Folha de S. Paulo
O antipetismo eleitoral deixou de ter a sua
personificação na direita tucana, democrática, civilizada
Logo depois da vitória de Donald
Trump sobre Hillary Clinton, em 2016, Ezra Klein, colunista
do New York Times, perguntou ao cientista político Larry Bartels, da
Universidade Vanderbilt, o que ocorrera de incomum, capaz de explicar por que o
improvável candidato republicano tivesse levado a melhor.
Respeitado especialista em estudos eleitorais e autor, com Christopher Achen, do instigante livro "Democracy for realists"(Democracia para realistas), Bartels respondeu que não acontecera nada de anormal: a distribuição de votos daquele ano se parecia muito com a das disputas de 2012, 2008 e 2004 —Trump era, sim, um candidato bizarro; os resultados das urnas, não.
No Brasil, os mapas eleitorais com a votação
para presidente por estado, publicados nesta Folha na segunda (3) e na
terça (4), exibem continuidade semelhante: a recente votação para a chefia do
governo não só se parece muito com a de 2018, como ainda reproduz, quase ponto
a ponto, os resultados de 2014 e 2006. Ou seja, na última década a política
brasileira virou de ponta-cabeça, mas quase nada mudou do ponto de vista da
escolha dos eleitores, que seguem rachando o país em dois hemisférios nítidos e
estáveis: o dos que votam no PT e o dos que rejeitam o partido de Lula.
Faz tempo que os cientistas políticos Cesar
Zucco, da Fundação Getúlio Vargas, e David Samuels, da Universidade de
Minnesota, constataram que petismo e antipetismo dão forma e conteúdo à
contenda pelo Palácio do Planalto.
Então, tudo como dantes no quartel de
Abrantes? Não exatamente.
Desde meados da década passada, um vendaval
político varreu o campo da direita, levando de cambulhada a legenda que até
então organizava e dava fisionomia às hostes do antipetismo na disputa pelo
Executivo federal. O PSDB, que havia
minguado em 2018, agora juntou-se às pequenas e irrelevantes siglas com assento
no Congresso.
O antipetismo eleitoral deixou de ter a sua
personificação na direita tucana, democrática, civilizada —e elitista. A sua
nova cara é a do chefe da extrema-direita populista, Jair
Bolsonaro. Fruto contingente das crises da última década, nem por isso cabe
imaginar que o fenômeno seja passageiro. Desta vez, as variadas experiências de
vida, as demandas, as crenças, as decepções e os ressentimentos que confluem na
rejeição às bandeiras e valores da esquerda, encontraram um líder popular que
as expressa na língua bárbara —chula, raivosa e antidemocrática— falada nos
mais primitivos grotões morais da pátria.
Confirmar no segundo turno o resultado do primeiro, por essencial que seja,
será apenas o começo.
*Professora titular aposentada de ciência
política da USP e pesquisadora do Cebrap
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