Para diretora do Ipec, chance da terceira via é muito difícil, mas não impossível
Por Cristian Klein / Valor Econômico
Rio - A seguir os principais pontos da
entrevista da diretora da Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec),
Márcia Cavallari:
Valor: Qual a chance dos candidatos da terceira via?
Márcia Cavallari: É um desafio
muito grande, porque Bolsonaro e Lula são candidatos fortes, e para ter alguma
chance teriam que tirar voto dos dois. Mas eles ainda são desconhecidos. O
Ciro, que é o mais conhecido, tem um quarto da população que fala que não o
conhece o suficiente para votar nele ou não. Para os outros, o índice aumenta
ainda mais.
Valor: Concorrentes à direita, como Moro e Doria,
precisam desbancar Bolsonaro?
Cavallari: É, mas tem
gente que está declarando voto no Lula hoje porque não quer o Bolsonaro e pode
sair do Lula e ir para um deles. O Lula não está colocado como um candidato de
extrema esquerda em oposição à extrema direita de Bolsonaro.
Valor: Ao tentar ocupar o centro, Lula também tem mais
chance de perder esse eleitor eventualmente?
Cavallari: Sim, se
aparecer um candidato com 10%, 12%, que efeito vai ter? Esse eleitor pode
dizer: “Ah, nunca gostei do Lula mesmo”, e vem essas ondas... Há um típico
eleitor do Lula que não está vendo outra opção, mas se de repente começa um
movimento [para outro candidato], quantos vão fazer isso? Quando começa, vira
uma onda e aí ninguém segura.
Esse eleitor pode dizer: ‘Ah, nunca gostei
do Lula mesmo’, e vem essas ondas... Quando começa, ninguém segura. É
possível"
Valor: Ainda seria possível?
Cavallari: Já vimos, não em eleição presidencial ainda. Temos várias eleições a prefeito e governador que começam de um jeito e terminam de outro. O Witzel, no Rio em 2018, assim como outros, foi na carona do bolsonarismo. Mas no caso de Bolsonaro, ele já vinha crescendo, a força maior veio em setembro, depois da facada.
Valor: O que poderia provocar uma novidade?
Cavallari: É começar a
campanha. Os eleitores vão conhecer os candidatos, ter o mesmo patamar de
informação sobre todos eles. Hoje, pode ter a mesma coisa no Bolsonaro: gente
que não gostaria de votar nele, mas detesta o Lula e prefere ficar com o
Bolsonaro porque não conhece os outros.
Valor: Mas nas respostas espontâneas, Lula e Bolsonaro
não estão muito consolidados?
Cavallari: A chance de
uma terceira via é muito difícil. Porque na minha última pesquisa, a espontânea
já somava 60% dos votos definidos entre Lula e Bolsonaro. Mas isso não quer
dizer que vai acontecer e continuar assim até a eleição.
Valor: Mas a espontânea pode cair ao longo da
campanha? Ela geralmente aumenta e converge com a estimulada...
Cavallari: Pode
acontecer. Hoje, ninguém está atacando o Lula.
Valor: O Ciro ataca, o Moro, o Bolsonaro...
Cavallari: É, mas não é
um ataque como vai ser na campanha.
Valor: Ter uma incumbência e uma ex-Presidência fortes
em disputa atrapalham a terceira via?
Cavallari: Por isso que
é difícil, mas não é impossível. Os dois são os mais conhecidos: o Lula foi
presidente, o Bolsonaro é o presidente, há uma comparação direta. Mas tem uma
parcela do eleitorado que está aberta a novas opções, só que ela não conhece
ainda. Tem que conseguir captar os votos dessas pessoas que votam em Lula
porque são contra Bolsonaro, mas não morrem de amores pelo Lula. O desafio é
fazer isso.
Valor: Bolsonaro surpreendeu numa eleição atípica, em
2018, mas já fazia pré-campanha desde 2015. Não faltou esse trabalho prévio à
terceira via para 2022?
Cavallari: Isso não está
acontecendo nesta campanha. Ainda vai começar. Mas aí depende de um monte de
fatores. Naquela eleição, havia um espírito de antipolítica, anti-status quo,
de mudar tudo. Agora não vemos mais. E na eleição de 2020 já não sentimos isso.
Valor: Qual seria a estimativa do eleitorado de
terceira via?
Cavallari: Na nossa
última pesquisa, havia 31% que não gostariam de votar em Lula nem em Bolsonaro.
Mas não é que não votam. Na falta de opção, declaram voto em Lula ou Bolsonaro.
De todo modo, estão abertos a mudar.
Valor: As pesquisas mostram Ciro com potencial de
votos grande, mas ele tem Lula como barreira à esquerda. A chance maior está
com os demais candidatos, à direita?
Cavallari: A maioria do
eleitorado brasileiro é mais de centro, centro-direita. É mais difícil para ele
[Ciro].
Valor: Lula, com cerca de 45%, teria que ter uma
grande queda.
Cavallari: Lula teria
que cair muito e ele conquistar esse eleitorado. O Lula pode cair por causa da
campanha, mas tem um limite de queda, que é a preferência partidária. O PT é a
única legenda que tem uma relativa e significativa taxa de preferência partidária,
num patamar histórico na casa dos 28%, 30%, piso que garantiria a ida ao
segundo turno.
Valor: A chance da terceira via é apenas tirando votos
de Bolsonaro, ou também de Lula?
Cavallari: Acho que
pode. Aí não está tanto uma questão de ideologia esquerda x direita. Você tem
experiência de governo com os dois. E se tivermos Lula e Bolsonaro no segundo
turno, vamos ter uma eleição de rejeições, de quem tem mais. Mas é prematuro.
Qual vai ser o efeito do Auxílio Brasil?
Valor: Houve mudança?
Cavallari: Vi algumas
pesquisas que estavam dando uma melhora na avaliação [de governo] dele. O voto
pode não vir de imediato. Pode vir primeiro a [melhora na] avaliação, que
depois se traduz em voto. Fora as outras questões, se [o governo] vai perdoar a
dívida do Fies, o aumento para professores... Se Bolsonaro melhorar a
avaliação, fica mais difícil ainda para a terceira via, com o confronto pela
comparação das gestões dele e do Lula.
Valor: A bandeira da corrupção perdeu força para
tracionar Moro?
Cavallari: Não é que
sumiu, mas perdeu força a preocupação com o tema. Em 2018, a corrupção era
citada por 40% como um dos principais problemas do Brasil. Hoje aparece com
17%. E o que ganhou força foi fome, pobreza e miséria, que está na casa dos 21%
e em 2018 aparecia com 6%, 7%. Muita diferença. A última vez que o tema fome,
pobreza e miséria apareceu no ranking dos cinco maiores problemas do Brasil foi
em 2002, quando Lula foi eleito.
Valor: Se a economia piorar, Bolsonaro pode perder o
atual piso de 20% de eleitores?
Cavallari: Acho que não.
Ele tem um núcleo bem duro mesmo, e que está fechado com ele, independentemente
de qualquer coisa. Menos que 20% ele não tem de jeito nenhum. Porque não é isso
[economia] que está levando esse eleitor firme com ele, são outras questões,
como a pauta de costumes. Se na pior das hipóteses esse número for 18%, o tal
[candidato de] terceira via teria que passar esse percentual para ir ao segundo
turno com o Lula. É um desafio grande, porque ainda temos uma pulverização de
candidaturas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário