O Globo
A julgar pelo que se tem visto, lido e
ouvido até agora, o maior cabo eleitoral de Bolsonaro é Lula — e vice-versa.
Cada vez que um deles abre a boca, o outro ganha alguns milhares de votos.
A única hipótese plausível para tanto tiro
no pé é que ambos estejam pleiteando o cargo de perdedor injustiçado e líder da
oposição pelos próximos quatro anos, não o de presidente da República.
Não deixaria de ser uma escolha sensata: quem ganhar em outubro terá de se haver com inflação e desemprego em alta, bombas fiscais, desaceleração da economia, educação de volta ao nível de duas décadas atrás e uma oposição feroz. O perdedor estará na confortabilíssima posição de... oposição feroz.
Talvez por isso, tanto Lula quanto
Bolsonaro venham fazendo questão de pregar apenas para os já convertidos às
respectivas seitas. Para aqueles que naturalizam automaticamente os absurdos
que seus líderes produzem cada vez que se manifestam sobre qualquer tema. Para
os que perderam o senso crítico e a vontade de encontrá-lo.
Só isso explica certos sincericídios. Como
Bolsonaro admitir, num misto de ignorância e ato falho, que “temos um chefe do
Executivo que mente”. Não há como discordar. Ou Lula escancarar, mais uma vez,
de que lado está na peleja polícia x ladrão — e dizer que o atual presidente
“não gosta de gente; gosta é de policial”. Lula se retratou — à sua moda,
aproveitando para se vitimizar e atacar a imprensa. Bolsonaro, nem isso — ainda
bem: a emenda ficaria pior que o soneto.
Bolsonaro vetou as leis Paulo Gustavo e
Aldir Blanc, de incentivo à cultura — reforçando a ideia de que, quando ouve
falar no assunto, se segura para não sacar o revólver. Não ganhou nenhum voto
além dos que já tinha. Lula, por seu turno, avisou que pretende fechar todos os
clubes de tiro criados nos últimos anos — desperdiçando munição com algo que
também não lhe renderá qualquer voto adicional.
As infames declarações de Lula sobre a
invasão da Ucrânia (“Esse cara [Zelensky] é tão responsável quanto o Putin”,
“Ele quis a guerra”, “As pessoas estão estimulando o ódio contra o Putin”)
poderiam perfeitamente ter sido feitas por Bolsonaro. A falta de empatia deste
para com as vítimas da pandemia finalmente encontrou concorrente à altura (ou
no mesmo nível de baixeza), com a indiferença daquele em relação às atrocidades
cometidas contra o povo ucraniano.
Pode ser que, num segundo momento, os
marqueteiros de um e outro lado entrem em ação e convençam os candidatos a
tentar conquistar eleitores, em vez de afastá-los. Até lá, teremos a chance de
vê-los sem filtro, mostrando o que realmente são e se esforçando para entregar
o país ao rival.
Quanto aos demais concorrentes, o quadro é
desolador. João Doria e Simone Tebet têm contra si os próprios partidos. E Ciro
Gomes não precisa de adversários — ele mesmo se encarrega disso.
Como previu uma vidente (ou será
“videnta”?), nesta eleição: “Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem
ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder”.
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