quinta-feira, 7 de abril de 2022

Mauricio Stycer*: É preciso subir o volume

Folha de S. Paulo

Bolsonaro ameaça a democracia, e a TV não está sabendo mostrar isso

Como reagir quando o presidente da República exalta a ditadura ou seu filho faz chacota com a tortura sofrida por uma jornalista? A reposta não é simples, mas é preciso ter em mente que tempos extraordinários exigem um telejornalismo extraordinário.

Muita gente argumenta que reproduzir as bravatas de Bolsonaro na televisão apenas alimenta a difusão do seu discurso. Seria melhor, segundo esse raciocínio, não mostrar o presidente falando e apenas resumir, mediado pelo texto jornalístico, o que ele quis dizer.

Já acreditei nisso, mas hoje tenho dúvidas sobre a eficácia desta estratégia. Talvez sirva para figuras que dependem basicamente da promoção pessoal, como o deputado que passou uma noite no Congresso para não colocar a tornozeleira eletrônica. Não é o caso do presidente. Esconder os absurdos que profere parece apenas birra. Com as fontes de informação hoje tão difusas, o que ele fala, infelizmente, chega de qualquer maneira ao ouvido de quem deseja ouvi-lo.

Em momentos como o do 31 de março, quando Bolsonaro diz que sem o governo militar "seríamos uma republiqueta", não basta fazer um contraponto, lembrando que houve perseguição, tortura e assassinatos de opositores do regime. Isso é o mínimo.

É preciso, creio, subir o volume. Desenhar da forma mais didática possível por que este discurso é ofensivo. Explicar o que está por trás desta insistência em louvar tempos sombrios. Parar de apenas criticar o discurso de raiz autoritária e mostrar as consequências possíveis de um ataque à democracia.
No caso do deboche de Eduardo Bolsonaro à tortura sofrida por Miriam Leitão, a ironia é que o ataque confirma justamente o que a jornalista escreveu. O deputado reagiu em resposta a um artigo no qual ela afirmava que Jair Bolsonaro "é um perigo para a democracia".

Miriam fez algo que nenhum telejornal na TV aberta fez até agora: criticou o discurso da chamada terceira via, que aposta na confusão da falsa equivalência e coloca o atual presidente e o ex-presidente Lula num mesmo saco. "Não há dois extremistas na disputa, mas apenas um, Jair Bolsonaro. Semana passada, novamente, Bolsonaro provou que ele é um perigo para a democracia", escreveu.

A repercussão da ofensa do deputado à jornalista foi muito mais centrada na repugnância da mensagem dele do que na força da mensagem dela. Acho que um caminho necessário, neste momento, entre outros, é explicar melhor qual é este perigo para a democracia. Da forma mais simples e elementar possível.

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"Julia", no HBO Max, conta a história de uma das pioneiras na arte de cozinhar na televisão. Julia Child, vivida por Sarah Lancashire, já era coautora de um livro sobre culinária francesa quando sugeriu a um canal público, em Massachusetts, em 1962, a criação de um programa no qual ensinaria como fazer um coq au vin ou um boeuf bourguignon.

Um dos interesses dos primeiros episódios da minissérie é o embate de Julia com um dos diretores do canal, que considera a proposta do programa "frívola" para uma TV de cunho educativo. "Posso estar na indústria da televisão, mas TV pública não é televisão. Não é entretenimento." Ele está defendendo um ponto de vista elitista, muito comum na época, e ainda não enxerga que é possível combinar informação de qualidade com diversão.

Esse debate faz pensar no que virou a TV Brasil, o canal público que Bolsonaro prometeu extinguir ou privatizar, mas que foi transformado numa ferramenta de promoção do governo. Como o comício disfarçado de culto que o canal transmitiu ao vivo nesta semana, numa inauguração com a presença do presidente. Nem informação nem diversão. Só propaganda.

*Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP

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