quinta-feira, 7 de abril de 2022

Luiz Roberto Nascimento Silva*: Um filtro para as fake news

O Globo

As fake news não podem se beneficiar do imenso manto protetor da liberdade de expressão que caracteriza as democracias ocidentais. Claro que, em condições normais, não se deve intervir na liberdade de todo indivíduo de exercer e externar sua opinião ou crítica, não deve haver filtros ou peneiras no livre fluxo do pensamento.

E por que em campanhas políticas a intervenção se justifica? Porque existem provas concretas de uso de fake news alterando a escolha do eleitor, como no Brexit, que resultou na saída do Reino Unido da União Europeia — decisão que até hoje os ingleses lamentam e de que se arrependem.

O impulsionamento de mensagens falsas pelo WhatsApp em campanha eleitoral é crime porque, para confeccionar e enviar milhares dessas mensagens, é necessário muito dinheiro, o que configura abuso de poder econômico. Fazendas de celulares disparam mensagens para números telefônicos escolhidos. Essas mensagens divulgam “notícias” simétricas às que foram disparadas por outros aplicativos, fazendo que o usuário se convença da veracidade do conteúdo, que, vindo de fontes distintas, parece real.

A internet começou como um meio de comunicação entre cientistas e se transformou num enorme ambiente global. Passou depois a um espaço de negócios e, agora, a campo de batalha política. Acredito que, na fase inicial, não fosse esse o objetivo das plataformas, que desejavam aumentar seus seguidores e, assim, conseguir mais publicidade. O que as movia era ampliar a base de clientes. Depois, a própria política virou um negócio, e o político de expressão um grande cliente, uma grande conta, para usar uma expressão publicitária.

A questão ficou mais grave quando os algoritmos, e não mais os humanos, começaram a comandar a operação. Eles apreendem o comportamento humano, as características de cada seguidor, e lutam para que ele fique o maior número de horas preso à rede e à plataforma. É a economia da atenção. Perceberam que a indignação e a revolta são o combustível perfeito para incendiar corações e mentes numa disputa eleitoral.

O Projeto de Lei 2.630/2020, aprovado no Senado, foi alterado pelo relator na Câmara, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Duas mudanças indesejáveis: uma relativa aos serviços de mensageria prestados, entre outros, por WhatsApp e Telegram, que deixariam de ter a obrigação de rastrear mensagens virais; e uma extensão da imunidade que blindaria os parlamentares à moderação das redes. Nem isso foi suficiente para que aprovassem a tramitação com urgência.

Em entrevista ao GLOBO, o relator esclareceu que a blindagem não era seu objetivo ao estender a imunidade parlamentar às plataformas digitais e que procuraria uma melhor redação para o dispositivo. Denunciou também a forte pressão delas para não remunerar os órgãos de imprensa pelo conteúdo que usam sem nenhum pagamento. A mudança é assim mesmo. Na Europa, ocorreu a mesma coisa, mas a legislação foi aprovada.

*Advogado, foi ministro da Cultura

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