O Globo
Ao explicar o que ele mesmo chamou de
posição de “neutralidade” em relação à guerra na Ucrânia, Jair Bolsonaro
recorreu à dependência do setor agrícola em relação aos fertilizantes russos.
“Para nós, a questão do fertilizante é
sagrada”, disse, na mesma entrevista em que considerou um “exagero” falar que o
governo de Vladimir Putin está massacrando ucranianos.
Claro que não interessa a ninguém que o
agronegócio brasileiro fique sem insumos. Menos fertilizantes levam a menor
produtividade, maiores custos e, consequentemente, mais inflação.
Está evidente, porém, que essa não foi a
única razão para o comportamento leniente de Bolsonaro em relação a Putin.
Desde o momento em que pisou na Rússia, ele demonstrou que seu cálculo tem mais a ver com as eleições de outubro que com a geopolítica mundial ou com a pujança da nossa agricultura.
Nenhum acordo relevante foi assinado em
território russo e, que se saiba, nada de concreto foi discutido. Nem mesmo a
reunião de produtores russos de fertilizantes com representantes da comitiva
brasileira trouxe grande novidade. Só mesmo a conclusão óbvia de que os
compatriotas de Putin estão muito a fim de vender para o Brasil.
O único saldo visível da viagem foi a foto
em que Bolsonaro e Putin aparecem num sorridente aperto de mão. A menos que
algo muito confidencial tenha sido discutido nas duas horas em que ficaram a
sós, era só isso mesmo o que Bolsonaro queria.
Não é segredo que ele ficou mordido com o
recente giro europeu de Lula e vinha buscando incluir em seu cardápio de
campanha alguma demonstração de que não está isolado no panorama internacional.
Naquele momento, Putin foi o único líder de
potência mundial disposto a recebê-lo, e Bolsonaro era o único chefe de Estado
de um país relevante disposto a adular o autocrata russo em plena crise com a
Ucrânia.
Do ponto de vista da política de relações
públicas, a jogada russa já se converteu em tiro no pé assim que a guerra
começou.
Ter ido a Moscou com uma conversa vaga
sobre paz dias antes do ataque ou indica que Bolsonaro fez papel de bobo, ou
então que, no fundo, não estava nem aí para a paz mundial. A confusão entre o
que o presidente diz e o que o Itamaraty faz nas Nações Unidas também cai muito
mal para quem se pretende um ator de peso no cenário global.
O aspecto econômico é mais um em que a
postura de Bolsonaro se revela simplista e inócua. Com as sanções impostas aos
bancos e o embargo à cadeia de transporte, os russos não conseguirão vender
fertilizantes ao Brasil mesmo que queiram. O país terá de fazer novas
articulações para tentar suprir a produção agrícola. E, dependendo do cenário,
será obrigado a disputar produtos de grandes fornecedores, como o Canadá.
Com a oferta menor que a demanda, será necessário
algum critério para decidir quem consegue os produtos primeiro. Dependendo de
qual for esse critério, a vida do agronegócio brasileiro não ficará muito mais
fácil do que está.
O curioso é que Bolsonaro, agora, já não
parece mais tão preocupado. Enquanto a ministra da Agricultura, Tereza
Cristina, trabalhava para acelerar o Plano Nacional de Fertilizantes, que
deveria ter sido lançado no final do ano passado, e anunciava sua ida ao Canadá
para negociar o aumento do fornecimento, o presidente sugeria no Telegram que
se liberasse a exploração de minas de potássio em reservas indígenas, como
forma de obter mais matéria-prima.
No WhatsApp, espalhava teorias da
conspiração desconexas para justificar o injustificável. “Se Bolsonaro não
tivesse corrido para fazer aliança com Putin (fertilizantes, ...), nem eleições
teríamos”, dizia um trecho da enigmática mensagem que enviou às suas listas de
zap, como mostrou ontem o colunista Lauro Jardim.
“Os mesmos que desejam que o Presidente
brasileiro tome uma posição firme no conflito Rússia x Ucrânia são aqueles que
desejam tomar de nós a Amazônia.”
Não chega nem a ser surpresa que Bolsonaro
esteja avacalhando a tradição da nossa diplomacia, assim como fez com todo o
resto da capacidade instalada no governo, ou que não enxergue um palmo adiante
do nariz no cenário econômico internacional.
É previsível que se ocupe mais com eleições
e de suas narrativas caóticas que com trazer solução a nossos dilemas, em meio
a uma crise planetária de grandes proporções. O problema para o próprio
presidente é que, assim como o print da tela do celular, a História não se
apaga, e as consequências de sua diplomacia do zap podem vir a ser perenes —
tanto na economia quanto nas urnas.
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