Correio Braziliense
Quando a história da democracia brasileira
for escrita, o primeiro de abril será a data de suas duas mortes. Em 1964, com
o golpe militar; e em 2022, com o encerramento da janela para mudança
partidária aos que desejam ser candidatos em outubro. A primeira morte
suspendeu o funcionamento democrático por 21 anos, um quarto de nossa história
republicana; a segunda matou os partidos como instrumento de condução das
causas públicas do país.
Até pouco tempo atrás, os presidentes de
partido portavam bandeiras com utopias e reformas, agora escolhem entre
carregar o cofre com dinheiro do fundo eleitoral, ou o caixão para enterrar sua
sigla. Não se tem notícias de candidato mudando de partido em busca de
bandeiras mais sintonizadas com seus princípios, nem de presidente atraindo
filiados com oferta de melhores ideias e propostas para o futuro do Brasil, ou
barrando imigrantes partidários por serem indesejáveis moral ou
ideologicamente. As trocas de partidos foram causadas pela busca de mais
recursos para financiar campanhas políticas.
Em nome de promover a democracia, o fundo eleitoral corrompeu a democracia. Desde seu início, foi uma proposta corruptora ao ludibriar a opinião pública, dizendo que bilhões de reais são necessários para fazer a democracia funcionar: corrupção nas prioridades, ao tirar dinheiro de gastos essenciais e usá-los para financiar propaganda e mesmo compra de votos.
Que democracia é esta que requer desviar
tantos recursos para financiar campanhas eleitorais e pedir votos para
eleitores sem comida, sem segurança, sem emprego, sem escola? Esse montante
exorbitante só se explica pelo alto custo de enganar eleitores que precisam
acreditar em ilusões para justificar seus votos em uma democracia que não
respeita suas necessidades.
Corrupção também no comportamento dos
candidatos que mudam de partido em troca de formidáveis quantias, sem
preocupação com as bandeiras e reformas que deveriam carregar. No lugar de
atração pelo brilho das propostas "se orientam pelo brilho do ouro",
nas palavras do Carlos Lupi.
Corrupção mental dos filiados, ao tornar
obsoleto o sentimento de que militância política deve ter o propósito de usar
bem o dinheiro público, para realizar prioridades que atendam às necessidades
sociais e às estratégias para o pleno desenvolvimento do Brasil.
Corrupção dos dirigentes que se veem
obrigados a optar entre comprar novos filiados com dinheiro do fundo ou ver sua
sigla definhar e morrer, ao não romper a cláusula de barreira com um número
mínimo de deputados federais.
Que democracia é esta que promove alguns
partidos, ao oferecer dinheiro público aos que tiveram capacidade de eleger
mais deputados na eleição anterior, criando o círculo vicioso dos grandes de
hoje crescerem mais no futuro pela simples razão de serem maiores?
Em sua forma atual, a democracia brasileira
morre por causa de um círculo vicioso e perverso: dinheiro público retirado de
prioridades sociais imediatas e de estratégias para o futuro, usado para
financiar partidos e candidatos sem bandeiras para o país.
Que democracia é esta, com eleições
financiadas para que perdurem partidos e políticos pescados com a isca do
dinheiro público, que poderia ter servido para enfrentar os problemas
nacionais?
Grave é que essas constatações provocam
propostas de combater sua corrupção, matando a democracia. Devido ao absurdo
desse círculo vicioso corrupto criado na democracia, cresce a proposta de
matá-la para matar sua corrupção. Essa solução seria ainda pior, porque a
corrupção não poderia ser criticada nem denunciada.
Por isso, para muitos, criticar o fundo
eleitoral e a janela partidária, criticar erros da democracia seria como
criticar a própria democracia, incentivar discursos autoritários. Mas que
democracia seria esta em que suas falhas não devem ser denunciadas por medo de
ameaçá-la?
A omissão não é a forma correta de combater
os defeitos da democracia atual. Para tentar construir uma democracia lícita e
lúcida, é preciso denunciar a democracia corrompida, buscando superar seus
erros e estruturar uma democracia decente, com partidos de bandeiras, não de
cofre.
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