O Globo
A Petrobras ontem era uma empresa à deriva, como resultado de intervenções do presidente da República e das articulações do centrão para dominar o comando da petrolífera. Depois de duas demissões atabalhoadas, o terceiro presidente indicado desistiu, por conflito de interesses. Tudo o que tem acontecido é um caso claro de abuso do poder do representante do acionista majoritário. Bolsonaro triturou todo o sistema de governança da companhia construído lentamente nos últimos anos. Também deve ir para algum livro de recordes o fato de a empresa ser punida, com as demissões dos gestores, mesmo apresentando lucros. Em três anos foram R$ 153,83 bilhões. Só no ano passado foram R$ 106,6 bilhões.
Os minoritários da Petrobras têm uma
parcela grande da empresa. Mais precisamente 63,25% do capital total e 49,5% do
capital votante. A petrolífera é lucrativa, pagadora de impostos e só no ano
passado mandou para o setor público R$ 230 bilhões em dividendos para a União e
em impostos pagos ao governo federal, aos estados e municípios. Essa é a única
forma pela qual a Petrobras pode fazer política pública, sendo rentável. Assim,
a receita que envia aos governos pode financiar os programas sociais. Deixá-la
ser capturada por lobbies estranhos à boa gestão e às normas de governança e
compliance é a forma de saquear a companhia e contratar o desastre.
No setor de óleo e gás, a indicação de
Adriano Pires foi vista como fruto das articulações entre o presidente da
Câmara, Arthur Lira, e do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira. Durante
a tramitação da MP que permitiu a privatização da Eletrobras, os três — Lira,
Nogueira e Pires — atuaram fortemente em favor da aprovação dos jabutis que
encareceram o projeto. Esses itens totalmente estranhos à proposta de
privatizar a Eletrobras acabaram aprovados. Eles obrigam a contratação de
termelétricas a gás em estados do Norte e Nordeste que estão longe dos centros
de produção e consumo. Por trás da manobra, estão os interesses do empresário
Carlos Suarez, dono de distribuidoras a gás nesses estados que serão
beneficiadas pelo projeto. Suarez é cliente de Adriano Pires na sua consultoria
CBIE.
— A meu ver, Lira e Nogueira viram uma
oportunidade para controlar a Petrobras, diante da insatisfação de Bolsonaro
com Silva e Luna. Mas o lobby ficou tão escancarado que agora eles estão tendo
que recuar — disse uma fonte da indústria.
A informação que circula no setor de óleo e
gás é que seria difícil a Adriano Pires tanto fechar a sua consultoria, que
havia sido assumida pelo filho, quanto fazer a lista dos clientes. Só da Abegas
ele receberia, segundo essas fontes, mais do que o salário de presidente da
Petrobras. A lista dos clientes e os valores mostram um conflito de interesses
tão claro que chegou a surpreender quem acompanha o caso de perto.
Muito pior é o caso do presidente do
Flamengo, Rodolfo Landim, que tem relações de sociedade com o empresário Carlos
Suarez. A Petrobras seria administrada por lobistas e por um sócio de uma
empresa que depende da Petrobras para alavancar seus lucros e com interesses
conflitantes com os da maior estatal do país. Mesmo assim, ontem o presidente
Bolsonaro passou parte do dia aboletado na estatal, tentando reverter a
desistência de Adriano Pires, que acabou formalizada, como antecipou a colunista Malu Gaspar, do GLOBO.
A Petrobras deve se tornar em breve a
quarta ou a quinta maior exportadora de petróleo do mundo. Isso se não for
tragada pelos lobbies ou pela má gestão. O que a gestão deveria estar pensando
agora é como deve fazer sua transição energética. Ela está muito atrasada nesse
ponto, sua produção se concentra em óleo e gás, quando outras petrolíferas já
se transformaram em empresas de energia, exatamente porque a tendência é
caminhar para o crescimento de energia não fóssil.
Em vez de pensar nesse futuro, a Petrobras
viu o presidente Roberto Castello Branco ser fritado, exposto e demitido por
Bolsonaro. E um tempo depois viu o mesmo enredo repetido com o general Joaquim
Silva e Luna. O militar saiu deixando clara a sua insatisfação em entrevistas a
diversos órgãos de imprensa. Como tenho dito aqui, tudo o que aconteceu na
Petrobras no governo Bolsonaro fere a Lei das Estatais, a Lei das S/A, o
estatuto da empresa e todas as normas de governança.
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