Folha de S. Paulo
O objetivo é espalhar suspeitas em relação
às eleições democráticas
No domingo 10/4, os mexicanos foram
chamados a
opinar se queriam que o presidente Andrés Manuel López Obrador
continuasse a governá-los até a próxima eleição, em 2024. Conhecida como
referendo revogatório, a Consulta de Revogação do Mandato foi convocada pelo
próprio mandatário, responsável também, em 2019, pela reforma que incluiu a
democracia direta na Constituição.
Analistas acreditam que tudo não passou de
manobra de AMLO, como é conhecido pelos concidadãos, a fim de se mostrar
detentor do apoio da rua para promover mudanças constitucionais que lhe
permitam mais facilmente submeter as instituições democráticas à sua vontade
—abrindo caminho, entre outras coisas, à sua reeleição.
Nem 2 em cada 10 mexicanos
participaram da encenação do mandatário, esvaziando a manobra. Mas a
ocasião serviu para acentuar a campanha de descrédito do INE (Instituto
Nacional Eleitoral), incumbido de organizar a consulta e garantir sua lisura.
Assim, conhecidos os resultados, AMLO atribuiu o fracasso de sua jogada à suposta incompetência e má-fé do organismo e prometeu uma reforma eleitoral que, entre outras coisas, viria alterar a composição do instituto.
No México, a criação, em 1987, de uma
autoridade eleitoral independente, o IFE (Instituto Federal Eleitoral), para
supervisionar as votações nacionais, foi decisiva para a democratização do
sistema político dominado desde os anos 1930 por um partido hegemônico —o PRI
(Partido Revolucionário Institucional), que não perdia eleições e controlava a
máquina estatal corrompida e submissa. O nome já diz tudo. O "dedazo"
—a indicação, pela oligarquia do PRI, do candidato presidencial, fadado à
vitória— era a instituição mais saliente desse simulacro de democracia.
A experiência bem-sucedida do IFE fez com
que o âmbito de sua jurisdição fosse ampliado para incluir a supervisão de
todos os pleitos realizados no país. Assim nasceu o INE, em 2014. Destruí-lo
parece ser a meta do presidente.
O roteiro seguido
por AMLO
faz parte do que vêm tentando, com menor ou maior êxito, governantes populistas
em todo o mundo. O objetivo é corroer a democracia distorcendo suas regras,
desmantelando os instrumentos de controle sobre os governantes e espalhando
suspeitas em relação ao mecanismo que a torna única: eleições periódicas,
competitivas, livres e justas.
Qualquer semelhança com os ataques
desarrazoados de Bolsonaro à votação eletrônica e o assédio permanente do
Planalto ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não é fortuita. É o modus
operandi populista de disparar contra a democracia.
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