Valor Econômico
Fim de moeda própria tem sido debatido por
grandes empresários
O economista Simon Kuznets dizia haver
quatro tipos de países no mundo: os ricos, os pobres, o Japão (que tinha tudo
para ser pobre, mas ficou rico) e a Argentina (que tinha tudo para ser rica,
mas virou pobre).
Apesar da crise, Buenos Aires continua linda. É a cidade latino-americana com melhor qualidade de vida, segundo a Economist Intelligence Unit. As praças estão bem cuidadas. Há fartura de espaços gratuitos e ao ar livre. O prolongamento de duas linhas de metrô facilitou a mobilidade urbana. Para quem adota os padrões brasileiros de segurança, bate até uma certa tranquilidade. Caminha-se à noite, nas principais avenidas, sem necessidade de entrar em pânico. Os pobres têm mais dignidade. Luz e gás residencial são fortemente subsidiados. A tarifa de ônibus corresponde a menos de R$ 1. Hospitais e escolas públicas funcionam (ainda) minimamente bem.
Nada disso minimiza o declínio econômico da
Argentina, que chegou a ter uma das maiores rendas per capita do mundo no
início do século XX. Os subsídios nas tarifas de energia consomem 2% do PIB. As
contas públicas seguem descontroladas e o déficit fiscal está piorando. O dólar
paralelo, chamado por todos de “blue”, vale o dobro do oficial. Quem consegue
trazer divisas do exterior, por algum motivo, paga tudo pela metade do preço.
Posto de outra forma: quem não tem acesso a moeda forte paga duas vezes mais. A
escassez de dólares impede a normalização dos fluxos de comércio exterior e
mantém o país fechado. E há a inflação, uma inflação assustadora, cuja taxa
anual aumenta entre 15 e 25 pontos percentuais a cada ciclo presidencial. O
mercado projeta alta superior a 70% em 2022. Negociações de reajustes salariais
passaram a acontecer duas, até três vezes por ano.
Em uma típica tarde portenha de fins de
junho, com céu claro e temperatura abaixo de 10° C, o presidente de uma das
maiores multinacionais da Argentina me dizia em tom de lamentação, na sede da
companhia: “Ninguém aguenta isso. Hoje, em todas as conversas entre
empresários, só se discute sobre os prós e contras de uma possível
dolarização”.
Esse alto executivo se mostra simpático à
ideia e avalia ser o único caminho para estabilizar a economia depois de tantos
planos fracassados. Ele lembra que atualmente, para fazer um investimento de
maior porte, é preciso trazer dólares de fora. Mas, depois, as receitas geradas
vêm em pesos - em ambiente de inflação acelerada e no qual há enormes
dificuldades para convertê-los novamente em dólares. Resumo: melhor não se dar
o trabalho do investimento.
Independentemente do balanço entre
vantagens e desvantagens potenciais de uma dolarização, o espantoso é que esse
debate tenha surgido em um país como a Argentina. Os vizinhos pagaram com perda
de competitividade, corralito, moratória da dívida e recessão profunda a saída
do regime de conversibilidade cambial vivido nos anos 1990.
Fim da indexação, queda no custo de
capital, incentivos a um ajuste fiscal são alguns dos fatores positivos
normalmente apontados. Perda da política monetária, menor capacidade de
resposta a choques externos, encarecimento da economia como um todo são
aspectos negativos. Um projeto de lei instituindo a dolarização foi apresentado
em março para impulsionar o debate. Pessoas próximas ao ex-presidente Mauricio
Macri já receberam propostas de economistas com esse mesmo teor. O deputado
libertário Javier Milei, estrela midiática da oposição e em flerte com a
extrema direita, defendeu o abandono do peso.
Além do festival de incertezas econômicas,
o quadro político é de total indefinição. As eleições ocorrem em 18 meses e não
dá para cravar os candidatos. Pelo kirchnerismo, sabe-se que Alberto Fernández
não poderá pleitear um novo mandato. Ele está com a popularidade no chão.
Cristina Kirchner detém a militância e os votos, mas sua candidatura também é
inviável: ela tem piso alto (um terço do eleitorado) e teto baixo (imensa
dificuldade em atingir maioria em um eventual segundo turno).
Na falta de nomes óbvios no grupo do Frente
de Todos, muitos veem o corredor aberto para um novo voo do moderado Daniel
Scioli, ex-governador da Província de Buenos Aires, ex- embaixador no Brasil e
recém- nomeado ministro da Produção.
As últimas pesquisas indicam a coalizão oposicionista
Juntos por el Cambio na preferência do eleitorado atualmente. Macri, que desde
a derrota em 2019 afirmava não ter interesse em voltar à Casa Rosada, se
insinua novamente. É aconselhado a não entrar em campanha por ter, como sua
rival Cristina, alta rejeição e teto baixo. Horacio Larreta, prefeito de Buenos
Aires completando dois mandatos, e Patricia Bullrich, ex-ministra de Segurança
no governo Macri, podem disputar as primárias.
Outra dúvida é onde se encaixa Milei (La
Libertad Avanza), o economista de penteado insólito que ganhou fama fazendo
comentários na TV e chegou a ser mencionado como o preferido de 20% nas
sondagens. Pode candidatar-se ou aliar-se ao grupo de Macri. Entre as ideias
que ele prega abertamente, está o comércio legalizado de órgãos humanos.
Obrigação
A Argentina relançou sua tentativa de
sediar a Copa de 2030 com Uruguai, Paraguai e Chile. Ao mesmo tempo, Bariloche
se apresentou como candidata para receber a Exposição Universal de 2027. Málaga
(Espanha), Minnesota (EUA), Belgrado (Sérvia) e Phuket (Tailândia) concorrem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário