quinta-feira, 7 de abril de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Licença para mentir

O Globo

A REJEIÇÃO na Câmara do regime de urgência para a tramitação do PL das Fake News, que criminaliza a desinformação nas redes sociais e estabelece regras de transparência e responsabilidade no meio digital, terá efeito desastroso na campanha eleitoral deste ano.

A URGÊNCIA permitiria que o texto fosse votado em plenário sem passar pelas comissões temáticas e daria esperança de que as novas normas entrassem em vigor antes do pleito. Mas nem a imunidade conferida aos parlamentares — uma das falhas do projeto — os incentivou a acelerar a tramitação.

PRENUNCIA-SE AGORA uma repetição da avalanche de desinformação e mentiras a serviço das mais variadas candidaturas. Para não falar no passe livre concedido à campanha do presidente Jair Bolsonaro e de seus seguidores contra as urnas eletrônicas, com o objetivo de tumultuar o país em caso de derrota. A displicência do Legislativo empurra ao Judiciário a responsabilidade (e o ônus) de zelar pela tranquilidade do pleito. Retardar a votação equivale a dar uma licença para mentir.

É urgente investigar as atrocidades na guerra da Ucrânia

O Globo

A guerra é quase tão antiga quanto o ser humano. É também ancestral o esforço para restringir conflitos armados mediante leis que definam quando a guerra é admissível (jus ad bellum) e o que nela é admissível (jus in bello). Esse debate ganhou um novo capítulo a partir da invasão da Ucrânia por tropas russas em fevereiro e, mais recentemente, com os indícios de que soldados de Vladimir Putin torturaram e executaram civis a sangue frio em áreas próximas à capital, Kiev.

Na cidade de Bucha, após a saída dos russos, forças ucranianas encontraram corpos de civis espalhados pelas ruas, além de uma vala comum. O presidente americano, Joe Biden, que já havia descrito Putin como criminoso de guerra, clamou por um julgamento. Tudo leva a crer que não será tão simples.

O Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda, já deu início a uma investigação, mas há um empecilho. Rússia, Ucrânia e Estados Unidos não integram a instituição, que começou a funcionar apenas em 2002. Embora seja possível acusar indivíduos no TPI, a legitimidade das sentenças sairia prejudicada sem reconhecimento das partes. Uma saída seria criar um tribunal especial, como nos casos de Ruanda e da antiga Iugoslávia. Para que a iniciativa tenha sucesso, no entanto, seria preciso obter uma vasta quantidade de evidências de que tenha havido intenção de cometer os crimes. Para chegar a Putin e seus generais, seria necessário mostrar como as ordens passaram pela cadeia de comando.

A concepção moderna de leis sobre guerra foi criada com o Julgamento de Nuremberg. Tratados internacionais, como a Convenção de Genebra de 1949 e o Estatuto de Roma de 1998, décadas mais tarde, deram o formato às leis hoje aceitas por todo o mundo civilizado. Elas estabelecem quatro tipos de crime: de agressão (ou contra a paz), de guerra, contra a humanidade e genocídio. Não há dúvida de que Putin e seus acólitos teriam altíssima chance de ser condenados num tribunal por agressão. A invasão à Ucrânia, um país soberano, aconteceu sem nenhuma provocação.

Mas e os demais crimes? As evidências preliminares colhidas em Bucha sugerem que militares russos poderiam ser acusados de crimes de guerra. Pela definição, eles incluem o uso de civis como alvos deliberados. Se provado que o ato era uma estratégia consistente da Rússia, a acusação poderia incluir até crimes contra a humanidade.

Embora o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, insista em acusar as forças russas de genocídio, como declarou ao Conselho de Segurança das Nações Unidas na terça-feira, até o momento não há prova de nada que satisfaça à definição jurídica formal do crime: matar, causar ferimento sério físico ou abalo mental, impedir nascimentos, transferir crianças “com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.

As acusações são graves, e as imagens chocantes. Em meio à disputa de narrativas e à guerra de propaganda, é fundamental que as instituições internacionais investiguem cada uma com cautela e rigor. Armazenar as provas será crucial para identificar e punir os culpados, caso um dia seja criado um tribunal para julgar as atrocidades que estamos todos vendo.

Congresso deveria derrubar veto de Bolsonaro à Lei Paulo Gustavo

O Globo

Era previsível que uma atividade que depende da presença do público em cinemas, teatros e casas de espetáculo fosse afetada de forma brutal pelas medidas de prevenção contra a Covid-19. Por isso mesmo, é lamentável o veto do presidente Jair Bolsonaro à Lei Paulo Gustavo — batizada em homenagem ao ator morto por complicações da doença no ano passado —, que prevê o repasse de R$ 3,86 bilhões a estados e municípios para incentivar o setor em recuperação da hecatombe.

O projeto de lei, de autoria do senador Paulo Rocha (PT-PA) com apoio de outros parlamentares, prevê que, dos R$ 3,86 bilhões, R$ 2,79 bilhões iriam para o setor audiovisual e R$ 1,06 bilhão para outras atividades. De acordo com a proposta, os recursos sairiam do Fundo Nacional de Cultura (FNC).

O presidente justificou o veto por “contrariedade ao interesse público”, como se investir em cultura não fosse de interesse público. Argumentou que a concessão do benefício “incorreria em compressão das despesas discricionárias que se encontram em níveis criticamente baixos” e que recursos do Orçamento seriam destinados sem apresentar formas de compensar a despesa. O governo alegou ainda que o repasse de verbas provenientes de fundos “enfraqueceria as regras de controle, eficiência, gestão e transparência elaboradas para auditar os recursos federais e sua execução”.

É louvável a preocupação com o controle de gastos. Ela é imperiosa neste ou em qualquer outro governo, ainda mais neste momento de crise fiscal aguda. Mas a proposta do Congresso apontava a fonte das receitas: o Fundo Nacional de Cultura. Além disso, a preocupação de Bolsonaro com o teto de gastos parece ser seletiva. Não vale para os aumentos salariais às categorias amigas, benefícios a caminhoneiros ou programas sociais eleitoreiros.

O cancelamento da cultura no governo Bolsonaro nada tem a ver com gastos, mas com ideologia. O setor sempre foi visto pelos bolsonaristas como um reduto da esquerda que precisa ser combatido. Não é por outra razão que tem sido sistematicamente asfixiado. Não apenas com corte de recursos, mas também pelas sucessivas tentativas de cercear a liberdade de expressão. Ao longo de três anos e três meses, a Secretaria Especial da Cultura promoveu mais vetos e censuras sem cabimento a projetos culturais que iniciativas de incentivo ao setor. O último exemplo foi a censura ridícula e inaceitável ao filme “Como se tornar o pior aluno da escola”, sob o pretexto de que incentivava a pedofilia. Felizmente, o veto foi derrubado na Justiça Federal.

Bolsonaro deveria deixar de lado a má vontade com um setor que emprega 1,9 milhão de brasileiros em 325 mil empresas ou organizações. Devolver a atividade cultural ao nível pré-pandemia deveria ser interesse de todos, não só por levar cultura aos cidadãos, mas também por movimentar a economia, gerar emprego e renda. Os parlamentares têm obrigação de derrubar o veto de Bolsonaro ao projeto. Dona Hermínia, a intempestiva personagem eternizada por Paulo Gustavo, não perdoaria tamanho descaso com a cultura.

Centrão fortalecido

Folha de S. Paulo

Janela resulta em expansão de siglas governistas e dificuldades para a esquerda

Três legendas fisiológicas, do centro à direita do espectro ideológico e de estreitas relações com o presidente Jair Bolsonaro (PL) respondem pelo resultado mais expressivo da rodada de negócios e filiações permitida pela chamada janela partidária deste ano eleitoral.

Juntos, Partido Liberal, Progressistas e Republicanos, nomes que dizem muito pouco sobre o conteúdo programático das agremiações, contam agora com 172 deputados, de acordo com o site da Câmara nesta quarta (6) —os números ainda estão sendo totalizados.

Trata-se do equivalente a cerca de um terço da Casa (33,5%) e alta de 48,3% sobre os 116 parlamentares que o trio somava antes. Depois da fragmentação recorde de 2018, o bloco reformulado de partidos governistas assume um peso maior no Legislativo.

O PL, ora com 78 cadeiras, foi o partido que mais cresceu no troca-troca. Trata-se de um agrupamento fisiológico ao qual se juntaram bolsonaristas do extinto PSL.

O Progressistas (PP), com 52, é outra sigla tradicional da fisiologia do centrão, com cargos importantes no governo, como o comando da Casa Civil, além do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL). Já o Republicanos é conhecido pela associação com a bancada evangélica.

Com a movimentação no governismo, restou esvaziada a União Brasil, com 46 deputados, agora composta do restante do decadente DEM (ex-PFL) com bolsonaristas arrependidos do PSL.

Além do adesismo e de conveniências locais, a procura de fundos partidários, de benesses de emendas e a pressão da cláusula de barreira motivaram migrações.

Os partidos nanicos perderam deputados; aqueles incluídos no bloco de esquerda também, casos de PSB, PDT, PSOL e PC do B.

O MDB e o PSDB continuam no grupo das legendas entre medianas e pouco significativas em tamanho. O PT teve modesto crescimento, de 53 para 56 deputados.

Além de contarem com bancadas e fundos eleitorais maiores, os partidos da centro-direita e da direita foram aqueles que tiveram melhor resultado na eleição municipal de 2020. Ou seja, em termos de bases políticas e de finanças, teriam condições de manter a força atual no Parlamento.

Alianças regionais, relações com os candidatos nos estados e o desenrolar da eleição presidencial podem mudar tal quadro e a inclinação até mesmo dos ora bolsonaristas. De menos incerto, pode-se dizer que o centro tradicional e a esquerda terão dificuldades de se reerguer nesse Congresso marcado pelo colapso político de 2018.

Manhã e tarde na escola

Folha de S. Paulo

SP acerta ao ampliar ensino em período integral, mas uso do tempo causa dúvidas

Uma rara boa notícia no campo da educação, uma das áreas que mais sofreu com a pandemia, é que o ensino em tempo integral está avançando. No estado de São Paulo havia, em 2019, 364 instituições funcionando sob esse modelo. Hoje, são 2.050, cobrindo 24% dos alunos.

Às vésperas de deixar o cargo de governador, João Doria (PSDB) prometia levar o horário estendido a mais 950 escolas até 2023, o que corresponderia a uma cobertura de 40% dos estudantes.

Outras unidades federativas também estão ampliando rapidamente o número de escolas que funcionam em tempo integral, especialmente no ensino médio, em consonância com a lei de 2017 que reformou essa etapa do aprendizado.

O paradigma aqui é Pernambuco, que, em 2004, lançou um projeto-piloto para melhorar a qualidade da educação e diminuir a evasão, que incluía o aumento da jornada escolar. Os resultados foram tão vistosos que, quatro anos depois, o ensino integral já era política do estado, onde, hoje, 75% dos estudantes do ensino médio frequentam escolas com jornada ampliada.

Em 2007, Pernambuco ocupava o 21º lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do ciclo médio. Em 2015, atingiu o 1º lugar e, desde então, tem-se mantido entre as primeiras posições. Os índices de abandono e de desigualdade de aprendizagem também caíram.

Verificou-se, ainda, que melhorou o desempenho dos alunos que passaram para o ensino superior.

Praticamente todos os países que vão bem nas avaliações globais têm jornada de pelo menos sete horas —enquanto, no modelo tradicional brasileiro, são em média cinco.

Há motivos para inquietações específicas. Uma das razões para o modelo pernambucano ter funcionado é que houve uma expansão acentuada da carga horária das disciplinas de português e, principalmente, matemática, que foram de 20% e 50% respectivamente.

Já o modelo paulista não repete essa fórmula de sucesso. Alunos até poderão dedicar mais tempo a essas matérias, mas no âmbito de seu atendimento individualizado, não como política das escolas.

Nesse programa, o tempo extra será dedicado a matérias eletivas e sessões de orientação. A carga horária básica de português e matemática é a mesma nas escolas integrais e nas regulares.

É verdade que isso está de acordo com o espírito da reforma de 2017, que chegou até mesmo a limitar a um máximo de 1.800 horas anuais o período destinado às matérias básicas. O tempo dirá se essa foi uma boa escolha.

Medo da luz do dia

O Estado de S. Paulo

Numa democracia, os cidadãos têm direito à informação. Não cabe ao Palácio do Planalto negar acesso às informações sobre as visitas de Valdemar Costa Neto a Jair Bolsonaro

O governo de Jair Bolsonaro não quer que o público saiba quando e quantas vezes Valdemar Costa Neto, presidente do PL, foi ao Palácio do Planalto. O Estadão solicitou os registros das visitas, mas o pedido foi negado pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) sob a justificativa de risco à segurança do presidente da República. A alegação da burocracia bolsonarista é estapafúrdia. A informação sobre as idas de Valdemar Costa Neto ao Palácio do Planalto afeta outras coisas, algumas decerto inconfessáveis, mas não a segurança de Jair Bolsonaro.

Não é incomum que governos queiram ocultar informações que, sendo relevantes para a sociedade, podem prejudicar sua imagem, ao revelar, por exemplo, a existência de uma grande distância entre o discurso oficial e o que ocorre na prática. Para essas situações, os países democráticos adotam uma estratégia já bastante consolidada: privilegiam o acesso da população a tais informações, em detrimento de eventual interesse do governo em sentido contrário. Ou seja, em regimes democráticos, não cabe ao poder público definir arbitrariamente o que mostrar e o que esconder. O cidadão tem direito às informações de interesse público.

Ao restaurar a democracia no País, a Constituição de 1988 definiu que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações (...) de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (art. 5.º, XXXIII). Em 2011, o Congresso Nacional regulamentou esse direito fundamental por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI, Lei 12.527/11), à qual estão subordinados, entre outros, todos “os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público” (art. 1.º, § único, I).

A regra é a transparência, mas há exceções, como a própria Constituição admite. Para evitar que governos façam um uso abusivo das situações excepcionais, a partir de interpretações peculiares sobre o que seria sigilo “imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”, a LAI definiu em seu art. 23, de forma expressa, as hipóteses em que é possível restringir o acesso à informação.

As informações solicitadas sobre as visitas de Valdemar Costa Neto ao Palácio do Planalto não se enquadram em nenhuma das hipóteses do art. 23 da LAI. Não põem em risco a defesa e a soberania nacionais. Não prejudicam as relações do Brasil com outros países. Não comprometem as atividades de inteligência. Não causam risco a projetos de pesquisa. As informações apenas poderiam oferecer algumas pistas sobre como é o relacionamento do presidente Jair Bolsonaro com o líder do Centrão: se é habitual ou esporádico e se Bolsonaro conta frequentemente com o conselho do presidente do PL ou apenas em situações especiais.

As informações solicitadas são tão singelas – ninguém pediu ao GSI a gravação das conversas do presidente Bolsonaro com Valdemar Costa Neto, por exemplo – que a resistência do Palácio do Planalto em dar-lhes transparência é, por si só, bastante reveladora. O governo Bolsonaro prefere descumprir a Constituição e a LAI a mostrar ao público quantas vezes o presidente do PL foi ao Palácio do Planalto. Por que tanto receio? Essas informações são assim tão prejudiciais à imagem de Jair Bolsonaro em ano eleitoral?

A resistência à transparência por parte do governo federal não é de agora. Contrariando as promessas de 2018 – de que seria um governo limpo, sem escândalos de corrupção e sem negociações com o Centrão –, Jair Bolsonaro tem realizado uma das administrações mais opacas da história recente do País. São vários os exemplos: campanhas de desinformação, negativas abusivas a solicitações por meio da LAI, funcionamento de estruturas paralelas dentro dos Ministérios e até orçamento secreto. De fato, o governo não quer que a população veja o que ocorre dentro de suas repartições. Boa coisa não deve ser.

Uma cadeira radioativa

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro e Lula coincidem na ambição de submeter a Petrobras a seus projetos pessoais de poder, ante a saúde da empresa – e isso torna especialmente desafiador presidi-la

A presidência da Petrobras certamente é uma posição desejada por executivos de todo o País. Uma das maiores produtoras mundiais de petróleo e gás, a empresa registrou lucro líquido de R$ 106,6 bilhões em 2021 e distribuiu R$ 72,2 bilhões em dividendos, dos quais R$ 37,3 bilhões à União. No ano passado, a contribuição da companhia na arrecadação de tributos federais chegou a R$ 53,8 bilhões e para Estados e municípios, quase R$ 95 bilhões, fora os royalties e as participações especiais. Com mais de 40 mil funcionários, sem contar os empregos gerados na cadeia de fornecedores, os números não deixam dúvidas: é uma das organizações que mais contribuem com o País. Ainda assim, a rotatividade da presidência é reveladora das dificuldades do cargo. Como mostrou o Estadão, a permanência média não chega a dois anos.

O presidente mais longevo na história da Petrobras foi José Sergio Gabrielli, entre 2005 e 2012. Sua gestão foi marcada por uma política definida pelo ministro da Fazenda Guido Mantega, cuja prioridade, longe de ser a gestão da companhia, era segurar a inflação por meio do controle artificial de preços administrados. Entre 2008 e 2018, a empresa acumulou prejuízos de R$ 180 bilhões ao não repassar integralmente a variação das cotações internacionais do petróleo ao mercado interno, bem mais que as perdas de R$ 6,2 bilhões reconhecidas em balanço em decorrência das investigações da Operação Lava Jato. 

Os dados expõem um misto de oportunismo, cegueira e memória curta que vigora no País a respeito da Petrobras. O presidente Jair Bolsonaro chegou ao cúmulo de criticar o desempenho excepcional da estatal. Paradoxalmente, o erro do ainda presidente da estatal Joaquim Silva e Luna foi ter feito seu trabalho bem demais. Seu antecessor, Roberto Castello Branco, em plena pandemia de covid-19, cometeu a ousadia de usar máscara em reunião no Palácio do Planalto. Perdeu o cargo dias depois, ao dizer o óbvio: que as ameaças de greve de caminhoneiros em razão do aumento dos preços de combustíveis não eram um problema da companhia.

Se o governo quisesse realmente ajudar os caminhoneiros autônomos, poderia elaborar uma política pública e criar um subsídio para a categoria com o dinheiro dos impostos e dividendos pagos pela Petrobras. Seria uma solução mais simples, barata e efetiva que a criação de fundos de estabilização de preços que fracassaram no mundo todo. Mas isso seria exigir algo impossível de Bolsonaro: que governe. A preocupação do presidente não é resolver problemas, mas encontrar culpados para se livrar de questões que possam custar sua reeleição. Nessa saga, ele não hesita em submeter seus assessores à humilhação pública, algo que deveria servir de alerta para os interessados em presidir a Petrobras.

Lula, por sua vez, promete dobrar a aposta no equívoco que foi a política da Petrobras ao longo de seus mandatos. Ao falar em “abrasileirar” o preço dos combustíveis, prova que o PT não aprendeu nada com o passado. No Legislativo, o debate é ainda mais raso. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sugeriu revisar a Lei das Estatais, que deu fim ao loteamento político de cargos de direção nas empresas públicas, e ainda teve o desplante de dizer que a Petrobras não traz “nenhum benefício para o Estado nem para o povo brasileiro”, embora a empresa, no ano passado, tenha engordado o caixa da União, dos Estados e dos municípios com R$ 230 bilhões, referentes a dividendos, impostos e participações. 

Assumir a presidência da Petrobras é algo desafiador em governos populistas. Nessas situações, a cadeira fica radioativa. A opção é fazer uma administração correta e assumir o preço político da competência ou arruinar a empresa e a biografia em nome dos interesses eleitorais do mandatário de plantão. Ao fim e ao cabo, Bolsonaro e Lula, que se apresentam como opostos no espectro político, defendem precisamente a mesma solução para a Petrobras: prejudicar a companhia e, por consequência, a sociedade, em nome de seus projetos pessoais de poder.

A pandemia de inflação

O Estado de S. Paulo

Expectativa de juros mais altos aumenta insegurança, e alta de preços inferniza a vida de consumidores e empresários

Uma nova pandemia, com preços em disparada e mais desarranjos nos mercados, assola o mundo capitalista e espalha o temor de entraves maiores ao consumo, à produção e ao emprego. A expectativa de um rápido aumento de juros nos Estados Unidos assusta os investidores e afeta os negócios em bolsas. A inflação pode ser uma doença devastadora, mas o remédio mais comum, o aperto monetário, também amedronta e pode doer muito. O Brasil, um dos países mais afetados pelo desajuste dos preços, já enfrenta o desconforto de uma terapia severa, mas sem perspectiva, por enquanto, de uma firme recuperação.

A inflação anual chegou a 7,7% em fevereiro, no conjunto de 39 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Foi a taxa mais alta desde dezembro de 1990. Essa taxa foi em grande parte puxada pela alta de preços na Turquia, de 54,4%. Mas o conjunto tem sido afetado também pela inflação nos Estados Unidos, onde a alta anual dos preços ao consumidor bateu em 7,9%, a maior variação desde janeiro de 1982. Alimentos e energia são os itens mais vistosos no painel inflacionário, mas, descontados esses componentes, as taxas de inflação continuam elevadas: 6,4% nos Estados Unidos, 4,6% no Reino Unido, 4,4% nos sete maiores países capitalistas e 5,5% na OCDE.

Não há mistério nesses números. A onda inflacionária decorre, em grande parte, de dois desastres. O primeiro, a pandemia de covid-19, prejudicou a oferta de matérias-primas e de insumos de origem industrial, como os semicondutores, e desarranjou os transportes. O segundo, a invasão da Ucrânia, afetou os mercados de petróleo, gás, fertilizantes e de trigo e milho. Além disso, o mundo sofre os efeitos de uma enorme expansão monetária no mundo rico, especialmente nos Estados Unidos. Essa inundação de dinheiro, com forte efeito inflacionário, começou como reação à crise financeira de 2008 e cresceu a partir da retração econômica deflagrada pela pandemia de covid-19.

O Brasil enfrenta os efeitos de todos esses fatores, além das consequências dos problemas climáticos internos e, em qualquer circunstância, da insegurança econômica e da instabilidade cambial causadas pelos arroubos e arranjos do presidente Jair Bolsonaro. Ativos baratos para os estrangeiros e juros muito altos têm atraído dinheiro de fora. Por isso o dólar se depreciou em relação ao real nos últimos meses, mas o câmbio continuará sujeito, nos próximos tempos, ao comportamento do presidente Bolsonaro, empenhado na busca da reeleição e vulnerável aos interesses do Centrão.

Os juros básicos devem subir de 11,75% para 12,75% na reunião de maio do Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central, e deverão continuar muito altos por longo tempo. Se os juros nos Estados Unidos subirem mais velozmente, como têm sinalizado autoridades monetárias americanas, as possibilidades de afrouxamento no Brasil ficarão mais limitadas. O País continuará afetado, por um bom período, tanto pela pandemia da inflação quanto pela terapia desconfortável.

Federal Reserve buscará aperto maior e mais rápido

Valor Econômico

Os efeitos de uma política monetária mais apertada serão tão menos perturbadores quanto mais se conhecerem os objetivos e os próximos passos do banco

Com inflação de 7,9% em doze meses, e com viés de alta, o Federal Reserve Bank americano indicou, na ata de sua reunião de meados de março, que vai intensificar o ritmo de aumento de juros. Ele deverá passar de 0,25 ponto percentual para 0,5 ponto em várias das seis reuniões subsequentes no ano, até chegar perto da taxa neutra de juros, estimada em 2,25% a 2,5% no ano. O ânimo dos investidores, após a ata, variou de um razoável pessimismo, com quedas nas bolsas, a uma atitude mais realista, de que os juros não irão para o terreno contracionista tão logo.

O roteiro da ação do Fed, porém, não se restringirá à elevação dos fed funds, reconhecido pela direção do banco como principal instrumento de atuação. Como ação coadjuvante, será iniciada logo na próxima reunião, se as condições o permitirem, uma redução rápida do balanço da instituição, hoje próximo da astronômica quantia de US$ 9 trilhões - antes da crise de 2008, ele era de US$ 850 bilhões. Conforme assinalado na ata, os membros do comitê de política do mercado aberto estimaram que o ritmo adequado de diminuição das reservas nos próximos três meses, e sujeito a reavaliação posterior, seria de US$ 95 bilhões mensais. Se essa cadência for mantida ao longo do ano, haverá um corte de liquidez no ano de US$ 570 bilhões.

Há muitas dúvidas sobre os efeitos desse “aperto quantitativo”, que se segue ao “afrouxamento quantitativo” que, com intervalos, perdurou por quase uma década e meia. O próprio Fed considera as consequências desse aperto bem mais incertas em relação aos já conhecidos e testados aumentos dos juros. O presidente do Fed, Jerome Powell, e algumas consultorias, como a Oxford Economics, avaliam que o resultado da redução do balanço na proporção indicada corresponderia a um aumento adicional de 0,25 ponto percentual na taxa dos fed funds.

A ata do Fed revela com mais clareza sua urgência em modificar o passo do aperto monetário, que não estava tão explícito. Muitos participantes da reunião apontaram que, com a inflação bem acima do objetivo (a meta é 2%), e com riscos de alta, prefeririam um aumento de 0,5 ponto percentual já na reunião passada. Mais que isso, consideraram que um ou vários aumentos de 0,5 ponto seria a decisão adequada a ser tomada nos próximos encontros.

Qual seria o ponto de chegada imediato desta instância de política monetária? Foi indicado que seria necessário chegar rapidamente ao juro neutro, isto é, algo entre 2,25% e 2,5%. Em que tempo? Lael Brainard, indicada para vice-presidência do Fed, em palestra anteontem, disse que seria importante chegar a essa taxa até o fim do ano.

Os efeitos de uma política monetária mais apertada serão tão menos perturbadores quanto mais se conhecerem os objetivos e os próximos passos do banco. Diante de uma inflação não vista desde a década de 70, buscar juros neutros pode não significar que o BC americano pretende um esfriamento radical da economia americana, ou seja, uma recessão, como teme parte dos investidores.

No entanto, as incertezas são enormes e atuam sobre níveis inflacionários muito elevados para as economias avançadas, como a dos EUA. Segundo o BIS, 60% delas tem hoje inflação ao consumidor de 5% ou mais, enquanto que em pelo menos metade dos países emergentes ela se iguala ou ultrapassa 7% (Valor, 5/4). A invasão da Ucrânia pela Rússia piorou uma situação que já não era confortável, aumentando preços de várias matérias primas essenciais e prolongando a perturbação da oferta em cadeias de produção que não se normalizaram desde o início da pandemia, em 2020.

A elevação dos juros pode parecer rápida demais, mas ela vem após o maior e mais longo período de estímulos monetários da história do capitalismo. As consequências de desarmar estes estímulos leva o Fed para território desconhecido. A volta triunfal da geopolítica como fator essencial de decisões econômicas, após a invasão da Ucrânia, adiciona um elemento de enorme instabilidade global com o qual os BCs não estão acostumados a lidar.

Por outro lado, a previsibilidade e a ampla liquidez remanescente podem permitir uma transição menos turbulenta do que se prevê. Por muito menos, o taper tantrum de 2013 fez estragos fortes e variados nos emergentes. Um país vulnerável como o Brasil, por exemplo, viu até agora um afluxo significativo de capital externo, quase o contrário do que se previa. Não parece o prenúncio de uma tempestade que, no entanto, pode estar prestes a vir.

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