sábado, 7 de maio de 2022

Pablo Ortellado: Bolsonaro tenta fazer agenda social virar trunfo

O Globo

Os números dos diferentes institutos variam um pouco, mas, nas pesquisas mais recentes de intenção de voto para presidente, a distância entre Lula e Bolsonaro vem caindo para algo como 10 pontos percentuais. Quando olhamos para a demografia, o que sustenta a superioridade do ex-presidente é o voto do Nordeste e dos mais pobres. Fora desses dois grupos, eles empatam.

Os números e as pesquisas qualitativas sugerem que é a lembrança da prosperidade e dos programas sociais dos dois governos Lula que sustenta a vantagem atual. Não é por acaso que, se observarmos as estratégias de comunicação dos dois principais candidatos, veremos que Bolsonaro está enfatizando os temas das guerras culturais (família, armamentos e combate à corrupção), e Lula a economia. Mas o que acontecerá se Bolsonaro consolidar um legado social próprio?

Se o presidente quiser avançar na seara de Lula, sua principal porta de entrada deve ser o Auxílio Brasil, que criou para substituir o Bolsa Família. Enquanto o antigo programa pagava em média R$ 192, o novo paga R$ 403; enquanto o Bolsa Família beneficiava 14 milhões de famílias, o Auxílio Brasil atende 18 milhões, cerca de um quarto das famílias brasileiras.

O melhor valor já pago pelo Bolsa Família em toda a sua história foi R$ 150, em janeiro de 2014, no primeiro governo Dilma. Isso, corrigido pela inflação (IPCA), dá R$ 329 hoje. O auxílio de Bolsonaro não apenas atende mais pessoas, como seu valor é cerca de 25% superior ao melhor mês do Bolsa Família sob a administração do PT.

O programa atual é confuso e mal desenhado. Foi criticado pelos especialistas por seus benefícios múltiplos, sobrepostos e esdrúxulos, como Auxílio Esporte Escolar e Bolsa de Iniciação Científica Júnior. Mas o prêmio principal mais alto é uma melhoria significativa em relação ao Bolsa Família.

Quando foi criado, o Auxílio Brasil também foi criticado por não ter uma institucionalidade sólida que garantisse seu caráter duradouro — na versão original, ele expirava no final de 2022, logo depois das eleições. Isso foi recentemente corrigido pelo Congresso, que garantiu o benefício de R$ 400 e tornou o programa permanente.

O programa social improvisado, porém efetivo, de Jair Bolsonaro não é seu único trunfo na área econômica. O emprego tem mostrado índices relativamente bons. O desemprego, segundo o IBGE, está em 11%, melhor marca desde 2015. O saldo acumulado da criação de empregos formais em 2021 é de 2,7 milhões de vagas. O número não é comparável aos anos anteriores porque a metodologia do Ministério do Trabalho mudou, mas os especialistas concordam que o saldo é muito bom.

O legado social de Bolsonaro, porém, é ambivalente. Seu lado negativo pode ser explorado pela oposição. Embora o mercado de trabalho formal tenha crescido de maneira significativa, o rendimento do trabalhador caiu. A renda média do trabalho hoje ainda está abaixo do nível pré-pandemia. Em resumo, há um pouco mais de emprego, mas os salários são menores.

Quanto ao Auxílio Brasil, embora o total de famílias atendidas seja grande, há um número expressivo na fila de espera: 1 milhão, segundo estimativa da Confederação Nacional de Municípios. Há ainda a pobreza oculta das famílias que não foram cadastradas, por isso ainda não reivindicam o benefício.

Até o valor mais alto pode ser motivo de disputa. Embora o valor hoje seja maior em relação ao Bolsa Família, é apenas dois terços do Auxílio Emergencial, de memória recente. O mesmo valor pode ser lido como ampliação significativa e apresentado como redução significativa.

Essa ambivalência talvez explique por que, segundo pesquisa Datafolha de março, a intenção de voto em Bolsonaro não é maior entre quem recebe o Auxílio Brasil (é até um pouco menor). Pode ser, porém, que isso mude com o tempo, à medida que o programa se consolide, e o governo consiga emplacar nele sua marca.

Também pode ajudar Bolsonaro o fato de Lula chamar a atenção para os problemas econômicos, mas não apontar soluções. Na entrevista para a revista Time desta semana, o ex-presidente disse que só definirá a política econômica depois das eleições. Será que é sensato Lula contar apenas com a memória do eleitor da prosperidade de dez ou 15 anos atrás?

 

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