Folha de S. Paulo
Militares não têm de dar pitaco em assunto
que não lhes diz respeito
O governo Bolsonaro emprega em relação às
eleições a mesma estratégia que usou desde o começo da pandemia. O negacionismo
científico assume agora sua versão de negacionismo eleitoral. A cloroquina da
campanha é o ataque incessante à urna eletrônica.
No auge da pandemia, Bolsonaro teve no general Eduardo Pazuello o executor do trabalho sujo que aumentou exponencialmente a mortandade dos brasileiros. Na fase atual da desconstrução nacional, o posto de capataz do assalto à democracia foi ocupado com desembaraço pelo ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
Quase um ano atrás, Pazuello, ainda general
da ativa, transgrediu regulamentos militares ao participar de ato político de
apoio a Bolsonaro, no Rio de Janeiro, dias depois de ter prestado depoimento à
CPI da Covid, no Senado. Na época, Oliveira era comandante do Exército, livrou
a cara de Pazuello e ainda aplicou sigilo
de cem anos ao processo disciplinar.
Com que moral Oliveira cobra, agora,
transparência do TSE sobre os questionamentos feitos pelas Forças Armadas à
votação eletrônica? No intuito de perturbar o processo eleitoral, Oliveira
exibe perfil ousado e provocador. Fustiga o poder civil enquanto tabela com
Bolsonaro, que anuncia auditoria privada das urnas.
É ação de sabotagem escancarada, e
facilitada por obra e graça do próprio TSE, que caiu numa armadilha criada por
ele mesmo ao convidar militares para a Comissão de Transparência das Eleições.
Foi um erro grave, que deu margem a este cenário anômalo e ameaçador.
Militares não são tutores nem moderadores
do poder civil para serem chamados a dar pitaco em assunto que não lhes diz
respeito. Ao contrário, eles têm uma dívida com o país, com a democracia e com
os direitos humanos pelos 21 anos de ditadura. O TSE precisa exercer seu papel
com altivez e coragem, bem como as demais instituições do poder civil. Tibieza
e covardia servirão apenas para pavimentar o caminho dos carrascos da
democracia.
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