Valor Econômico
A vida no país é mais cara para população
que quem tem menos
No país que caminha para, em alguns anos,
produzir volume de energia bem superior à demanda exigida pela atividade de sua
economia, a conta de luz representa hoje, em média, 12% do custo mensal de uma
família. O peso é maior, como quase tudo neste imenso pedaço do planeta, na
cesta de consumo dos mais pobres - para 16,7 milhões de famílias
(compreendendo, portanto, universo de cerca de 67 milhões de pessoas), com
renda até dois salários mínimos por mês (R$ 2.424), a energia representa 15%
(R$ 363,60), em média, do gasto mensal.
É evidente que não existe energia gratuita, mas, para essas famílias, o dinheiro gasto com luz é maior do que o desembolsado para custear a mensalidade de uma escola particular. Alguém questionará: "Mas, por que pagar pela educação formal do filho se existe escola pública, gratuita, no ensino fundamental 1 e 2 e no ensino médio?
Ora, pela mesma razão que leva os ricos a
gastarem os tubos de dinheiro para colocar seus filhos em boas escolas
particulares, do maternal ao último ano do ensino médio, dando-lhes, portanto,
condições para que tirem as notas mais alta do vestibular e do ENEM, passaporte
para que cursem o ensino superior nas melhores universidades do país _ as
públicas, estaduais e federais, gratuitas.
No país onde a lógica é mais torta que as
pernas do Garrincha, pobres estudam em escolas públicas, em sua maioria, de
baixa qualidade, tirando-lhes a possibilidade de competir em condições de
igualdade com os estudantes de famílias das classes média alta e alta. Devido à
formação deficiente, poucos (os abnegados) conseguem ter acesso a universidades
públicas e a maioria bate na porta do Estado para que este financie sua
formação superior em faculdades particulares.
Resumo da história que, contada lá fora,
causa não só estranha, mas perplexidade e grande incompreensão - porque foge à
racionalidade de qualquer ser com algum poder cognitivo o fato de a sociedade
brasileira funcionar desta forma desde sempre e isso não tirar o sono de quase
ninguém: a escola pública que crianças e jovens pobres frequenta não presta,
logo, não permite que, no longo prazo, esses brasileiros ascendam socialmente
por meio da educação, diminuindo a distância que os separa de quem, nessa
"corrida", está lá na frente; já a universidade pública, povoada
principalmente por filhos de famílias abastadas, é em geral de excelente
qualidade.
De novo: escola gratuita ruim para quem
precisa dela para emancipar-se e universidade gratuita de alta qualidade para
quem pode pagar por estar lá ou por cursos em universidades particulares. O
pior: quem paga mais imposto como proporção da renda, dada a natureza altamente
regressiva dos nossos principais tributos, são os pobres. É possível intuir,
por conseguinte, que as famílias de renda mais baixa no Brasil custeiam a
formação universitária dos filhos dos ricos.
Olhando-se a democracia como uma corrida,
os pobres jamais alcançarão os ricos - os miseráveis, hoje assistidos pelo
Auxílio Brasil (ex-Bolsa Família). E este é um fato, como demonstra literatura
econômica recente: desde o início da década de 2010, o Brasil não apenas parou
de redistribuir renda, mas também passou a concentrá-la. Estudo de Arminio
Fraga, ex-presidente do Banco Central e hoje sócio da Gávea Investimentos,
prova que o Estado brasileiro transfere atualmente mais renda para os ricos.
Se a distância entre ricos e pobres não
começar a diminuir de maneira consistente e acelerada, por meio de políticas
públicas eficazes e constantemente reavaliadas, que privilegiem a emancipação
das classes que estão na base e no meio da pirâmide social, o que devemos
esperar de nossa ainda jovem democracia? O grito das ruas em 2013 e o resultado
das urnas em 2018 foram dois sinais contundentes, embora confusos porque não
calcados em propostas alternativas, de insatisfação com o rumo das coisas. Por
isso, a disputa eleitoral deste ano segue aberta como o mar da praia de Boa
Viagem - onde, lembremo-nos, de vez em quando, tubarões famintos abocanham
pernas e braços de banhistas incautos e cospem fora em seguida porque a carne
humana não cai bem em sua dieta.
Então, quando falamos do altíssimo custo de
energia no Brasil, é preciso considerar urgentemente o enfrentamento desse
problema porque, agravado pelo fato de 46% dos brasileiros perceberem pouco
mais de um salário mínimo por mês, a conta de luz já funciona como um imposto
que diminui de forma significativa a renda dos mais pobres.
"Metade do que se paga na conta de energia elétrica não tem nada a ver com o seu consumo de energia. Se um consumidor paga, todo mês, R$ 200 para a distribuidora, apenas a metade (R$ 100,40) se refere ao consumo de energia. O resto (R$ 99,60) é usado para pagar impostos, políticas públicas, subsídios, taxas e encargos", explica o presidente da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (ABRACE), Paulo Pedrosa. "Há também o chamado custo invisível da energia. Os brasileiros gastam duas vezes mais na energia que está nas coisas que eles compram e usam, no frango congelado e na conta do salão de beleza, por exemplo."
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