O Estado de S. Paulo
Presidência terá 2023 de extrema dificuldade, com enfraquecida governabilidade e o difícil relacionamento com o Congresso.
No panorama dos gigantescos desafios nacionais, é preciso jogar luz numa questão fundamental para o País: as dificuldades impostas à Nação pelo presidencialismo à brasileira. Não se trata de mera questão de arranjo burocrático entre Poderes, mas de entraves à condução de políticas públicas, o que tem afetado a governabilidade e o uso republicano dos recursos oriundos dos impostos. Aqui também não se está defendendo semipresidencialismo e, muito menos ainda, o disparate de um superpresidencialismo, mas apenas o equilíbrio interinstitucional definido constitucionalmente.
O presidencialismo, que foi abraçado pelos cidadãos em dois plebiscitos, vem se enfraquecendo, tornando o Executivo refém de pressões e engessamentos no rol de funções que lhe são precípuas. A harmonia entre os Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) é o que permite o caminhar equilibrado numa República democrática. Mas o chão da política verde-amarela vem constituindo uma forma de governo presidencial disforme e sujeita às piores práticas, obstaculizando a razão de ser do Estado e da política, que são o bem-estar e a prosperidade de todos.
São vários os marcos do enfraquecimento da
Presidência ao longo dos últimos tempos. Entre outros, temos, ainda na virada
do milênio, os presidencialismos de “coalizão” e de “cooptação” a designar
sucessivos modelos labirínticos e nebulosos de negociação entre Executivo e
Legislativo. O quadro partidário absurdamente fragmentado que emergiu do
processo de democratização é elemento indutor deste cenário infeliz.
Mais recentemente, na discussão e aprovação
do Orçamento federal, introduziram-se as chamadas “emendas obrigatórias” e
“emendas do relator” – estas, à moda do escândalo dos “anões do Orçamento”, de
1993. Parlamentares poderão gastar tais recursos sem ter de conectá-los com uma
agenda nacional. Aos aliados da liderança no Congresso pode-se garantir ainda
mais verba para projetos paroquiais. Ao fim e ao cabo, congressistas têm à
disposição cerca de 75% do gasto com investimentos.
No presidencialismo, como parte do
democrático processo de negociação política, o Parlamento tem poder na
elaboração orçamentária. Mas é preciso atender aos requisitos essenciais de não
comprometer a qualidade do Orçamento, de considerar uma lógica coletiva de
políticas públicas nacionais e de os trâmites serem transparentes, com escrutínio
público. Nenhuma dessas premissas vem sendo contemplada. Assim, entre absurdos
reeditados e recém-saídos da máquina de torrar dinheiro do povo, o Orçamento da
Nação foi capturado por interesses eleitoreiros, constituindo um exemplo
dramático do debilitamento da Presidência no País.
Fernando Henrique Cardoso, em Crise e reinvenção da política no Brasil,
ressalta que o “orçamento público é o principal campo de jogo na disputa
democrática. Verdade e transparência orçamentárias são ingredientes indispensáveis
de uma democracia de qualidade. Melhoram a capacidade de controle da sociedade
sobre os governos e melhoram a qualidade da representação política”.
Como se não bastassem o enfraquecimento de
ferramentas de governabilidade, como na questão orçamentária, e o complexo e
instável relacionamento interinstitucional com um Congresso formado por dezenas
e dezenas de siglas partidárias, o Executivo nacional terá pela frente um 2023
de extrema dificuldade.
Aos desafios da recuperação do pós-pandemia
se impõem questões de geopolítica, que vão desde os necessários passos rumo a
uma civilização descarbonizada até o enfrentamento das nefastas consequências
do desastre humanitário produzido pela Rússia com sua insana guerra na Ucrânia.
O Executivo ainda terá de lidar com um
roteiro de causas fundamentais para o País. Este, que tenho chamado de “novo
início” para a Nação, é a base de um projeto fundado na superação das
desigualdades socioeconômicas e ancorado nas potencialidades da digitalidade,
das demandas por infraestrutura, do imperativo da economia verde e da ampliação
das interfaces econômicas do Brasil com o mundo. Para darmos início a esta era
de desenvolvimento sustentável e inclusivo, é imprescindível efetivar reformas
estruturantes (como tributária e administrativa) e garantir investimentos
prioritários em educação, saúde e segurança.
Velhas e fracassadas receitas, voluntarismo
e outras manias aventureiras de nossa história não cabem no exercício de uma
Presidência (2023-2026) crucial para o nosso futuro. Além de o próximo
mandatário ter de pôr um fim à prática insana de a própria Presidência atentar
contra si, será preciso ter capacidade de liderança e arrojo estratégico para
lidar com desafiantes contingências nacionais e internacionais.
É impositivo que, com a conquista de
respaldo sociopolítico nos mais diversos âmbitos da sociedade e no estrito
limite dos ditames constitucionais, o próximo presidente atue para reequilibrar
a relação com o Congresso Nacional, consagrando decisivos protocolos de
governabilidade. Não é tarefa simples, mas plenamente possível, se guiada por
propósitos de grandeza política.
*Economista, Presidente-Executivo da IBÁ,
membro do Conselho do Todos Pela Educação, foi governador do Estado do Espírito
Santo (2003-2010/2015-2018)
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