a única coisa
que mudou foi a perspectiva para o crescimento do PIB, reduzida a 0,30% na
edição mais recente do relatório Focus. É consenso que o tombo seria ainda
maior sem a contribuição do setor.
Por tudo isso, é quase inacreditável que
uma área que tem sido a tábua de salvação da economia seja tratada com tanto
desmazelo. O principal motivo que explica a falta de recursos para a
equalização do crédito rural é a subida da taxa básica de juros, hoje em 10,75%
ao ano, mas o ciclo de alta promovido pelo Comitê de Política Monetária (Copom)
do Banco Central começou há quase um ano, quando a Selic aumentou de 2% para
2,75%. Esse movimento apenas se acentuou ao longo dos últimos meses, de modo
que não deveria ser surpresa para ninguém o fato de que o dinheiro poderia
acabar mais rápido.
O Plano Safra foi lançado em junho e, no
mês seguinte, o Congresso aprovou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) com
uma projeção média para a Selic de 6,63% ao ano. Em dezembro a taxa já estava
em 9,25%, mas nem assim houve alteração nos parâmetros evidentemente defasados.
O resultado é que faltam mais de R$ 3 bilhões para cobrir a diferença entre o
custo efetivo cobrado dos bancos nas operações e o valor pago pelos produtores
rurais. Uma parte do dinheiro poderá ser remanejada a partir de dotações do
Ministério da Agricultura, mas ainda assim será preciso apelar a um crédito
suplementar, ainda a ser enviado pelo governo e aprovado pelo Congresso. Antes,
o Executivo terá que fazer cortes no mesmo valor em outras áreas, e, até que
isso ocorra, não será possível fechar novos financiamentos – dá até medo pensar
nos alvos do contingenciamento.
Esse é mais um capítulo da ficção que se
tornou o Orçamento da União sob o comando de Jair Bolsonaro. Nessa tragicomédia
que contou com a participação da poderosa bancada ruralista, governo e
Legislativo se preocuparam mais em blindar os escandalosos recursos destinados
a emendas parlamentares, de R$ 35,6 bilhões, preservar os R$ 4,96 bilhões
reservados ao fundo eleitoral e garantir R$ 1,7 bilhão para o reajuste de
servidores federais. É impressionante a dimensão do desmonte promovido em áreas
tão diversas quanto as políticas fiscal, social, ambiental e educacional, para
citar apenas algumas, mas nem a área que tem sustentado a esquálida economia
recebeu a atenção necessária dentro de uma peça que prevê despesas de R$ 4,7
trilhões. Vale lembrar que, no passado recente, esse problema foi a origem das
pedaladas fiscais que deram base ao impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Como provavelmente Bolsonaro não será afastado, a despeito das inúmeras razões
para isso, resta torcer para que a tempestade semeada por seu governo passe
logo, antes de causar ainda mais estragos.
Os extremos do Ministério Público
O Estado de S. Paulo
O Ministério Público parece alternar entre
a perseguição abusiva sem provas e a atual passividade da PGR perante as
provas. As duas situações têm o mesmo erro de fundo
Na semana em que se completaram 100 dias da
apresentação do relatório da CPI da Covid, sem que a Procuradoria-Geral da
República (PGR) tenha iniciado uma investigação formal a partir do que o Senado
apurou, foi noticiado que o ex-presidente Michel Temer e outros sete
investigados foram absolvidos sumariamente no processo oriundo da Operação
Radioatividade. O juiz da 12.ª Vara Federal Criminal de Brasília entendeu que a
denúncia do Ministério Público Federal (MPF) era inepta, por ausência de justa
causa. A suspeita baseava-se apenas em delação, que não foi minimamente
comprovada pela investigação.
Tanto a atual passividade da PGR em relação
ao relatório da CPI da Covid como a denúncia inepta do MPF contra Michel Temer
não são casos isolados. Muito frequentes nos últimos anos, as duas situações
representam comportamentos extremos – e igualmente equivocados – no modo de
lidar com as suspeitas e indícios de crime. É urgente que a atuação do
Ministério Público seja pautada menos por idiossincrasias de seus membros e
mais pela lei.
Para denunciar uma pessoa, o Ministério Público
precisa ter elementos mínimos sobre a materialidade e a autoria do crime. Não
cabe fazer pressuposições ou ilações, como também não cabe basear-se
exclusivamente em declarações feitas no âmbito de uma colaboração premiada. É
preciso apurar e checar, de forma a obter uma mínima comprovação. Assim o exige
a lei.
No entanto, não obstante a clareza da
legislação, nos últimos anos, deu-se – especialmente em torno da Operação Lava
Jato, mas não apenas dela – uma relativização das exigências para a propositura
da ação penal e para a decretação de medidas restritivas de liberdade. Parecia
que bastava o caráter escandaloso de uma delação para justificar, por exemplo,
a decretação de uma prisão preventiva. Tanto é assim que o mesmo caso, que
agora a Justiça diz não ter substância sequer para iniciar a ação penal, foi
usado em 2019 como pretexto para prender o ex-presidente Michel Temer. O uso
sem critério da delação – como se ela pudesse substituir o trabalho
investigativo, como se fosse idônea para provar por si só alguma coisa –
facilita enormemente a ocorrência de injustiças e erros judiciários.
A constatação do caráter abusivo desse
comportamento do Ministério Público, tão frequente nos últimos anos, não
autoriza, no entanto, o outro extremo, caracterizado pela omissão e passividade
diante de indícios de crime. Não se conserta abuso com omissões. Corrige-se
abuso com o cumprimento da lei.
Nesse sentido, deve-se advertir que o
comportamento atual da PGR está aquém de suas competências constitucionais.
Veja-se o caso do relatório final da CPI da Covid. O documento não se baseia em
delações ou em complexas elucubrações. O trabalho dos senadores reuniu um
robusto conjunto de indícios de crime, que em boa medida são de conhecimento
público e prévios à própria instauração da comissão.
Por isso, é no mínimo peculiar que, após
receber o relatório final da comissão, o procurador-geral da República, Augusto
Aras, tenha se limitado a instaurar alguns procedimentos preliminares, que
tramitam inacessíveis aos olhos do público e dos quais, desde então, não se
teve mais nenhuma notícia.
Perante tudo o que o Senado apurou, não
basta o Ministério Público instaurar um procedimento preliminar. É preciso um
efetivo andamento das investigações. Até para que, se for o caso, a PGR possa
explicar as razões pelas quais entende, por exemplo, não ter havido crime ou
não ter prova suficiente contra o presidente Jair Bolsonaro ou o então ministro
da Saúde, Eduardo Pazuello.
É de fato estranha essa disparidade de
comportamento do Ministério Público. Antes, bastava uma delação para perseguir
e prender pessoas, inclusive um ex-presidente da República. Agora, meses de
trabalho do Senado, com a reunião de sérios indícios, são incapazes de mover a
PGR. As duas situações padecem, no entanto, do mesmo erro: o abandono da lei.
Em ambas, o processo penal foi substituído pela simples “convicção”, pela mera
vontade – ora de condenar, ora de perdoar.
Governo cria tumulto sobre corte de preço
de combustíveis
Valor Econômico
Toda a agitação em torno do tema só
produziu descrédito e efeitos negativos sobre a política monetária
Enquanto o governo ainda procura saber o
que quer fazer com os preços dos combustíveis, com total falta de norte ou
planejamento, já são quatro os projetos com este objetivo que circulam no
Congresso. Se o governo de Jair Bolsonaro não estimulasse a algazarra fiscal,
que jogou o dólar para cima, os reajustes dos combustíveis seriam uma fração do
que foram, embora, mesmo assim, houvesse aumentos compatíveis com o salto das
cotações internacionais para além dos US$ 90 o barril. Com o avanço geral dos
preços das commodities, o real sempre se valorizou, aparando grande parte da
alta das cotações. Não mais no governo Bolsonaro.
É ano eleitoral, o presidente quer se
reeleger para continuar não governando o país, e está mal nas pesquisas,
enquanto que a inflação é a mais alta desde 2015. O governo furou o teto com o
aval do desprestigiado ministro da Economia, Paulo Guedes. Bolsonaro tem foco
fixo nos caminhoneiros, mas, como os aumentos de energia e petróleo afetam toda
a economia, o projeto eleitoreiro foi retirar os impostos federais sobre
combustíveis, após conceder subsídio de 50% para o gás de cozinha para
população de baixa renda.
Como o presidente pôs a culpa da alta dos
preços nos tributos estaduais, era preciso encontrar uma forma de reduzi-los. A
ideia foi, por meio de uma proposta de emenda constitucional, autorizar os
Estados a fazê-lo de forma que os que não cortassem ICMS fossem cobertos com o
manto da impopularidade - e 16 governadores tentam a reeleição.
O projeto que mais avançou foi o PLP 11, do
deputado Emanuel Pinheiro Neto (PTB-MT), apoiado pelo presidente da Câmara,
Arthur Lira. Ele foi aprovado com rapidez pelos deputados, mas o Senado sentou
em cima do projeto. No Senado tramitava o PL 1472, do senador Rogerio Carvalho
(PT-SE), que cria um fundo de estabilização abastecido com imposto sobre a
exportação de petróleo. Empenhado em fazer acontecer, o ministro da Casa Civil,
Ciro Nogueira (PP-PI), levou o deputado Christino Áureo (PP-RJ) a apresentar
uma PEC autorizando Estados e União a cortarem os impostos sobre combustíveis.
É o projeto mais simples em tramitação, embora não haja a menor justificativa
para mexer na Constituição com este objetivo. Mas agora, o governo mudou de ideia
e Nogueira disse que ao governo só interessa reduzir preços do diesel.
Depois de Christino foi a vez do senador
Carlos Fávaro (PSD-MT) apresentar a PEC 1/22 - a Kamikaze. Seu custo, ao
estender a redução de tributos também para a energia elétrica, dobrar subsídios
ao gás, dar vale de R$ 1200 mensais a caminhoneiros, seria de mais de R$ 100
bilhões, pelos cálculos da equipe econômica. É desarrazoado e ontem o
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) disse que ele ficará para “um
segundo momento”, ou seja, vai merecidamente para o arquivo. Os senadores vão
se debruçar então sobre uma proposta petista e o projeto da Câmara, modificado.
O PL 11, que incorporou o 16, da Câmara, é
o que mais avança nos tributos estaduais. Propõe que eles sejam expressos em
reais por litros e seu valor seja determinado pela média dos preços ao
consumidor de 24 meses, entre junho de 2019 e dezembro de 2020, não podendo ser
majorados durante o ano fiscal. Como nada sai de graça no Congresso, uma emenda
aceita estabelece que enquanto não for promulgada uma lei que defina a política
nacional de preço de combustíveis, a Petrobras não poderá desestatizar nenhuma
unidade de produção de combustíveis ou desinvestir.
O projeto vai além e determina que para
fixar a alíquota do imposto sobre gasolina, etanol e diesel, o Confaz deixe de
lado a aprovação por unanimidade e que a decisão seja tomada com voto favorável
de dois terços das unidades da federação.
O projeto do senador petista cria um fundo
de estabilização e acaba com a paridade internacional praticada de forma pura
pela Petrobras. O preço seria fixado de acordo com cotações médias do mercado
internacional, custos internos de produção e custos de importação. O Executivo
regularia a frequência dos reajustes e o imposto de exportação não incidiria
sobre o petróleo até US$ 40 por barril. Seria de 10% com o barril de US$ 40 a
US$ 60 e de 20% quando o preço estiver acima disso.
Os projetos em discussão terão dificuldades
óbvias para aprovação. Além disso, Paulo Guedes, que patrocinou um calote nos
precatórios, se propõe agora a fazer bons cortes no IPI. Toda a agitação em
torno do tema só produziu descrédito e efeitos negativos sobre a política
monetária. Um dólar bem menos desvalorizado ajustaria a questão, mas isso
depende de o governo não ser o que é.
Nenhum comentário:
Postar um comentário