quinta-feira, 3 de março de 2022

Míriam Leitão: As derrotas de Vladimir Putin

O Globo

O presidente Vladimir Putin está perdendo a guerra. Não há mais bom cenário para ele. O domínio do território da Ucrânia ocorrerá unicamente pela desproporção de forças, mas ele não conquistará a Ucrânia. O PIB do país que governa vai despencar numa recessão que é ainda difícil de calcular, o dólar subiu 40%, medidas são tomadas pelo Banco Central para conter a fuga de divisas. Um rublo vale menos que um centavo de dólar. Nos últimos sete dias houve uma brutal destruição da riqueza russa. A bolsa ficou fechada, mas em Londres as empresas russas viraram pó. A ação do banco Sverbank estava cotada a US$ 15, vale agora US$ 0,02. E seu braço europeu decretou falência. Os títulos do país são classificados como lixo e não encontram comprador. Putin governa um país sitiado econômica e financeiramente.

O projeto inicial de Putin fracassou. Ele achou que seria um passeio, um desfile militar até Kiyv. E encontrou pela frente o espírito humano. A força e a capacidade de luta dos ucranianos não se explicam nos manuais militares. Essa foi a primeira derrota de Putin. O domínio final será pelo esmagamento, seus tanques andarão sobre escombros. Que vitória será essa?

Nos seus planos de guerra estava a ideia de que bastava ameaçar com “consequências jamais vistas” que o Ocidente nada mais faria além dos discursos retóricos de sempre. Essa foi sua segunda derrota. No domingo, diante das primeiras sanções, Putin fez a reunião teatral com seu ministro da Defesa ordenando colocar em prontidão as forças especiais que lidam com arsenal nuclear. Iniciou assim a sua terceira derrota, porque a partir daquele momento o Ocidente se uniu de maneira incomum e disparou a mais poderosa arma financeira já usada contra uma economia.

Ontem a governadora do Banco Central russo definiu a situação como “extrema”. A moeda está no vazio. Calcula-se que os russos já sacaram US$ 15 bilhões. As empresas exportadoras são obrigadas a entregar 80% dos dólares ao governo. Mas a dúvida é se essas divisas entrarão no país, dado que o comércio está parando. As grandes empresas e marcas estão promovendo um verdadeiro banimento do mercado russo dos seus negócios. A lista é enorme e não caberia neste espaço, mas envolvem companhias como Apple, Disney, Adidas, Shell, BP, Exxon, Equinor, Airbus, Boeing, Visa, Mastercard, Volvo, General Motors, Microsoft. Inúmeras. Por pressão dos consumidores e sob risco reputacional, as companhias preferem perder dinheiro a manter os laços com a economia russa. Laços que foram construídos em mais de 30 anos.

A desvalorização do rublo levará a uma forte queda do poder de compra e o consumo responde por 50% do PIB. Empresas começam a quebrar. Haverá uma completa desorganização da cadeia produtiva. O setor de serviços também será afetado, principalmente o de softwares e alta tecnologia, o que irá diminuir a produtividade no país. Aviões russos já não podem voar para outros países, os navios não serão aceitos nos portos. Das finanças à indústria, dos serviços ao entretenimento, da agricultura ao esporte, tudo está sendo bloqueado.

A Rússia exporta perto de 8% do petróleo do mundo, e, apesar de as sanções não terem atingido o setor de energia do país, a Gazprom teve dificuldades para ir a mercado vender o produto ontem, mesmo com desconto nos preços. As comercializadoras não querem comprar e os bancos não aceitam financiar a operação.

O país de Vladimir Putin não é grande do ponto de vista econômico, mas é um gigante militar. Sua economia pode ser considerada média, e no médio prazo a Rússia tem muito a perder. Todos esses investimentos cancelados levarão a desemprego e ao empobrecimento. A Alemanha e outros países europeus tentarão encontrar outros fornecedores para o seu gás e seu petróleo. A Rússia poderá estreitar laços com a China, uma potência cada vez mais forte, mas isso a tornará mais dependente.

A população da Rússia está encolhendo. Hoje existem 2,5 milhões de russos a menos do que havia em 1993. Até o ano que ele escolheu para deixar o cargo, 2036, a população vai encolher em mais 5,2 milhões de pessoas, será de 140,6 milhões de habitantes. Essa não era a hora para mandar homens jovens correr risco de morte. Se é que existe hora boa para um governante mandar sua população matar e morrer em nome de um delírio expansionista.

 

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