Folha de S. Paulo
Com alta do mercado de petróleo, decisão
influencia na inflação e tem efeito político
Faz 50 dias que a Petrobras não
aumenta o preço de gasolina
e diesel.
Nesse tempo, o barril de petróleo do tipo Brent ficou 36,8% mais caro. Em
reais, em uma conta de guardanapo, o barril encareceu 26,4%, pois o real se
valorizou e não voltou a levar tombo maior mesmo com a guerra.
Não é assim que petroleira faz contas para
definir o preço de acordo com a paridade internacional (que depende do custo de
gasolina e diesel nos mercados produtores relevantes para o Brasil etc.). Mas
dá para ter uma ideia do problema, se
a estatal estiver mesmo decidida a manter sua política de preços.
Está? A decisão vai influenciar a inflação,
talvez o tamanho da alta de juros que ainda está por vir e tem efeito político,
é óbvio. O assunto se torna ainda mais enrolado quando se nota que os preços
de trigo, milho, soja e carnes também vão subir um tanto mais também
por causa da guerra na Ucrânia.
Em tese, a Petrobras teria um argumento sensato para não mexer por ora nos seus preços, que é justamente a alteração causada pela guerra e a incerteza a respeito do que vai acontecer. Mas tem problemas práticos e políticos para enrolar muito.
O conflito começou no dia 21 de fevereiro,
quando Vladimir
Putin anunciou que mandaria "missões de paz" para o leste
da Ucrânia. Desde a sexta-feira, 18, o preço do Brent aumentou 22,4%. Até
agora, portanto, esse é o custo extra da guerra para o petróleo, que, no
entanto, tem variado muito, até para baixo, nestes dias de tumulto e
horror. Neste
ano, o Brent já ficou 47% mais caro.
A Petrobras pode dizer que o momento é
incerto, mas não parece razoável acreditar que tão cedo o barril vá ficar mais
barato. A
guerra ainda vai durar. Se o conflito armado viesse a ser interrompido,
as sanções
econômicas contra a Rússia permaneceriam. Mesmo que essas retaliações
não abarquem negócios com energia ou comida, as limitações financeiras, legais
e administrativas impostas a empresas e bancos
da Rússia tiram parte do petróleo russo do mercado.
Não há outros sinais de alívio no
horizonte. Estados
Unidos e aliados disseram nesta semana que vão liberar a venda de 60
milhões de barris de petróleo de suas reservas estratégicas. Mas isso não dá 10
dias de exportações russas de
petróleo. Não é ninharia, decerto, mas não salva o mercado do tumulto.
A OPEP, o cartel do
petróleo, aliás aliado ao menos comercial da Rússia, manteve
a política de aumentar a exportação em 400 mil barris por dia, a cada
mês, 12 milhões por mês, pois (o que está difícil de acontecer, pois vários
países estão com dificuldades de produzir mais, em particular na África).
O mercado financeiro do
Brasil fez festinha na Quarta-feira de Cinzas da guerra, pois ainda entra
dinheiro de fora na Bolsa e as commodities brasileiras estão em alta. Além do
mais, mesmo nos EUA a tormenta em Bolsas e juros esteve contida —a guerra vai
levar os bancos centrais dos EUA e da União Europeia a elevar a taxa básica de
juros deles em ritmo mais lento.
No entanto, a questão monetária e política
de fundo permanece: não há motivos para acreditar em queda mais rápida da
inflação tão cedo —ao contrário. A carestia de guerra vai
bater diretamente nos preços mais visíveis e dolorosos: comida e
combustíveis. A baixa ligeira da eletricidade em abril ou maio não vai servir
de refresco, a não ser que Putin diga "desculpaê, foi mal, a guerra
acabou". Improvável.
Em resumo, inflação vai ser um assunto que
vai ficar mais quente: vai bater na política de preços da Petrobras, vai
resultar em mais blablá e ideias daninhas no Congresso, deve afetar uns pontos
do prestígio de Jair
Bolsonaro.
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