O Globo
Lula e Bolsonaro, no afã de manter a
polarização da campanha presidencial, jogam cada qual para seu núcleo radical
de eleitores, abrindo mão, neste momento, de tentar ampliar o alcance de suas
candidaturas. Lula entra em conflito com a classe média, retomando a tese da
filósofa petista Marilena Chaui, que berrava: “Eu odeio a classe média”.
Bolsonaro também assusta a classe média, que votou nele em peso em 2018, ao
insistir na possibilidade de intervenção militar. Vamos por partes.
Lula se excedeu em sincericídios nos últimos dias, a começar pela exortação a
seu pessoal da CUT para que tire “a tranquilidade de políticos”, cercando-os e
às famílias em suas residências. Em resposta, vários parlamentares
bolsonaristas mostraram suas armas, avisando que os petistas seriam recebidos à
bala se tentassem essa intimidação. Quer melhor polarização do que essa? Com
quem você fica: com aquele que se defende armado, seguindo a orientação de
Bolsonaro, ou com os que, incentivados por Lula, cercarão a casa dos outros?
Não há opção boa. Sem contar a bobagem desmoralizante de resolver a guerra da
Ucrânia na mesa de um bar.
O ex-presidente também voltou a um tema delicado, que sempre atrapalhou os
petistas. Segundo afirmou em evento da Fundação Perseu Abramo, a elite
brasileira é “escravista”, e a classe média “ostenta um padrão de vida
desnecessário”. Isso depois de ter jantado com representantes da elite do
Judiciário que pagaram R$ 500 por pessoa e de ter tido um encontro reservado
com o banqueiro André Esteves.
O relógio Piaget, com que foi fotografado recentemente, que Lula diz ter sido
um presente que ganhou quando presidente, certamente é uma “ostentação”. Vale
cerca de R$ 80 mil. Um presente desse valor não poderia ter sido aceito,
segundo as normas do Código de Ética da Presidência da República.
Sobre a classe média, Lula esqueceu que foi graças a seu apoio que ganhou a
Presidência em 2002, quando criou o personagem “Lulinha, Paz e Amor”, deixando
de lado a radicalização do PT que assustara o mesmo eleitorado em 1989. Quando
a filósofa Marilena Chaui fez sua crítica agressiva à classe média, Lula estava
presente e riu muito das diatribes proferidas por ela. Aliás, Lula comemorou o
último debate naquele ano, que já indicava sua vitória próxima, bebendo um
vinho Romanée-Conti, ostentação de seu marqueteiro Duda Mendonça, num
restaurante em Ipanema.
Outro sincericídio foi a defesa do direito ao aborto que “toda mulher deveria
ter”. Há quem concorde, inclusive eu, mas com ressalvas que ele deveria ter
colocado. Por exemplo ao aborto até seis meses de gestação, aprovado
recentemente na Colômbia, inaceitável nos termos propostos. O feto já pode
sobreviver fora do corpo da mãe àquela altura da gestação.
O presidente Bolsonaro, por sua vez, abusou de nossa paciência nos últimos
dias, voltando a defender em público a intervenção militar. Mais uma vez,
diante de oficiais-generais, atribuiu “às tropas” uma importância que elas não
podem ter: “O mais importante ministério é o da Defesa, porque controla as
tropas”. E qual a importância disso? “As tropas poderão fazer o país rumar à
normalidade.” Dá bem a dimensão de um governo inoperante nas áreas cruciais de
um país: educação, saúde, cultura.
Como não é a primeira vez que diz isso, e retomou o hábito de comemorar o dia
31 de março, classificando o golpe militar como salvador do país, que seria
“uma republiqueta” sem ele, trata-se de uma obsessão perigosa para a
democracia. Além de defender o golpe militar, Bolsonaro e família defendem também
a tortura. O filho Zero Três, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, que no
início do governo dissera que bastava “um cabo e um soldado” para fechar o
Supremo Tribunal Federal, debochou sadicamente da jornalista Míriam Leitão,
torturada durante o regime militar.
Desde que saudou o torturador coronel Brilhante Ustra no microfone da Câmara, e
não sofreu nenhuma sanção, Bolsonaro vem tentando criar um ambiente que
favoreça um golpe militar. Volta a insistir, preparando o clima para a
tentativa de impugnação de uma vitória de Lula na eleição presidencial.
Colocando como vice seu mais recente ministro da Defesa, o general Braga Netto,
Bolsonaro quer ter o controle das tropas. Usa os militares para fins políticos
pessoais.
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