Folha de S. Paulo
A CPI poderia ser uma arma eleitoral
expensas da boa investigação
Cada categoria precisa lidar com a sua deformação profissional. Delegados e promotores veem crimes por todos os lados; médicos não conseguem olhar para o rosto das pessoas sem tentar adivinhar do que elas vão morrer. Jornalistas somos quase obrigados a apoiar CPIs, mesmo sabendo que elas raramente produzem boas investigações. É que, mesmo quando fracassam nesse objetivo precípuo, ainda servem para expor aos olhos de todos coisas que governantes gostariam de manter a sete chaves –algo que a maioria dos jornalistas se compraz em assistir.
No caso da CPI do MEC, temos duas especificidades, uma que reforça sua necessidade —e para já, não para depois da eleição— e outra que eleva o ceticismo em relação aos resultados. Jair Bolsonaro se vale de narrativas que contrariam frontalmente os fatos. Diz que em seu governo não existe corrupção, quando isso é demonstravelmente falso. Nesse contexto, tudo o que contribua para restabelecer a preponderância dos fatos é bem-vindo. Não creio que denúncias de corrupção possam definir a disputa presidencial deste ano, papel este reservado à economia, mas é sempre preferível que o eleitor vote com mais conhecimento a com menos.
Em relação aos resultados concretos, receio que eles tenderiam a ser ainda mais acanhados que o normal, caso a CPI começasse antes do pleito. É que, nos próximos três meses, tudo o que vier a acontecer na política terá a campanha como pano de fundo. A CPI quase certamente seria convertida numa arma eleitoral, o que ocorreria às expensas da boa investigação.
Basicamente, não acho que a CPI possa revelar nada muito mais grave do que aquilo que já sabemos, mas seria bom lembrar ao eleitor que esse governo mente diuturnamente quando afirma ter acabado com a corrupção. E não é só no governo que ela se faz presente. Ela está na própria primeira família, com suas rachadinhas, cheques e traficâncias com pastores.
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