O Estado de S. Paulo
Prioridade de nossa diplomacia não deve ser
equilibrar-se entre condenação da guerra na ONU e o apoio ao agressor no
Planalto.
A invasão militar da Ucrânia pela Rússia é
mais do que uma guerra de anexação. Ela abre uma crise no equilíbrio da
segurança global e acrescenta nova dimensão à tríplice crise política,
econômica e sanitária que atravessamos. Afeta nosso processo sucessório, põe em
risco o comércio exterior, cria insegurança no mercado financeiro e no
investimento estrangeiro e agrava o isolamento provocado pela má condução de
nossa política externa e pela execução pífia de nossa diplomacia.
Os impactos econômicos são os que mais têm
se destacado e os que recebem tratamento mais inadequado do governo. O pretexto
de nossa dependência em potássio, depois de ser usado para legitimar a visita
presidencial à Rússia, agora justifica o controverso garimpo em terras
indígenas e a grilagem. A previsível escassez de vários tipos de insumo deveria
ser enfrentada com boas políticas de comércio exterior e de incentivo aos
setores produtivos domésticos. E com uma diplomacia proativa.
É surpreendente que a alta do preço do petróleo seja usada como pretexto para subsídios e isenções emergenciais, como se afetasse somente o óleo que importamos, e não aquele que exportamos – sendo quase a metade para a China. Ao todo, no ano passado, exportamos um volume de cerca de 70 milhões de toneladas (o que inclui óleo bruto e minerais betuminosos), resultando numa receita superior a US$ 30,5 bilhões, com o barril a US$ 80.
Por que a China iria preferir depender do
óleo russo, apesar de todos os atuais empecilhos à sua circulação, invertendo a
atual dependência de Putin com relação ao apoio chinês? Para que a China iria
preterir um fornecedor confiável, como tem sido o Brasil?
Precisamos de uma política externa
inteiramente voltada para nossos interesses vitais, sem a qual nossa diplomacia
se torna um passivo a mais no enfrentamento desta crise criada pelas
alucinações de déspota imperial de Putin. Sua aventureira ostentação de força
está notoriamente desatrelada de seus recursos reais de poder militar,
econômico e de credibilidade. É surpreendente que os dois lados de nossa
polarização eleitoral se inspirem em Putin, sem de longe cogitar dos reflexos
indeléveis, domésticos e externos, dessa leniência com o déspota russo.
Os reflexos externos são os que precisam
ser encarados com maior urgência. Alguns deles têm-se manifestado desde a
primeira hora do atual mandato presidencial, quando o novo governo rompeu
unilateralmente todas as parcerias internacionais que apoiavam financeiramente
nossas ações de proteção ambiental. E só se agravaram com um assumido desmonte
progressivo das ações de combate ao desmatamento e às queimadas.
Nunca se viu tamanho desafio à opinião
internacional e aos nossos governos parceiros, desde que o ministro de Minas e
Energia da ditadura, Shigeaki Ueki, declarou ao mundo que nós queríamos mais, e
não menos poluição, para melhor desenvolver nossa indústria. Agora, o anúncio
deslavado de que a crise internacional é uma “oportunidade” benéfica para abrir
as porteiras, com legalização do garimpo, da grilagem e tentativa de destinação
inconstitucional das terras indígenas, longe de nos proteger dos efeitos
comerciais e financeiros das sanções contra Putin, aumentará nossa
vulnerabilidade e o isolamento que já sofremos.
Diante deste quadro, a reversão de nossa
imagem de Estado pária, conivente com transgressores de nossas próprias leis e
de nossos compromissos com a ordem internacional, é uma condição necessária
para a recuperação de nossa credibilidade internacional. Sem ela, não poderemos
superar nossa vulnerabilidade a boicotes e sanções nem contar com os recursos
do investimento estrangeiro que tornam possível viabilizar a exploração
sustentável de nossos recursos naturais.
Para tanto, o foco prioritário de nossa
diplomacia deve ser, hoje, a missão de reerguer nossa imagem externa, e não a
de se equilibrar entre uma ambígua condenação da guerra na ONU e um expresso
apoio ao agressor no Planalto.
A volta do Brasil para o Conselho de
Segurança da ONU é uma oportunidade irrecusável para uma contribuição relevante
no debate sobre as negociações de paz. Os grandes think tanks ocidentais,
dedicados à inteligência e à segurança internacional, começam a se dar conta de
que o impasse na discussão de um cessar-fogo e de futuras negociações de paz
decorre de um equívoco na definição das partes relevantes. A Ucrânia é apenas o
teatro de batalha de uma guerra da Rússia contra os EUA (ou contra o Ocidente).
Portanto, é a Biden e a Putin que cabe
negociar o que apenas ambos têm a ceder mutuamente para cessar as hostilidades,
isto é, as tropas russas dentro da Ucrânia e as sanções econômicas impostas
pelo Ocidente. Trata-se, claramente, de trocar recuos crescentes das forças
russas contra afrouxamentos dosados das sanções, o que a diplomacia de ambos os
lados provavelmente já colocou no papel.
É esta a mensagem que o Brasil tem a levar
ao Conselho de Segurança da ONU e à opinião pública internacional: as partes
relevantes têm de dialogar.
Sem diplomacia proativa, nossa
credibilidade externa continuará em queda livre.
*Senador (PSDB-SP)
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