O Globo
A banalização, pela repetição de argumentos
vulgares, de certas situações que já mereceram, ou mereceriam, repúdio por
parte da sociedade, é marca desse nosso mundo digital, em que qualquer um tem a
seu alcance instrumento de amplificação de seus pensamentos, que antes não iam
além das mesas de botequins ou conversas privadas, que só afetavam seus
participantes.
Parece ser o caso do podcaster Monark, um ignorante a quem milhares deram um
microfone e um canal de internet, e do deputado Kim Kataguiri, um liberal “à
outrance”, que não distingue os limites razoáveis para suas posições. Esse
regime de “vale-tudo”, na cabeça de Kataguiri, levaria a que o nazismo não
fosse criminalizado para que a sociedade debatesse abertamente seus conceitos e
objetivos e os repudiasse nas urnas.
A contrapartida seria termos que ouvir políticos do Partido Nazista defendendo
a morte de judeus, ciganos, negros, homossexuais, pessoas com deficiência,
questão já superada pela ética da convivência humana em sociedades minimamente
civilizadas, que leva à empatia com os sofredores e à solidariedade com as
minorias, que devem ser protegias pela lei.
Dizer que, se o Partido Comunista pode ser legalizado, também o Partido Nazista
merece o mesmo tratamento, vai muito além da ignorância histórica, é má-fé. Nem
um bêbado tira da cartola tamanha idiotice se já não estivesse convencido de
que o nazismo merece ser tratado como simplesmente mais um regime político.
O perigo da repetição desses e de outros absurdos é justamente naturalizar
comportamentos que não podem ser aceitos. Foi com essa leniência que o deputado
Bolsonaro, apesar de defender abertamente a tortura, de usar o estupro como
argumento e de se comportar como um troglodita, acabou eleito presidente da
República. Suas declarações absurdas sobre diversos temas tornam-se normais e
estimulam seguidores a adotar a agressão como maneira adequada para solucionar
conflitos.
Essa situação me fez lembrar uma coluna que escrevi em 2017 — como é triste
constatar que nada muda! — sobre a teoria da “Janela de Overton”, criada por
Joseph P. Overton, ex-vice presidente do Mackinac Center for Public Policy, um
centro de estudos liberal nos Estados Unidos, que morreu prematuramente aos 43
anos num desastre de avião. Overton imaginou uma “janela” onde as teses que são
aceitas pela sociedade naquele momento podem ser defendidas pelos políticos.
Seriam teses “aceitáveis” ou “populares”. Se ideias “impensáveis” ou “radicais”
forem defendidas, elas saem da “janela”, e o político não ganha votos. Portanto
os políticos defendem as teses “populares”, e não necessariamente o que
realmente pensam. Mas a sociedade muda com o passar do tempo, e ideias antes
“impensáveis” podem se tornar “aceitáveis” para a maioria. E há também quem
queira alargar a “janela”, criando situações que transformem ideias “radicais”
em “aceitáveis”.
É o que acontece com a anistia ao caixa 2, tentada por lei, inviabilizada pelo
espírito daquele momento, mas que proporcionou um clima leniente com o tema.
Usada genericamente, transforma todos os crimes em questões menores, que podem
ser anistiados pela Justiça Eleitoral. É o que vemos hoje. Políticos acusados
pela Operação Lava-Jato estão conseguindo escapar das punições. Se a discussão
fosse em torno da anistia à corrupção, que é do que realmente se trata, a
rejeição da sociedade seria grande.
Alegar que querem “criminalizar a política” e normalizar o dinheiro por fora,
como se fosse apenas para financiar as campanhas eleitorais, banaliza o
problema. O mesmo pode estar acontecendo com o nazismo, não apenas aqui no
Brasil, mas no mundo. Volta e meia temos pessoas fazendo gestos nazistas, seja
uma holandesa no portão de Auschwitz, seja um comentarista brasileiro em frente
às câmeras de televisão. Apanhados, dizem que era brincadeira. Não é possível
brincar com coisas sérias.
Um comentário:
Nossa,Merval matou a pau!
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