Da Ucrânia e de toda a parte sopram ventos que espalham a insânia como um novo tipo de peste, o carro de Jagrená, na metáfora de Antony Giddens, descendo a ladeira descontrolado ameaçando levar tudo de roldão. Aqui, em nossos tristes trópicos, ainda se brinca o carnaval como se não houvesse o amanhã, enquanto que nas fornalhas do diabo trama-se sem parar para que essa festa acabe varrendo os sonhos e nos deixando vazios diante de um capitalismo sem freios inimigo da vida. Se há uma bela e vicejante floresta ela deve ser removida para o pasto do gado, para exploração dos madeireiros e da mineração, se há uma formosa praia num recanto aprazível, ali um lugar para um hotel de luxo, talvez um cassino, aliás uma ideia a ser melhor aproveitada com a indústria do jogo a ser patrocinada por esses falsos cultores da Bíblia, réprobos das lições do Evangelho, santos de pau oco que ganham a vida com a miséria dos pobres e desvalidos.
Conspira-se para erradicar tudo que faz o
Brasil Brasil, numa limpeza frenética do terreno dos sedimentos acumulados em
nossa história de valores, de lutas libertárias e dos ideais constitucionais de
uma sociedade solidária para que se ponha em seu lugar o mundo dos faria limers,
viciado no consumo conspícuo e na paixão pelo lucro a qualquer preço, sem os
limites de um direito público e das instituições que o garantem, reino de um
privatismo garantido por um Estado prisioneiro da coalizão dos interesses
dominantes das finanças ao agronegócio e de todos que se cevam com essa disposição
de poder.
Para enfrentar essa potente ameaça à sua
identidade, a sociedade conta com sua herança institucional e sua reserva de
valores morais ainda invulneráveis às investidas das ações corruptoras da
coalizão no poder, as políticas, caso da cooptação do Centrão a seus fins de
dominação a partir da abertura de recursos públicos aos partidos que o compõem,
às religiosas, como comprovadamente ocorreu no âmbito da administração do
Ministério da Educação, pela ação de partidos políticos e personalidades
democráticos. A rigor, a pedra no meio do caminho que interdita os planos de
poder absoluto que movem os estrategistas do governo Bolsonaro é a Carta de 88
com as instituições que ela consagrou, sobretudo as que dizem respeito à
soberania popular e às limitações ao poder político discricionário.
Na remoção desse obstáculo todas as forças
disponíveis ao bolsonarismo são mobilizadas, inclusive as militares, que
avaliam o cenário eleitoral como desfavoráveis à sua reprodução. Não por acaso
o cavalo de batalha do regime se apresenta na tentativa de levantar suspeição
sobre o voto eletrônico, garantia de lisura na apuração das eleições realizadas
sob a jurisdição da justiça eleitoral. Na impossibilidade fática dessa manobra
de desespero, trama-se já abertamente por um golpe, faltando ainda definir a
oportunidade para seu desenlace, se antes ou no final do processo eleitoral,
estratégia de alto risco pelas óbvias repercussões que essa sinistra iniciativa
encontraria na disposição de forças internacionais, afetando interesses
políticos da potência dominante no contexto do nosso continente, grave
circunstância aparentemente ignorada pelos que cogitam enveredar por esse
caminho.
Por onde se sonde as linhas do horizonte
não se tem pela frente um céu de brigadeiro. A tormenta que se aproxima, caso se
tome precauções contra seus efeitos, pode ser minorada, reduzindo seus estragos
a um mínimo suportável, como se defendem dos tornados as populações vítimas
desse fenômeno. Contamos nessa direção com importantes recursos, o primeiro
deles no calendário que marca a data da disputa eleitoral, a existência de
instituições confiáveis e treinadas nas competições regime do voto, além de
candidaturas originárias do campo democrático, como na chapa Lula- Alkmin,
capaz de atrair os votos necessários à vitória eleitoral e arregimentar no
curso da campanha maciço apoio popular, ganhando as ruas em manifestações
multidinárias.
Lula na cabeça da chapa não é o candidato
dos sonhos de setores da oposição democrática, certamente minoritários. Contudo
sua folha de serviços às questões sociais e sua firme disposição, quando
governou por dois mandatos o país, de agir no sentido de promover políticas de
promoção social sempre reverente aos procedimentos democráticos, são
credenciais que o habilitam à postulação presidencial, dessa vez na boa
companhia de Alkmin, de comprovada experiência na gestão dos negócios
públicos. Ademais, os dois são bons de
urna, e como dizia um antigo dirigente chinês um gato é bom quando caça ratos, no
caso os votos de que precisamos para sair desse pesadelo que atormenta o país.
*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio
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