quinta-feira, 14 de abril de 2022

Maria Hermínia Tavares: No México como aqui, o mesmo alvo

Folha de S. Paulo

O objetivo é espalhar suspeitas em relação às eleições democráticas

No domingo 10/4, os mexicanos foram chamados a opinar se queriam que o presidente Andrés Manuel López Obrador continuasse a governá-los até a próxima eleição, em 2024. Conhecida como referendo revogatório, a Consulta de Revogação do Mandato foi convocada pelo próprio mandatário, responsável também, em 2019, pela reforma que incluiu a democracia direta na Constituição.

Analistas acreditam que tudo não passou de manobra de AMLO, como é conhecido pelos concidadãos, a fim de se mostrar detentor do apoio da rua para promover mudanças constitucionais que lhe permitam mais facilmente submeter as instituições democráticas à sua vontade —abrindo caminho, entre outras coisas, à sua reeleição.

Nem 2 em cada 10 mexicanos participaram da encenação do mandatário, esvaziando a manobra. Mas a ocasião serviu para acentuar a campanha de descrédito do INE (Instituto Nacional Eleitoral), incumbido de organizar a consulta e garantir sua lisura.

Assim, conhecidos os resultados, AMLO atribuiu o fracasso de sua jogada à suposta incompetência e má-fé do organismo e prometeu uma reforma eleitoral que, entre outras coisas, viria alterar a composição do instituto.

No México, a criação, em 1987, de uma autoridade eleitoral independente, o IFE (Instituto Federal Eleitoral), para supervisionar as votações nacionais, foi decisiva para a democratização do sistema político dominado desde os anos 1930 por um partido hegemônico —o PRI (Partido Revolucionário Institucional), que não perdia eleições e controlava a máquina estatal corrompida e submissa. O nome já diz tudo. O "dedazo" —a indicação, pela oligarquia do PRI, do candidato presidencial, fadado à vitória— era a instituição mais saliente desse simulacro de democracia.

A experiência bem-sucedida do IFE fez com que o âmbito de sua jurisdição fosse ampliado para incluir a supervisão de todos os pleitos realizados no país. Assim nasceu o INE, em 2014. Destruí-lo parece ser a meta do presidente.

O roteiro seguido por AMLO faz parte do que vêm tentando, com menor ou maior êxito, governantes populistas em todo o mundo. O objetivo é corroer a democracia distorcendo suas regras, desmantelando os instrumentos de controle sobre os governantes e espalhando suspeitas em relação ao mecanismo que a torna única: eleições periódicas, competitivas, livres e justas.

Qualquer semelhança com os ataques desarrazoados de Bolsonaro à votação eletrônica e o assédio permanente do Planalto ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não é fortuita. É o modus operandi populista de disparar contra a democracia.

 

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