O Globo
Votação expressiva de candidatos que
exaltam a ditadura ou defendem o fechamento do STF frustrou centro político e a
esquerda
Os resultados do primeiro turno causaram
perplexidade pelas discrepâncias entre os números das pesquisas e o resultado
final, pelo tamanho da votação de Bolsonaro e pelo crescimento da direita
bolsonarista no Congresso. Esses temas vêm sendo discutidos à exaustão, mas uma
pergunta ainda paira aqui e ali. Afinal, o brasileiro não dá importância à
democracia?
A votação estrondosa de candidatos que
exaltam a ditadura militar ou defendem o fechamento do Supremo Tribunal Federal
(STF) — além, é claro, do próprio Jair Bolsonaro — causou frustração nos
intelectuais, na esquerda e no centro.
Parte dos apoiadores de Lula concluiu que faltou ao petista gritar mais alto para “mostrar ao povo” o risco autoritário que o Brasil corre com uma hipotética vitória de Bolsonaro. Outra ala, mais pragmática, chegou à conclusão de que grande parte do eleitorado, no fundo, não está nem aí para a democracia. Quer saber é de comer, trabalhar, pagar as contas.
"Para o eleitor, fascista é aquele que
faz as coisas, e genocida é o irmão do Emicida", ironiza um apoiador de
Lula de primeira hora que vive da política. "Não adianta fazer assembleia
com o pessoal do todes, tem de gastar sola de sapato e falar com o povo".
A pesquisadora Esther Solano, que estuda o
comportamento de eleitores como evangélicos e integrantes das classes C e D,
expressou a mesma ideia de forma bem mais elaborada ao dizer, em entrevista
ao GLOBO, que “o conceito de democracia é mobilizador para uma
classe média e alta, mas está distante demais da realidade concreta de eleitores
em situação econômica emergencial”. Para ela, parte do eleitorado também está
aflita com questões morais como o aborto e a “ideologia de gênero”.
O mesmo aliado de Lula acha que o risco à
democracia será um não assunto no segundo turno. Primeiro, porque Bolsonaro não
teria forças para dar um golpe. Depois, porque ele acha que ganhará. Evidente
que a situação é bem mais complexa, e nada disso impede o presidente da
República de tumultuar o ambiente político se lhe for conveniente. Mas a noção
de que o risco à democracia será um não assunto nesta eleição vem se
consolidando entre os políticos.
Será mesmo?
Apesar da baixaria virtual dos últimos dias
— com bolsonaristas acusando Lula de ser ligado ao satanismo, enquanto os
lulistas disseminam vídeos de Bolsonaro na maçonaria para assustar os
evangélicos —, fora das redes sociais a eleição nunca pareceu tão “normal”.
O que se vê nas duas campanhas são cenas de
tradicional disputa democrática, com cada lado tentando enfileirar o maior
número possível de apoios institucionais. Bolsonaro vestiu um terno bem
passado, penteou os cabelos e saiu pelo Brasil negociando em gabinetes, fazendo
promessas e prestando contas de seus apoios diante de microfones.
De seu lado, Lula reuniu a tropa nos
bastidores para avaliar os erros e corrigir o rumo, enquanto diante das câmeras
era cobrado a assumir compromissos.
Essa movimentação é consequência direta do
primeiro turno. O fato de ter se tornado imperativo a qualquer político com
algum projeto futuro assumir posição é, em si, um ganho para a democracia.
Tirou das sombras quem andava escondido e será cobrado por seus atos.
Isso não quer dizer que o risco de degradação
democrática tenha desaparecido. Como já constataram Steven Levitsky e outros
autores, o autocrata 3.0 mina a democracia por dentro, enfraquecendo as
instituições.
Bolsonaro já demonstrou inúmeras vezes que
segue a cartilha. Agora mesmo, enquanto ele se apresenta como governante
preocupado, seus aliados propõem uma CPI no Senado para investigar as pesquisas
eleitorais.
Não se trata, portanto, de dourar a pílula,
pelo contrário. Mas a história do segundo turno ainda está por ser escrita.
Embora seja inevitável termos novos momentos de baixaria e jogo sujo, também é
verdade que Lula e Bolsonaro agora estão sozinhos sob os holofotes, sem o
escudo do candidato-laranja, da ameaça comunista, do voto útil ou do sigilo de
cem anos.
Com tempo de sobra na TV e debates pela
frente, terão de se enfrentar de verdade a respeito do orçamento secreto, da
corrupção do PT, dos planos para a economia e para a educação.
Não que estejam loucos para fazê-lo. Mas o
recado das urnas também deveria ser compreendido por aqueles que estão
genuinamente preocupados com nossa democracia. A tarefa começa por cobrar de
Lula e de Bolsonaro propostas coerentes, sem passar pano para populismo,
autoritarismo e demagogia. Mais do que gritar pela democracia, é preciso
praticá-la. Pode parecer pouco para quem está diante do abismo. Mas não se
apresentou ainda uma alternativa melhor.
2 comentários:
Muitos canalhas se elegeram, sim! Mas Bolsonaro não foi eleito e ficou com mais de 6 milhões de votos de DESVANTAGEM! A maioria ainda defende a DEMOCRACIA e acredita nela! Esta maioria se ampliará um pouco no segundo turno! VIVA A DEMOCRACIA! Lula representa esta DEMOCRACIA na nova disputa!
Quem vota em Bolsonaro não dá importância à democracia.
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