sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Entrevista | “Desafio é captar votos menos convictos de Lula”, diz Cavallari

Para diretora do Ipec, chance da terceira via é muito difícil, mas não impossível

Por Cristian Klein / Valor Econômico

Rio - A seguir os principais pontos da entrevista da diretora da Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), Márcia Cavallari:

Valor: Qual a chance dos candidatos da terceira via?

Márcia Cavallari: É um desafio muito grande, porque Bolsonaro e Lula são candidatos fortes, e para ter alguma chance teriam que tirar voto dos dois. Mas eles ainda são desconhecidos. O Ciro, que é o mais conhecido, tem um quarto da população que fala que não o conhece o suficiente para votar nele ou não. Para os outros, o índice aumenta ainda mais.

Valor: Concorrentes à direita, como Moro e Doria, precisam desbancar Bolsonaro?

Cavallari: É, mas tem gente que está declarando voto no Lula hoje porque não quer o Bolsonaro e pode sair do Lula e ir para um deles. O Lula não está colocado como um candidato de extrema esquerda em oposição à extrema direita de Bolsonaro.

Valor: Ao tentar ocupar o centro, Lula também tem mais chance de perder esse eleitor eventualmente?

Cavallari: Sim, se aparecer um candidato com 10%, 12%, que efeito vai ter? Esse eleitor pode dizer: “Ah, nunca gostei do Lula mesmo”, e vem essas ondas... Há um típico eleitor do Lula que não está vendo outra opção, mas se de repente começa um movimento [para outro candidato], quantos vão fazer isso? Quando começa, vira uma onda e aí ninguém segura.

Esse eleitor pode dizer: ‘Ah, nunca gostei do Lula mesmo’, e vem essas ondas... Quando começa, ninguém segura. É possível"

Valor: Ainda seria possível?

Cavallari: Já vimos, não em eleição presidencial ainda. Temos várias eleições a prefeito e governador que começam de um jeito e terminam de outro. O Witzel, no Rio em 2018, assim como outros, foi na carona do bolsonarismo. Mas no caso de Bolsonaro, ele já vinha crescendo, a força maior veio em setembro, depois da facada.

Valor: O que poderia provocar uma novidade?

Cavallari: É começar a campanha. Os eleitores vão conhecer os candidatos, ter o mesmo patamar de informação sobre todos eles. Hoje, pode ter a mesma coisa no Bolsonaro: gente que não gostaria de votar nele, mas detesta o Lula e prefere ficar com o Bolsonaro porque não conhece os outros.

Valor: Mas nas respostas espontâneas, Lula e Bolsonaro não estão muito consolidados?

Cavallari: A chance de uma terceira via é muito difícil. Porque na minha última pesquisa, a espontânea já somava 60% dos votos definidos entre Lula e Bolsonaro. Mas isso não quer dizer que vai acontecer e continuar assim até a eleição.

Valor: Mas a espontânea pode cair ao longo da campanha? Ela geralmente aumenta e converge com a estimulada...

Cavallari: Pode acontecer. Hoje, ninguém está atacando o Lula.

Valor: O Ciro ataca, o Moro, o Bolsonaro...

Cavallari: É, mas não é um ataque como vai ser na campanha.

Valor: Ter uma incumbência e uma ex-Presidência fortes em disputa atrapalham a terceira via?

Cavallari: Por isso que é difícil, mas não é impossível. Os dois são os mais conhecidos: o Lula foi presidente, o Bolsonaro é o presidente, há uma comparação direta. Mas tem uma parcela do eleitorado que está aberta a novas opções, só que ela não conhece ainda. Tem que conseguir captar os votos dessas pessoas que votam em Lula porque são contra Bolsonaro, mas não morrem de amores pelo Lula. O desafio é fazer isso.

Valor: Bolsonaro surpreendeu numa eleição atípica, em 2018, mas já fazia pré-campanha desde 2015. Não faltou esse trabalho prévio à terceira via para 2022?

Cavallari: Isso não está acontecendo nesta campanha. Ainda vai começar. Mas aí depende de um monte de fatores. Naquela eleição, havia um espírito de antipolítica, anti-status quo, de mudar tudo. Agora não vemos mais. E na eleição de 2020 já não sentimos isso.

Valor: Qual seria a estimativa do eleitorado de terceira via?

Cavallari: Na nossa última pesquisa, havia 31% que não gostariam de votar em Lula nem em Bolsonaro. Mas não é que não votam. Na falta de opção, declaram voto em Lula ou Bolsonaro. De todo modo, estão abertos a mudar.

Valor: As pesquisas mostram Ciro com potencial de votos grande, mas ele tem Lula como barreira à esquerda. A chance maior está com os demais candidatos, à direita?

Cavallari: A maioria do eleitorado brasileiro é mais de centro, centro-direita. É mais difícil para ele [Ciro].

Valor: Lula, com cerca de 45%, teria que ter uma grande queda.

Cavallari: Lula teria que cair muito e ele conquistar esse eleitorado. O Lula pode cair por causa da campanha, mas tem um limite de queda, que é a preferência partidária. O PT é a única legenda que tem uma relativa e significativa taxa de preferência partidária, num patamar histórico na casa dos 28%, 30%, piso que garantiria a ida ao segundo turno.

Valor: A chance da terceira via é apenas tirando votos de Bolsonaro, ou também de Lula?

Cavallari: Acho que pode. Aí não está tanto uma questão de ideologia esquerda x direita. Você tem experiência de governo com os dois. E se tivermos Lula e Bolsonaro no segundo turno, vamos ter uma eleição de rejeições, de quem tem mais. Mas é prematuro. Qual vai ser o efeito do Auxílio Brasil?

Valor: Houve mudança?

Cavallari: Vi algumas pesquisas que estavam dando uma melhora na avaliação [de governo] dele. O voto pode não vir de imediato. Pode vir primeiro a [melhora na] avaliação, que depois se traduz em voto. Fora as outras questões, se [o governo] vai perdoar a dívida do Fies, o aumento para professores... Se Bolsonaro melhorar a avaliação, fica mais difícil ainda para a terceira via, com o confronto pela comparação das gestões dele e do Lula.

Valor: A bandeira da corrupção perdeu força para tracionar Moro?

Cavallari: Não é que sumiu, mas perdeu força a preocupação com o tema. Em 2018, a corrupção era citada por 40% como um dos principais problemas do Brasil. Hoje aparece com 17%. E o que ganhou força foi fome, pobreza e miséria, que está na casa dos 21% e em 2018 aparecia com 6%, 7%. Muita diferença. A última vez que o tema fome, pobreza e miséria apareceu no ranking dos cinco maiores problemas do Brasil foi em 2002, quando Lula foi eleito.

Valor: Se a economia piorar, Bolsonaro pode perder o atual piso de 20% de eleitores?

Cavallari: Acho que não. Ele tem um núcleo bem duro mesmo, e que está fechado com ele, independentemente de qualquer coisa. Menos que 20% ele não tem de jeito nenhum. Porque não é isso [economia] que está levando esse eleitor firme com ele, são outras questões, como a pauta de costumes. Se na pior das hipóteses esse número for 18%, o tal [candidato de] terceira via teria que passar esse percentual para ir ao segundo turno com o Lula. É um desafio grande, porque ainda temos uma pulverização de candidaturas.

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