quinta-feira, 14 de abril de 2022

Merval Pereira: Os donos do poder

O Globo

A miríade de partidos políticos em atuação no Congresso impede que se chegue a um acordo para lançar candidato único à Presidência da República pelo chamado “centro democrático”. Cada partido tem seu “dono”, que quer puxar a brasa para sua sardinha devido aos fundos eleitoral e partidário. Fica mais importante fazer uma grande bancada no Congresso do que tentar eleger um presidente que, seja qual for sua ideologia, dependerá dos parlamentares para governar. São os novos “donos do poder”.

A “ameaça” do União Brasil de apresentar uma chapa própria, se a turma do “centro democrático” não levar em consideração a escolha de seu presidente, Luciano Bivar, como candidato a presidente da República, é mais uma jogada para melar o jogo. Provavelmente, desse mato não sai coelho, e os partidos acabarão liberando seus parlamentares para palanques regionais.

O União Brasil não quer ter uma candidatura que atrapalhe Lula. Bivar não atrapalha ninguém, fará uma campanha barata, e sobrará dinheiro para financiar uma grande bancada. Um acordo com Moro ou Ciro Gomes seria contra Lula, o que ninguém quer, especialmente o DEM do Nordeste. E uma parte do PSL que está no União Brasil ainda gosta de Bolsonaro. Então, fica evidente que a escolha de Bivar não é para ganhar eleição, e sim para liberar os votos de todos.

Bivar já foi candidato várias vezes a presidente e nunca teve voto. Atraiu Moro para o partido não para ser candidato a presidente, e sim para candidatar-se a deputado federal e trazer votos para a legenda, que representam dinheiro e eleições. Muitos candidatos seriam eleitos com a votação de Moro, com a previsão de que teria cerca de 3 milhões de votos. É uma situação interessante para Moro — que teria votação espetacular e um ótimo início de carreira política, mas colocaria para dentro do Congresso cinco, até dez deputados, muitos dos quais gostaria de ter prendido. A convivência com os futuros colegas será traumática.

Na verdade, a maioria do Congresso é da mesma tendência liberal: os partidos do Centrão, que no momento têm cerca de 171 deputados, mais os componentes de MDB, PSD, PSDB, PTB, Podemos, que aprovaram várias medidas do projeto econômico liberal nos governos Temer e Bolsonaro (teto de gastos, privatização da Eletrobras, reformas trabalhista e previdenciária, Banco Central independente, marcos regulatórios).

Apesar do fisiologismo e do patrimonialismo, esses deputados são a garantia de estabilidade democrática em qualquer governo. Os do Centrão estão convencendo os recalcitrantes de que serão a garantia de que Bolsonaro não tentará jogar fora das quatro linhas da Constituição, como gosta de dizer. Também o PT terá na maioria conservadora e liberal da Câmara um obstáculo aos seus radicais.

Com as mudanças dos últimos anos, que garantiram uma autonomia muito grande aos parlamentares na execução orçamentária, ter uma bancada forte tornou-se fundamental. As “emendas do relator”, um novo tipo de “mensalão” legalizado, reservam uma fatia de R$ 11 bilhões no orçamento para os apaniguados do presidente da Câmara. Além disso, as emendas são hoje impositivas — têm de ser executadas —, e os valores destinados aos fundos eleitoral e partidário chegam agora a R$ 5,9 bilhões.

Com esse dinheirão e esse poder de distribuir benesses sem controle, aumentou muito a possibilidade de desvio de verba, e escândalos surgirão inevitavelmente, como agora no MEC. Mas, como ao mesmo tempo o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) estão desmontando todos os instrumentos de punição aos corruptos, os parlamentares estão protegidos.

Outro líder do Centrão, o chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, ganhou o poder de aprovar mudanças no Orçamento, antes atribuição exclusiva do Ministério da Economia. Todas essas novidades legislativas fazem com que os partidos estejam mais preocupados com suas bancadas, mas o Centrão e outros partidos da mesma massa homogênea estão empenhados em reeleger Bolsonaro, para tudo ficar como está.

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