EDITORIAIS
China se tornou decisiva para a paz na
Europa
O Globo
Contra os mísseis e tanques russos na
Ucrânia, o Ocidente montou uma contraofensiva econômica sem precedentes. Nunca
antes uma economia do porte da russa tinha sido alvo de sanções tão duras. Com
a Rússia virtualmente sem acesso ao sistema financeiro internacional,
assistindo à saída e ao boicote de multinacionais, sua sustentação econômica
dependerá cada vez mais da China. Por isso todos os olhos estão voltados para
Pequim. Faz um mês que Xi Jinping trocou juras de “amizade sem limites” com
Vladimir Putin. É improvável que tenha se arrependido, embora algo tenha mudado
na atitude chinesa.
Na terça-feira, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, em conversa com o colega ucraniano, Dmytro Kuleba, afirmou que seu país está pronto para ajudar a acabar com a guerra. Um eventual esforço chinês para fazer deslanchar as negociações de paz será bem-vindo. Um país simpático a Putin, que se absteve nas duas últimas votações contrárias à Rússia nas Nações Unidas, teria papel especialmente relevante neste momento.
A conversa entre os dois diplomatas foi
interpretada como mudança. A China, de acordo com essa versão, percebeu o custo
de ser vista como cúmplice de Putin, formando uma dupla autoritária que age em
sintonia. Debate-se também se Xi foi informado dos planos de invasão por Putin
ou se pediu para que fosse adiada até depois da Olimpíada de Inverno em Pequim.
Caso tenha sido ludibriado, teria motivos para rever a relação com a Rússia.
Mas é um debate irrelevante.
Tradicionalmente, a diplomacia chinesa fica
em cima do muro nos conflitos em que não tem envolvimento direto. Desta vez,
como mostram as votações na ONU, escolheu um lado. Na conversa com Kuleba, Wang
disse que “a segurança de um país não pode ser alcançada em detrimento da
segurança de outros ou pela expansão de blocos militares”. Tradução: a culpa
pela guerra não é de Putin, mas do Ocidente ao querer expandir a Organização do
Tratado do Atlântico Norte (Otan) para a Europa Oriental.
De que a China corre o risco de perder com
essa postura, não há dúvida. Seus maiores parceiros comerciais são os Estados
Unidos e a União Europeia, agora mais coesa do que nunca. Mas os chineses
também ganham com essa posição. Quem cogita um dia retomar Taiwan não pode ser
muito crítico à decisão de Putin. Fora isso, a ameaça russa na Europa desvia a
atenção americana da Ásia — e, em Pequim, existe a convicção de que os Estados
Unidos são uma superpotência em decadência, decidida a barrar a ascensão
chinesa. Essa leitura não mudou.
Em busca de aliados, Xi investiu num relacionamento
estreito com Putin. Desde que assumiu o poder, há uma década, encontrou-o 38
vezes. O dois festejaram aniversários juntos e se chamam de “melhores amigos”.
Na abertura da Olimpíada em fevereiro, boicotada por autoridades americanas,
Putin foi um dos poucos líderes mundiais a viajar para Pequim. Até o momento,
não há sinais de que a química entre o chinês e o russo tenha se alterado.
Também não há evidência de que a China tenha mudado sua visão do mundo. Ao
mesmo tempo, o resgate da paz na Europa nunca dependeu tanto da disposição dos
chineses em impor limites a Putin.
Descalabro no Orçamento tira verbas de
obras contra as chuvas
O Globo
Um exemplo do descalabro provocado pelas
emendas do relator, mecanismo que irriga o orçamento secreto comandado pelos
líderes do Congresso, está no Ministério do Desenvolvimento Regional. Como
revelou reportagem do GLOBO, a pasta, a segunda que mais recebeu verbas dessas
emendas, não tem recursos para o básico: obras prioritárias de prevenção contra
chuvas, como contenção de encostas nas áreas urbanas que concentram habitações
em locais de risco.
Ao Ministério da Economia e à Casa Civil, a
pasta informou em despachos internos que as obras para conter encostas e
combater inundações estão sob risco de paralisação por falta de recursos. Um
absurdo, pois o Desenvolvimento Regional foi agraciado com R$ 4,3 bilhões em
emendas do relator, ficando atrás apenas do Ministério da Saúde (R$ 8,2
bilhões). No total, as emendas do relator no Orçamento deste ano somam R$ 16,5
bilhões. Não é possível saber quem destina esses recursos e tampouco esclarecer
os critérios para a distribuição. Os efeitos nefastos, porém, estão à vista de
todos.
Em meio a essas distorções, o ministério
pede R$ 10,1 bilhões para atender às demandas urgentes. A Secretaria Nacional
de Proteção e Defesa Civil, área vinculada ao Desenvolvimento Regional que
coordena ações em todo o país para prevenir desastres, também está de pires na
mão. Alega necessitar de mais R$ 371 milhões. Os recursos se destinariam
sobretudo a contratos em andamento, de modo a garantir a execução e conclusão
das obras.
É incrível que isso ocorra num momento em
que o país é fustigado por desastres naturais em série, com centenas de mortes
e milhares de desalojados. Desde o fim do ano passado, tragédias provocadas por
chuvas intensas no Sul da Bahia, em Minas, no interior de São Paulo e na Região
Serrana do Rio expuseram de forma contundente o despreparo das cidades para
lidar com fenômenos extremos, que tendem a se tornar mais frequentes e letais
em consequência das mudanças climáticas.
A ocupação desordenada das encostas e
margens de rios em áreas urbanas, que tem crescido nos últimos anos, cria
ambientes propícios a novos desastres. É evidente que a gravidade do problema
requer ação urgente e coordenada entre prefeituras, estados e ministérios como
o Desenvolvimento Regional. É impensável neste momento paralisar obras para
mitigar os danos. O governo deveria se empenhar para concluir os projetos em
andamento e iniciar outros diante da hecatombe. Infelizmente depara com outra
tragédia, no Orçamento.
Verbas secretas são canalizadas sem nenhum
tipo de critério técnico ou investimento estratégico. Em consequência, as obras
realmente necessárias ficam no limbo. Tragédias como as de Petrópolis, Minas
Gerais, Sul da Bahia e interior paulista estão intrinsecamente ligadas ao
destino absurdo dos recursos públicos a projetos que atendem a interesses
paroquiais de políticos sem compromisso com a realidade e a necessidade do
país.
O
amigo Vladimir
Folha
de S. Paulo
Autocrata
russo é espécie de modelo avançado do que Bolsonaro gostaria de ser
Esperar
do presidente Jair Bolsonaro (PL) coerência na relação com outras nações e
compreensão dos temas geopolíticos equivale a acreditar em milagres. A
superficialidade, os rompantes irrefletidos, as contradições e a ausência de
linhas de continuidade prevalecem.
Não
tem sido diferente no caso da invasão militar da Ucrânia pela Rússia.
Integridade territorial, autodeterminação dos povos e não intervenção em
assuntos domésticos de outros países perfilam-se como princípios da
Constituição e da tradição diplomática brasileira.
As
manifestações do Itamaraty, embora de início estranhas a essa linhagem, aos
poucos convergem para ela —como se viu nesta quarta (2), quando a
Assembleia-Geral da ONU aprovou resolução
que condena a agressão da Rússia.
Na
sexta-feira passada (25), ocupando vaga rotativa no Conselho de Segurança, o
Brasil também endossou moção que, corretamente, exigia o fim imediato do uso da
força no território ucraniano.
Três
dias depois do debate sobre a proposta, vetada por Moscou, a representação
brasileira voltou
a repudiar a invasão. Criticou também potências ocidentais por
"sanções seletivas" e pelo envio de armas ao governo ucraniano, sob o
argumento de que essas iniciativas apenas prolongariam a crise.
Pode-se
questionar essa segunda parte da crítica, em especial no caso de uma ofensiva
tão brutal e imotivada como a deslanchada pelo governo russo, mas ela não
destoa da tradição pacifista e multilateralista da diplomacia brasileira.
O
que contrasta, sem dúvida, com o passado e o presente do Itamaraty são as
atitudes do presidente Bolsonaro sobre a crise. Ele chegou a interromper mais
um longo período de ócio no litoral para fazer comentários confusos sobre como
pretende lidar com a Rússia de seu mais novo amigo, Vladimir Putin.
Explicou
que adotaria
a "neutralidade" com o autocrata, com quem se encontrou há
alguns dias durante um passeio pouco produtivo pelo Kremlin. O Brasil, afirmou,
não pode ficar sem os fertilizantes importados da nação eslava.
Afora
o fato de o fim da violação russa ser o melhor caminho para assegurar o
fornecimento de insumos agrícolas ao Brasil, as falas de Bolsonaro também se
chocam com o que o seu próprio Ministério das Relações Exteriores está fazendo.
A
neutralidade a que o presidente brasileiro se refere mais parece um gesto
pessoal de simpatia com o líder russo. Putin, afinal, é uma espécie de modelo
avançado do que Bolsonaro gostaria de ser, mas não consegue por causa das
instituições da democracia.
Prender
adversários, reprimir críticos, atropelar órgãos de controle, calar veículos de
imprensa. Na Rússia há; no Brasil, não.
Transparência é lei
Folha de S. Paulo
Regras de proteção de dados não podem
obstruir informações públicas essenciais
Agentes do Estado não precisam de mais do
que um filamento de pretexto jurídico para tentar forçar a interpretação das
leis que lhes convêm, nem sempre coincidente com o interesse público.
Exemplo grotesco desse pendor veio do
Exército, que, em nome da proteção à privacidade do general Eduardo Pazuello,
ex-ministro da Saúde, determinou, com base na Lei de Acesso à Informação,
sigilo de cem anos para o processo que livrou o militar da ativa de punição por
ter participado de ato político de apoio a Jair Bolsonaro (PL).
Pior, a prática tortuosa vem sendo
estendida até a grandes coleções de dados produzidas pela administração, com
impactos deletérios para a transparência pública e até para a atividade
científica.
Com efeito, agentes públicos vêm invocando
dispositivos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para suprimir
o acesso a microdados do Enem e de outras avaliações a cargo do
Ministério da Educação, fundamentais para a produção de estudos que poderão dar
sustentação a políticas públicas para o setor.
Foi à LGPD que o Gabinete de Segurança
Institucional recorreu para negar-se, repetidas vezes, a divulgar listas de
pessoas que visitaram o Palácio do Planalto.
E foi com base nesse mesmo diploma que se
cogitou impor sigilo a dados sobre doações eleitorais. Em tempo, o presidente
do TSE, Edson Fachin, afastou
essa interpretação, ao menos em sua gestão.
Não se pode afirmar que seja uma
surpresa. Como
observou o colunista Ronaldo Lemos nesta Folha, Cláudio Weber Abramo já
alertara, em 2018, que autoridades recorreriam à LGPD para sonegar dados e
documentos à sociedade.
Não há dúvida de que o Estado precisa
tentar salvaguardar informações sensíveis de cidadãos que estejam em seu poder.
Experimentos um tanto sinistros mostraram que mesmo dados
"anonimizados" podem, se houver disposição e acesso a outras bases,
ser facilmente "desanonimizados". É característica dos tempos atuais.
Entretanto isso deve servir de estímulo a
que se busquem novas formas de proteger registros, não a que sejam simplesmente
retirados do escrutínio público.
A regra geral da administração, que vale
para atos, processos e números, é a publicidade —sendo o sigilo reservado para
os casos excepcionais em que há ameaça de dano concreto ao cidadão. Sem isso, é
a própria democracia que não estará funcionando bem.
Não é hora de neutralidade
O Estado de S. Paulo
Até a Suíça deixou a neutralidade e apoiou as sanções, mas Bolsonaro preferiu tolerar a agressão à Ucrânia e à ordem global
Só o rápido fim da guerra, com suspensão da
violência, desocupação da Ucrânia e restauração da ordem multilateral, pode
interessar ao Brasil. O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, parece desprezar
essa verdade tão óbvia quanto importante. Mantida a agressão à soberania
ucraniana, a insegurança continuará e todos os países serão afetados política e
economicamente. Não é hora para neutralidade nem para simpatia mal disfarçada a
quem viola de forma inegável e arrogante o direito internacional. Não adianta
recorrer a argumentos travestidos de realismo. Nem a mais grosseira caricatura
de maquiavelismo pode justificar a atual diplomacia presidencial. Além de
política e moralmente indefensável, a tolerância ao brutal expansionismo de
Vladimir Putin é mau negócio.
Se a guerra se prolongar, prolongadas serão
também as sanções. As maiores perdas poderão caber à economia russa, mas todos
pagarão um preço, incluído o Brasil. Se ficar mais difícil importar da Rússia,
o agronegócio poderá ter dificultado seu acesso ao principal fornecedor de
certos fertilizantes – 76% do nitrogênio, 55% do fósforo e 94% do potássio
aplicados nas lavouras brasileiras. Isso prejudicará o plantio, no segundo
semestre, dos cereais e oleaginosas da próxima safra de verão.
Também as vendas do Brasil à Rússia poderão
ser afetadas, mas com pouco efeito no resultado geral do comércio. Em 2021, o
mercado russo absorveu exportações brasileiras no valor de US$ 1,59 bilhão,
soma equivalente a apenas 1,59% do total. Na lista de países compradores de
produtos brasileiros, a Rússia apareceu, no ano passado, em 36.º lugar. Em
2006, 2,5% das vendas externas do Brasil foram destinadas ao mercado russo, mas
essa fatia diminuiu a partir do ano seguinte, talvez por negligência
brasileira.
Se depender do empresariado da Rússia,
parece pouco provável uma redução das vendas de fertilizantes ao Brasil. Esse
empresariado já indicou ao presidente Putin sua preocupação com as
consequências econômicas da guerra. Será uma surpresa se renunciar a qualquer
esforço para manter os negócios com clientes do mundo capitalista,
especialmente se essa clientela estiver ligada ao agronegócio brasileiro.
Mas o risco de empecilhos ao comércio é
inegável, se a guerra e as sanções forem mantidas por muito tempo. Problemas
poderão surgir nas cadeias globais de suprimentos, alertou a diretora-geral da
Organização Mundial do Comércio (OMC), a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala. Ela
destacou possíveis altas de preços, com danos principalmente para as populações
pobres, se houver redução das exportações de cereais da Rússia e da Ucrânia,
países grandes produtores de trigo e de milho.
O Brasil, diria um analista apressado, até
poderia beneficiar-se com maior exportação de alguns produtos. Mas apostar em
ganhos provenientes de uma guerra é perigoso econômica e politicamente e
inaceitável pelos critérios da convivência segura.
Esses critérios foram várias vezes
menosprezados, nos últimos três anos, pelo Executivo brasileiro, em
manifestações contrárias à ordem multilateral. Sua política antiambientalista,
com desastrosos efeitos diplomáticos, naturais e humanos, é um claro exemplo
dessa oposição a valores defendidos internacionalmente.
As características bolsonarianas também se
manifestam na identificação do presidente brasileiro com chefes autoritários,
como o russo Vladimir Putin e o húngaro Viktor Orbán. Ambos foram visitados na
semana anterior à invasão da Ucrânia. Consumada a violação, o Executivo
brasileiro limitou-se a defender negociações. O governo da Suíça, país
tradicionalmente neutro, aderiu às sanções. “Estamos com o povo ucraniano na travessia desses horrendos
acontecimentos”, disseram os líderes do Fundo Monetário Internacional (FMI) e
do Banco Mundial, ao anunciar ajuda à Ucrânia.
As escolhas são claras e nem o malabarismo
da diplomacia brasileira esconde a tolerância à brutalidade de Putin. Serão os
dirigentes do FMI, do Banco Mundial e da Suíça incapazes de entender o bom
negócio de Bolsonaro?
Perigo real e imediato
O Estado de S. Paulo
Relatório sobre o clima aponta risco de
queda da produção agrícola, o que pode aumentar o número debrasileiros que
vivem em insegurança alimentar
Para muita gente, no Brasil e no mundo, os
riscos associados às mudanças climáticas induzidas pelo homem ainda são
percebidos como um tema distante, restrito a fóruns internacionais,
universidades, organizações não governamentais e setores da imprensa. É
compreensível que seja assim, particularmente em países como o Brasil, que
reúnem enorme contingente de cidadãos que têm entre suas preocupações
principais encontrar um trabalho, mantê-lo e garantir comida na mesa. É muito difícil
pensar em crise climática, ou em qualquer outro assunto, quando se está premido
pela fome. Mas, como a pandemia de covid-19 tristemente lembrou a todos, a
natureza se impõe sem ponderações. Os efeitos das mudanças climáticas estão
cada vez mais próximos de nós e, além de criarem novos problemas para a
humanidade, aprofundarão mazelas já existentes.
Metade da população mundial (3,6 bilhões de
pessoas), nada menos do que isso, está sob ameaça direta dos efeitos mais
nocivos das mudanças climáticas, como enchentes, deslizamentos de terra, secas,
ondas de frio e de calor excessivos, insegurança alimentar e crises
migratórias, entre outros. Foi o que apontou o mais recente Painel Intergovernamental sobre o Clima (IPCC),
relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) no dia 28 de
fevereiro. O objetivo da ONU ao produzir e divulgar esse documento é avaliar as
vulnerabilidades naturais e socioeconômicas dos países às mudanças climáticas,
antevendo seus possíveis impactos locais e regionais e, principalmente,
propondo medidas de prevenção ou adaptação a fim de mitigar riscos.
No que concerne ao Brasil, o IPCC aponta risco de queda
importante na produção agrícola, o que pode aumentar ainda mais o número de
brasileiros que vivem em insegurança alimentar. O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar
no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil 2021, também
realizado pela ONU, apurou que há 116,8 milhões de brasileiros (55% da
população) que já convivem com algum grau de insegurança alimentar. Destes,
43,4 milhões não têm alimentos em quantidade diária suficiente e 19 milhões de
brasileiros convivem com a fome. Fato é que isso nada tem a ver com escassez de
alimentos, mas falta de renda. As mudanças climáticas, portanto, agravarão esse
problema.
Vale lembrar que, no início deste ano, uma
seca e uma onda de calor sem precedentes recentes arrasaram lavouras nas
Regiões Sul e Centro-Oeste, provocando um prejuízo de cerca de R$ 45 bilhões
para o agronegócio. As culturas de soja e milho foram as duas mais afetadas,
justamente os principais grãos da pauta de exportações do País. Especialistas
em clima foram taxativos ao atribuir esses fenômenos às mudanças climáticas.
A degradação da Região Amazônica se
ampliará com os efeitos negativos das mudanças climáticas provocadas pelo
homem, com reflexos em todo o País. O IPCC aponta
ainda para o risco de uma crise humanitária decorrente da migração das
populações da Região Nordeste mais afetadas por eventos climáticos extremos,
como secas e inundações cada vez mais frequentes.
Essa é a dura realidade do País, tal como
está posta. Tão pior ficará se o governo brasileiro, de uma vez por todas, não
der às mudanças climáticas a devida importância que o problema tem, a começar
por dar credibilidade a um documento como o IPCC. Para o cidadão que está mais preocupado em levar
comida para casa do que com as mudanças climáticas, há perdão. Para um governo
negligente, malgrado ter acesso a toda informação disponível e poder de
decisão, não há. “Abdicar da liderança é criminoso”, advertiu o
secretário-geral da ONU, António Guterres.
A essa altura, é evidente que não se pode esperar nada do presidente Jair Bolsonaro, alguém que enxerga os alertas científicos sobre os riscos ambientais como “a mesma xaropada de sempre”. Portanto, a medida mais urgente que o País tem de adotar para impedir ou mitigar os efeitos das mudanças climáticas é não reeleger Bolsonaro. Sua estupidez orgulhosa e seu desdém por questões relacionadas à proteção do meio ambiente, mais do que levar o Brasil à condição de pária internacional, representam perigo real e imediato para os brasileiros mais vulneráveis.
Inflação e commodities voltam a ajudar os
governos
Valor Econômico
A melhora efetiva das contas públicas
depende de reformas para conter as despesas obrigatórias
A invasão da Ucrânia pela Rússia tende a
provocar um novo impulso na inflação global, em decorrência do encarecimento
das commodities, como energia, alimentos e metais. A aceleração da alta de
preços, como de costume, terá repercussões distributivas importantes e, no
Brasil, os governos tenderão a ser um dos mais importantes ganhadores.
Os dados das contas fiscais de janeiro
mostram que, mesmo antes do início do conflito, já havia um impacto positivo
das surpresas inflacionárias na arrecadação e nos níveis de endividamento do
setor público. Mas a melhora tende a se dissipar, já que o que importa no longo
prazo são as variáveis reais.
O superávit primário da União, dos Estados,
dos municípios e das empresas estatais chegou a impressionantes R$ 101,8 bilhões
em janeiro. A dívida líquida do setor público caiu a 79,6% do Produto Interno
Bruto (PIB), portanto abaixo da marca psicológica de 80% do PIB. O pano de
fundo dessa melhora é o prolongamento do surto inflacionário que o Brasil e o
mundo vivem desde fins de 2020, refletindo os impactos diretos da pandemia e os
estímulos monetários e fiscais injetados por bancos centrais e governos.
As estimativas dos analistas para o Índice
de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para 2022, nas últimas semanas, se
deslocaram de perto de 5% para 5,6%. Nesse percentual, distancia-se ainda mais
do centro da meta de inflação, de 3,5%, e supera o intervalo de tolerância, que
vai até 5%.
A inflação foi forte particularmente em
janeiro, ajudando a baixar a dívida bruta. O IPCA chegou a 0,54%, e o Índice
Geral de Preços - Mercado (IGP-M), a 1,82%. O efeito baixista do crescimento
nominal da economia na dívida bruta foi de 0,8 ponto percentual apenas no
primeiro mês do ano.
A inflação, junto com a alta dos preços de
commodities, são motores importantes da arrecadação. A receita tributária
federal aumentou 18,3% ante janeiro de 2021, chegando a R$ 235,3 bilhões. O
aumento da arrecadação com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS) fortaleceu o resultado primário dos Estados e municípios, que somou R$
20 bilhões em janeiro.
Naturalmente, os resultados acima se devem
também ao esforço para segurar as despesas, apesar de o governo Bolsonaro ter
tomado medidas de expansão fiscal no ano eleitoral que enfraqueceram o teto de
gastos.
Como os números acima são referentes a
janeiro, ainda não refletem os mais recentes impactos que o conflito no Leste
Europeu teve sobre os preços das commodities e na inflação global. Muitos
analistas econômicos estão refazendo suas estimativas para a inflação deste ano
que, dependendo da intensidade e duração do choque externo, poderá chegar mais
perto de 6%.
O avanço da inflação melhora a perspectiva
fiscal de curto prazo. Não será surpresa se, nas próximas semanas, assistirmos
a uma alta do superávit primário previsto e queda nas estimativas da dívida
bruta. No entanto, o cenário fiscal para os próximos anos tende a ficar um
pouco mais incerto.
Os funcionários públicos federais
aumentaram a pressão por reajustes, e vários governos regionais já se
anteciparam com a concessão de aumentos para compensar as perdas salariais
provocadas pela inflação. Uma boa parte da conta deverá ser paga apenas no
futuro, quando se espera que a ajuda da inflação na arrecadação dos governos
tenha perdido fôlego.
O clima de euforia com a arrecadação
encoraja a União a promover estímulos pelo lado da receita. É o caso do corte
de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Apesar de eventuais méritos
de desonerar e dar competitividade a um setor importante da economia, a medida
não tende a ser duradoura, porque não está sendo desenhada, no conjunto, de
forma fiscalmente sustentável.
A inflação traz ganhos ao governo apenas
quando não é antecipada pelos agentes econômicos. O Banco Central já colocou os
juros em dois dígitos e, segundo previsões dos analistas do mercado, deverá
levá-los a pelo menos 12,25% nos próximos meses. O aperto monetário já tem
repercussões nas despesas com juro da dívida. A alta dos encargos tende a
perdurar, já que o Banco Central e o mercado reestimaram para cima a taxa de
juros neutra da economia.
Assim, a alta da inflação cria apenas uma ilusão. A melhora efetiva das contas públicas depende de reformas para conter as despesas obrigatórias e para aumentar o crescimento potencial da economia.
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