O Globo
As fake news não podem se beneficiar do
imenso manto protetor da liberdade de expressão que caracteriza as democracias
ocidentais. Claro que, em condições normais, não se deve intervir na liberdade
de todo indivíduo de exercer e externar sua opinião ou crítica, não deve haver
filtros ou peneiras no livre fluxo do pensamento.
E por que em campanhas políticas a
intervenção se justifica? Porque existem provas concretas de uso de fake news
alterando a escolha do eleitor, como no Brexit, que resultou na saída do Reino
Unido da União Europeia — decisão que até hoje os ingleses lamentam e de que se
arrependem.
O impulsionamento de mensagens falsas pelo WhatsApp em campanha eleitoral é crime porque, para confeccionar e enviar milhares dessas mensagens, é necessário muito dinheiro, o que configura abuso de poder econômico. Fazendas de celulares disparam mensagens para números telefônicos escolhidos. Essas mensagens divulgam “notícias” simétricas às que foram disparadas por outros aplicativos, fazendo que o usuário se convença da veracidade do conteúdo, que, vindo de fontes distintas, parece real.
A internet começou como um meio de
comunicação entre cientistas e se transformou num enorme ambiente global.
Passou depois a um espaço de negócios e, agora, a campo de batalha política.
Acredito que, na fase inicial, não fosse esse o objetivo das plataformas, que
desejavam aumentar seus seguidores e, assim, conseguir mais publicidade. O que
as movia era ampliar a base de clientes. Depois, a própria política virou um
negócio, e o político de expressão um grande cliente, uma grande conta, para
usar uma expressão publicitária.
A questão ficou mais grave quando os
algoritmos, e não mais os humanos, começaram a comandar a operação. Eles
apreendem o comportamento humano, as características de cada seguidor, e lutam
para que ele fique o maior número de horas preso à rede e à plataforma. É a
economia da atenção. Perceberam que a indignação e a revolta são o combustível
perfeito para incendiar corações e mentes numa disputa eleitoral.
O Projeto de Lei 2.630/2020, aprovado no
Senado, foi alterado pelo relator na Câmara, deputado Orlando Silva
(PCdoB-SP). Duas mudanças indesejáveis: uma
relativa aos serviços de mensageria prestados, entre outros, por WhatsApp
e Telegram, que deixariam de ter a obrigação de rastrear mensagens virais; e
uma extensão da imunidade que blindaria os parlamentares à moderação das redes.
Nem isso foi suficiente para que aprovassem a tramitação com urgência.
Em entrevista ao GLOBO, o relator
esclareceu que a blindagem não era seu objetivo ao estender a imunidade
parlamentar às plataformas digitais e que procuraria uma melhor redação para o
dispositivo. Denunciou também a forte pressão delas para não remunerar os
órgãos de imprensa pelo conteúdo que usam sem nenhum pagamento. A mudança é
assim mesmo. Na Europa, ocorreu a mesma coisa, mas a legislação foi aprovada.
*Advogado, foi ministro da Cultura
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