O Globo / Folha de S. Paulo
Morreu na madrugada desta terça-feira o
advogado Humberto Barreto. Tinha 90 anos e, pelo seu temperamento, afora os
amigos e parentes, poucos lembram que ele foi um dos homens mais influentes da
República ao tempo da ditadura. Formalmente, foi o secretário de Imprensa do
presidente Ernesto Geisel de 1974 a 1977, quando assumiu a presidência da Caixa
Econômica. Na vida real, era uma das pessoas mais próximas de um presidente
reservado. Conheciam-se desde os anos 1940. Com sua mulher, Lilian, era eterno
parceiro de biriba do casal Geisel e seu vizinho lindeiro em Teresópolis.
Em 1973, quando o amigo foi escolhido para
a Presidência da República, estava escalado para a chefia do Gabinete Civil.
Mexidas burocráticas fizeram com que acabasse na Assessoria de Imprensa.
Ninguém sabia quem ele era, nem ele conhecia jornalistas. Tornou-se não só um
assessor poderoso, como um batalhador pelo fim da censura. Entregava ao
presidente textos vetados para mostrar os absurdos que a tesoura praticava, e
as portas de sua sala ficavam abertas para os repórteres. Como Geisel evitava jornalistas,
ele avisou, logo nos primeiros meses de governo: “Se eles têm lepra, sou o
diretor do leprosário”.
Eram tempos difíceis, e Humberto Barreto navegou-os com calma sertaneja. Em outubro de 1975, quando o jornalista Vladimir Herzog foi assassinado no DOI de São Paulo, reservadamente, ele contestava a versão oficial do suicídio: “O presidente nem precisava falar para mim que não acreditava na versão do suicídio. Bastava ver as fotos”.
Meses depois, quando foi assassinado no
mesmo DOI o operário Manuel Fiel Filho, Geisel demitiu o general que comandava
a guarnição de São Paulo. A “tigrada” tentou circular a versão de que uma coisa
nada tinha a ver com a outra. Humberto Barreto dizia o contrário. Seu telefone
estava grampeado, e tentou-se criar um caso. Não adiantou. Como escreveu à
época o jornalista Carlos Castelo Branco: “O Sr. Humberto Barreto tem sido
informante correto, idôneo, atuante e de acesso fácil, segundo os jornalistas
que fazem a cobertura do Palácio do Planalto. Isso não é fácil de acontecer,
sobretudo quando se vive sob regime de exceção e de força”.
Nenhum assessor de imprensa teve a
intimidade que Humberto Barreto tinha com Geisel, e a amizade dos dois seguiu
pela vida afora. Era uma relação quase paternal. Humberto havia sido amigo de Orlando,
o filho de Geisel que morreu em 1957, colhido por um trem. Tinha 16 anos e
preparava-se para o vestibular do Instituto Tecnológico da Aeronáutica.
Em 1977, quando o ministro do Exército,
general Sylvio Frota, era frequentado por vivandeiras que desejavam vê-lo na
Presidência, Humberto Barreto deu uma entrevista defendendo a indicação do
general João Baptista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Informações. Não
havia combinado com Geisel, mas ninguém acreditava nisso. Era verdade.
Cearense de raiz, Humberto passou pelo poder, foi presidente da Caixa Econômica e da empresa aérea Transbrasil. Entrou no palácio com a imprensa censurada e saiu dele com a censura acabada. Morreu com menos do que tinha ao entrar para o governo. Restavam-lhe a família, uma aposentadoria e um apartamento em Ipanema, que sua mulher trouxera de dote quando se casaram. Nos últimos anos, presenteava os amigos com peças de sua casa.
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