quarta-feira, 4 de maio de 2022

Fernando Exman: O chuchu do PSB é servido com tempero

Valor Econômico

Alckmin defende campanha com foco em economia e saúde

Geraldo Alckmin se prepara para iniciar a terceira fase de um plano que, na visão de quem acompanha de perto seus movimentos recentes, foi meticulosamente preparado.

Nesta etapa preliminar da campanha, primeiro o ex-governador de São Paulo olhou para dentro do seu novo grupo político. Egresso do PSDB, dedicou-se a romper resistências no PT. E a fortalecer vínculos com o PSB, sigla que o acolheu para ser candidato a vice do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Agora, começará a falar para fora. A expectativa é que amplie o diálogo com segmentos que ainda resistem a uma chapa de centro-esquerda, como o eleitorado cristão, o agronegócio, o empresariado e o mercado financeiro. O interior de São Paulo é outra preocupação.

Alckmin deve participar de eventos ao lado de Lula e ter uma agenda própria. Acredita-se que quem está no poder e disputa a reeleição sempre sai na frente. Portanto, é preciso logo transformar a campanha num plebiscito sobre o governo Jair Bolsonaro (PL).

Para integrantes do PSB, Alckmin saiu do PSDB num movimento que simboliza a maturidade política necessária para vencer Bolsonaro e restabelecer a normalidade institucional do país. Algo que ainda é incompreendido por muitos, mas fundamental diante do fato de que a estratégia da extrema direita para ganhar eleições em outros lugares do mundo foi eliminar quem ocupava o centro do tabuleiro.

Um momento importante deste ressurgimento foi quando, ao filiar-se ao PSB, Alckmin citou Mario Covas para mostrar sua visão de como devem ser as relações políticas. “Apoiar não significa deixar de emitir discordância. Igualmente, é preciso não confundir discordância com ultimato nem lealdade com subserviência. Lealdade é o valor praticado entre companheiros. Mas, há uma forma de lealdade que se sobrepõe a todas, a lealdade aos destinos do país”, discursou na ocasião. Palavras que podem ter sido importantes para quem está traumatizado com um processo de impeachment.

Mais recentemente, buscou fazer uma imersão no PSB. Foi este o seu principal objetivo na semana passada, quando não arredou o pé do congresso realizado pela sigla na capital federal.

Na quinta-feira, antes de passarem a palavra para Lula, deram-lhe o microfone. De cara, lembrou que a história do PSB somava quase 80 anos e, ainda assim, o partido estava determinado a promover uma autorreforma. “Precisamos ser reformistas permanentemente”, afirmou, em um trecho do discurso que muito bem poderia ser visto como um antídoto às críticas de que a chapa, caso vença as eleições, tentará alterar reformas estruturais realizadas recentemente.

Certo de que a defesa do meio ambiente será um tema relevante na campanha, aproveitou para mostrar que fizera o dever de casa: lembrou que Gilberto Freyre foi filiado ao PSB e, em seu livro “Nordeste”, já fazia em 1937 a conexão entre ecologia, sociedade e economia.

Homenageou ícones do partido que morreram, como Eduardo Campos e Miguel Arraes - “Há homens que a gente não enterra, a gente semeia. Semeia suas ideias”, disse a respeito de Campos, cujo grupo político mantém bastante influência na sigla. E fez acenos a atuais lideranças do PSB, citando exemplos bem-sucedidos na área da educação das administrações de Maranhão, Pernambuco, Espírito Santo, Paraíba e Recife.

No dia seguinte, uma série de encontros o aguardavam. Ele participou de reuniões em que ouvia representantes dos mais diversos segmentos do partido e tomava notas. Muitas notas. A atenção dedicada a conhecer preocupações e bandeiras de cada um impressionava os novos correligionários.

Em um outro discurso, ofereceu-se para fazer um estudo para mostrar como caiu a qualidade de vida do brasileiro nos últimos anos. “Um comparativo Lula-Bozo”, pontuou. A reação da plateia foi imediata. Saiu do recinto aplaudido, e logo foi cercado por militantes do PSB.

Uns queriam um retrato para recordação. Outros tantos queriam que o ex-governador de São Paulo os ajudasse pedindo votos, pois também disputarão as eleições de outubro. Mas todos estavam surpresos com o desempenho daquele que, por muito tempo, haviam menosprezado. Ou até hostilizado, chamando-no pelo apelido “picolé de chuchu”.

Mas agora, pré-candidato a vice, Alckmin quer jogar.

Para ele, campanha é oferecer esperança à sociedade. E isso depende de um esforço de convencimento focado em virar votos. Cabe aos políticos oferecer as informações necessárias para o eleitor tomar uma decisão, assim como assegurar que as “fake news” tenham vida curta nas redes sociais.

Quando tem tempo para explicar, Alckmin elabora. Esse diálogo deve ser lastreado em dois “preditores”: economia e saúde. E quanto à expressão “preditor”, faz-se necessário traduzir. É um jargão utilizado por especialistas em pesquisas de opinião quando se fala no fator determinante a influenciar o eleitor na hora do voto.

Em relação à economia, a meta é mostrar como pioraram o emprego, a renda e a inflação, por exemplo. Para a área da saúde, além de relembrar o negacionismo de Bolsonaro durante a pandemia, é possível apontar à população que até agora diversos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) estão represados e ainda não voltaram ao normal. O mote do discurso deve ser a felicidade das pessoas.

Na sexta-feira, quando falava a militantes, Alckmin lembrou de uma conversa que teve com o pai. “Papai dizia que na vida não basta viver. Na vida, é preciso conviver e participar”, sublinhou pausadamente.

Ele pode até ter avançado demais nas etapas anteriores, parecido pouco natural ao acenar excessivamente para a esquerda. Mas foi este o Alckmin que se apresentou para cúpulas e militâncias de PSB e PT, talvez para poder se sentir mais à vontade a partir de agora.

Caso eleito, não se deve esperar que fique alheio aos assuntos de governo. Afinal, na vida é preciso conviver e participar. Ou como brinca um novo colega de partido, o chuchu do PSB veio com tempero.

 

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