O Estado de S. Paulo
Buscar apoios de ocasião por pragmatismo político pode não ser uma boa decisão
“Navegar é preciso, viver não é preciso.” A
frase do italiano Francesco Petrarca, adotada como lema de vida por outro
poeta, o português Fernando Pessoa, marcou um discurso histórico de Ulysses
Guimarães em 1973. Na ocasião, o deputado se lançou “anticandidato” à
Presidência da República em protesto contra o jogo de cartas marcadas da
ditadura militar. Surgia o mito fundador do MDB, partido forjado na oposição ao
autoritarismo.
Vinte anos mais tarde, os brasileiros já
haviam conquistado, com muita luta, a democracia, mas sofriam com outro
flagelo: a inflação. Foi quando o presidente Itamar Franco chamou Fernando
Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda. Comandando um time de
economistas brilhantes, Fernando Henrique colocou em marcha o Plano Real e
criou o que se tornaria a marca do PSDB: congregar acadêmicos de alto nível
para resolver problemas complicados do País.
São talvez os momentos mais altos das
trajetórias de MDB e PSDB, siglas que tiveram também vários pontos baixos,
incluindo o envolvimento em escândalos de corrupção. São, no entanto, partidos
com tradição e legado. Não são siglas oportunistas criadas para apoiar governos
em troca de benesses de ocasião.
Faz sentido que deputados de tais partidos abram mão de criar uma alternativa eleitoral para apoiar Jair Bolsonaro?
O Estadão lançou este questionamento num editorial publicado nesta semana, “Vendilhões da democracia”. De acordo com o texto, a proximidade com um “presidente da República que afronta as instituições, põe em dúvida o processo eleitoral e tenta envolver as Forças Armadas em devaneios golpistas” não combina com a luta do MDB contra a ditadura.
Da mesma maneira, nada mais oposto ao
espírito tucano que a atitude negacionista de Bolsonaro na pandemia. Políticos
do PSDB de São Paulo passaram os últimos meses enxovalhando o presidente,
enquanto o governo paulista comprava vacinas e contrariava, ponto por ponto, a
cartilha do governo federal.
Buscar apoios de ocasião por pragmatismo
político pode não ser uma boa decisão. “Derrotas em eleições são do jogo. O
pior é a derrota política, quando um partido perde seu legado e não deixa nada
para a eleição seguinte”, diz o cientista político George Avelino, da Fundação
Getulio Vargas, em entrevista ao minipodcast da semana.
Os brasileiros são criticados por votar em
pessoas e não em partidos, o que abre caminho para aventuras populistas. A
crítica é pertinente. Para conquistar o respeito dos cidadãos, no entanto, os
partidos precisam, primeiro, respeitar a si próprios. Ao rasgar o passado,
arriscamse a jogar o futuro no lixo. •
*Escritor, professor da Faap e doutorando
em Ciência Política na Universidade de Lisboa
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