quarta-feira, 8 de junho de 2022

Vinicius Torres Freire: O preço do estelionato eleitoral

Folha de S. Paulo

Plano Bolsonaro para combustíveis custa mais que Auxílio Brasil e investimento federal

O pacote de combustíveis de Jair Bolsonaro-Centrão não tem pé nem cabeça. Parece ideia anotada em um guardanapo de papel sujo de leite condensado e farofa. Feitas as contas possíveis, nota-se que vai custar mais do que alguns maiores programas do governo federal. Pode provocar inflação e mais endividamento no ano que vem, depois da eleição.

É o estelionato eleitoral típico. Se o truque não funcionar, Bolsonaro pode tentar jogar a culpa em alguém, nos estados, seu método irresponsável de desgovernar.

Suponha-se que as reduções de impostos sobre gasolina, etanol, diesel e gás de cozinha durem de julho a dezembro. A redução de receita seria de cerca de R$ 48,6 bilhões em um semestre. Em um ano, de R$ 92,2 bilhões (o consumo nas metades do ano é diferente).

O Auxílio Emergencial, que dá comida para 18 milhões de famílias, custa R$ 89 bilhões por ano.

O BPC (Benefício de Prestação Continuada), auxílio pago para idosos e pessoas com deficiência muito pobres, custa R$ 71,7 bilhões por ano. O seguro desemprego leva R$ 38,8 bilhões anuais. O investimento federal em "obras" leva R$ 43 bilhões.

O dinheiro do desconto de impostos sobre combustíveis é, por assim dizer, indiscriminado. Ricos e pobres, todo mundo que paga combustível ou preços influenciados por combustível, se beneficia (mais os mais ricos do que os pobres). Você acha correto isso?

Suponha-se que o preço dos combustíveis não baixe até 31 de dezembro (se não aumentar ainda mais). O próximo governo, então, terá de prorrogar o desconto de impostos, fazendo ainda mais dívida e pagando ainda mais juros (para ricos). Em decorrência, taxas de juros e dólar tendem a ficar mais salgados, tudo mais constante.

Se não prorrogar o desconto de impostos, a inflação dará um salto, talvez bastante para colocar a inflação acima da meta em 2023. Mais juros.

Alguns países estão dando auxílios para atenuar esta crise. Mas, a dar dinheiro, porque não beneficiar pobres? Por falar nisso, governos no Brasil têm tido receita extra por causa da carestia, mas: 1) Isso não vai durar; 2) Não está sobrando dinheiro: o governo federal já é deficitário.

Se rolar, o desconto de impostos seria de R$ 24 bilhões até o primeiro turno, R$ 32 bilhões até um segundo turno. Por isso, a economia pode esquentar (ou deixar de esfriar) um pouquinho). Isso pode dar algum impulso à inflação de outros itens que não combustíveis.

Se o consumo de diesel aumentar, dado o preço menor, aumentam os riscos de que falte combustível, ainda improvável.

Pode ser que nem todo o desconto de impostos chegue ao consumidor. A diferença pode ficar no caminho, com alguma empresa (do negócio de combustíveis ou outras).

Esta conta de perda de receita com impostos é meramente contábil (o que se deixa de arrecadar, dadas a redução de alíquota e a receita atual). Como deve haver aumento de consumo, parte do imposto volta, sabe-se lá quanto. Os efeitos econômicos colaterais ficam.

Nessa conta de perda semestral de receita de R$ 48,6 bilhões entram o desconto de impostos federais sobre gasolina e etanol (R$ 18,3 bilhões) e o dinheiro que o governo federal promete devolver aos estados caso reduzam a zero o (possível) novo ICMS sobre diesel e gás de cozinha, além das perdas estaduais com a possível redução para 17% ou 18% das alíquotas atuais do ICMS sobre esses combustíveis (R$ 30,3 bilhões).

O plano é socialmente injusto, cria distorção econômica, é um estímulo econômico ineficiente, bananeiro e empurra um problemão para depois da eleição. Para variar, Bolsonaro foi negligente, inepto e laborfóbico. Agora, tenta um estelionato eleitoral.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

''Laborfóbico'' é ótimo,além de homofóbico.