Folha de S. Paulo
Tribunal entrou no jogo do presidente com
reações tímidas, excessos e condescendência
O ciclo liderado por Donald Trump pode ter
produzido um abalo histórico na Suprema Corte dos Estados Unidos. Com três
nomeações, o ex-presidente construiu no tribunal uma maioria que se
mostra disposta
a reverter o direito ao aborto no país, derrubando um entendimento que está
de pé há quase 50 anos.
Governantes populistas costumam tratar as instituições —incluindo o Judiciário— como campos de batalha políticos. Trump conseguiu transformar a Suprema Corte do país numa máquina capaz de lhe oferecer vitórias nessa trincheira. Jair Bolsonaro busca um caminho parecido. Até agora, o brasileiro não conta com maioria no STF, mas seu governo já foi capaz de mudar o tribunal.
Além de puxar integrantes da corte para a
arena eleitoral, Bolsonaro encara a composição do STF como
um tema de campanha. Ele já prometeu repetir a lógica da indicação de André
Mendonça para o tribunal e disse a seus apoiadores que a escolha de dois
ministros no próximo mandato é "mais importante do que a eleição para
presidente".
Bolsonaro tem a chance de avançar sobre a
composição do plenário se for reeleito. Com quatro ministros, ele ainda não
teria o domínio da corte, mas dobraria suas chances de interromper julgamentos
incômodos ou obter decisões individuais a favor do governo.
Ainda que seja forçado a sair do Palácio do
Planalto em 2023, o capitão vai deixar suas marcas: além dos dois bolsonaristas
com assento na corte, o STF terminará o governo rendido a uma deformação
institucional estimulada com frequência pelo próprio presidente.
O Supremo se tornou uma peça do jogo de
Bolsonaro ao oscilar
entre reações tímidas às investidas do capitão e alguns excessos nas
ferramentas usadas para combatê-las. Somou a isso uma certa condescendência com
ameaças militares e uma espera interminável por qualquer sinal de
distensionamento emitido pelo Planalto. Essas cicatrizes não devem desaparecer
com uma simples virada no calendário.
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