Correio Braziliense
A lei estabelece regras de governança
corporativa para impedir as ingerências políticas nas empresas estatais, entre
as quais a indicação e ocupação dos cargos de administração
Uma das características do governo
Bolsonaro é a geração de crises endógenas, ou seja, criadas pelo próprio
presidente da República ou seus auxiliares, sem nenhuma interferência da
oposição. Por capricho ou esperteza do chefe do Executivo, a confusão armada na
troca de comando da Petrobras é mais uma delas. No fundo, ocorre porque
Bolsonaro se considera um presidente que pode tudo no governo, quando não é
assim que funciona o Estado democrático de direito. O presidente da República
tem seu poder limitado pela Constituição e pelas leis.
A gestão da Petrobras foi blindada pela nova legislação das estatais aprovada no governo do presidente Michel Temer. A chamada Lei de Responsabilidade das Estatais (Lei nº 13.303/16) foi uma resposta do Congresso aos escândalos investigados pela Operação Lava-Jato na maior empresa estatal brasileira, para dar uma satisfação à opinião pública. A nova legislação regulamentou o dispositivo da Constituição (art. 171, §1º) que exige um estatuto jurídico próprio para as empresas estatais.
A lei estabelece regras de governança
corporativa para impedir as ingerências políticas nas empresas estatais, entre
as quais a indicação e a ocupação dos cargos de administração (art. 17, §2º)
por políticos ou pessoas sem idoneidade e a necessária qualificação técnica. A
lei tornou obrigatória a existência de um comitê interno cuja função é
verificar se as indicações aos cargos de administradores cumprem as regras de
governança corporativa.
A legislação também deu maior transparência
e eficiência à gestão administrativa das empresas estatais, com a criação de diversos
órgãos de controle (compliance, auditoria interna, comitê estatutário etc.),
além de seguir expressas práticas de governança e de divulgação de informações.
No caso da Petrobras, essas regras são ainda mais relevantes, porque a empresa
é uma sociedade anônima, cujas ações são negociadas no mercado de capitais.
A política de preços da Petrobras não pode
sofrer interferência do governo. Toda vez que existe essa ameaça, a empresa
sofre as consequências no mercado financeiro. Bolsonaro vem tentando interferir
na política de preços da empresa desde o começo de seu governo. A saída de
Roberto Castello Branco do comando da estatal foi consequência dessas
tentativas. Sua substituição pelo general Joaquim Silva e Luna, atual
presidente da Petrobras, tinha por objetivo controlar os preços dos
combustíveis; o militar, porém, seguiu as regras da legislação vigente e a
política de preços estabelecida em razão do mercado de combustíveis, que é
dolarizado.
Deu errado
Diante da necessidade de melhorar seus
índices de aprovação popular, mirando a própria reeleição, Bolsonaro resolveu
trocar o comando da empresa, indicando para presidente do Conselho de
Administração o atual presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, e para a
presidência da diretoria da empresa, Adriano Pires, conhecido consultor da área
de energia. Landim, que já foi funcionário de carreira da empresa, obviamente,
seria um aporte político importante para o governo, principalmente no Rio de
Janeiro. Pires havia encantado o presidente da República com a proposta de
criar um fundo especial para subsidiar o diesel e o gás de cozinha e, com isso,
mitigar a alta dos combustíveis provocada pela guerra da Ucrânia.
Deu errado. Não porque o mercado tenha
reagido negativamente, mas porque os dois nomes não atendiam às exigências de
compliance. Ao se despedir do cargo, no qual permanece apenas para abandonar o
posto em meio à batalha, o general Silva e Luna havia advertido que a direção
da empresa não comporta a presença de aventureiros; sabia bem o que estava
falando. Tanto Landim como Pires desistiram da indicação devido a conflitos de
interesses. Ambos têm negócios com fornecedores e prestadores de serviços da
estatal.
Ontem, Bolsonaro foi ao Rio de Janeiro para
tentar convencer Pires a aceitar o cargo. Como sempre acontece, atribuiu aos
“inimigos internos” as dificuldades enfrentadas pelo executivo, que está há
mais de 20 anos à frente do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE),
consultoria especializada em inteligência, regulação e assuntos estratégicos
para o setor de energia. Não é um neófito, se desistiu do cargo é porque sabe
das dificuldades que enfrentaria.
A demissão de Silva e Luna por si só não
muda a política de preços da estatal, que fez um forte reajuste em março, com
aumento de 25% do diesel, 19% da gasolina e 16% do gás de botijão, a causa de
sua saída. A demissão de Roberto Castello Branco, em fevereiro de 2021, também
ocorreu após um reajuste de combustíveis, da ordem de 14,7% no diesel e 10% na
gasolina pela estatal naquele mês. Esses aumentos decorreram do aumento do
preço do petróleo, induzido pelos principais países produtores — Opep, Rússia e
Venezuela, principalmente —, e da alta do dólar, que agora está caindo.São
variáveis que não podem ser neutralizadas artificialmente.
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