domingo, 16 de outubro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Eleitor exige menos insultos e mais propostas

O Globo

Lula e Bolsonaro transformaram a campanha eleitoral numa guerra suja — e evitam assumir compromissos

Um desavisado que assista à propaganda eleitoral dos candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) pode pensar que se trata de uma disputa de MMA, tamanha a quantidade de golpes, à esquerda e à direita, e a agressividade. Quem vai a nocaute nessa luta é o eleitor. E seu desejo de conhecer as propostas que o ex e o atual presidente têm — ou deveriam ter — para resolver os graves e urgentes problemas brasileiros.

Lamentavelmente, a disputa mais acirrada que emergiu do primeiro turno, a rejeição de ambos e o alto percentual de eleitores decididos têm levado as campanhas a lançar mão de insultos, golpes baixos, mentiras deslavadas ou frases fora de contexto para tentar vencer. A propaganda eleitoral foi tomada por uma guerra suja. No vale-tudo para atrair votos, o medo e o terrorismo eleitoral ganharam lugar de destaque.

A propaganda na TV geralmente tem começado pela artilharia pesada, para só depois abordar, de modo superficial, planos de governo. Os dois lados não economizam adjetivos. A propaganda de Lula chama Bolsonaro de mentiroso e desumano. A de Bolsonaro tacha Lula de ladrão e corrupto. A petista levou ao ar um vídeo em que Bolsonaro dizia, em 2017, que “comeria um índio sem problema nenhum” — a peça foi suspensa pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A bolsonarista divulgou imagens que associam Lula a ritos satânicos, também proibidas pelo TSE.

Apesar do esforço da Justiça Eleitoral, as campanhas têm sido bem-sucedidas na guerra suja. Quando a propaganda é vetada, ela já se espalhou. Enquanto a baixaria campeia, o país carece de propostas viáveis. Nos poucos minutos dedicados a falar o que farão, os candidatos prometem mundos e fundos, sem explicar como adequar as promessas à realidade. Reportagem do GLOBO constatou que eles evitam assumir compromissos em áreas essenciais, como corrupção ou economia.

Tanto Lula quando Bolsonaro falam em manter o Auxílio Brasil em R$ 600, embora não haja previsão orçamentária para isso. Projetos de programas assistenciais têm sido ventilados, mas questões críticas ficam de lado. Não se sabe como indicarão as chefias da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Federal, que alternativa propõem ao teto de gastos, como será a política de combustíveis, quais mistérios haverá, nem mesmo se corrigirão a tabela do Imposto de Renda.

Ambos dizem priorizar a educação. Mas o que isso significa na prática? A área de ciência e tecnologia, essencial ao desenvolvimento, continuará fazendo figuração? De onde tirar verbas para fortalecer o SUS? Como gerar empregos num mundo em recessão? Que será feito para reduzir o desmatamento? Qual será a política de segurança, para além do debate sobre armas? Qual será a postura em relação à corrupção? Como tratar a carência de moradia? Haverá compromisso com rigor fiscal? Que será feito do orçamento secreto?

Lula e Bolsonaro são figuras conhecidas. De pouco adianta escarafunchar o passado deles em busca de gafes. Mais importante é apresentarem compromissos objetivos para resolver os problemas do Brasil, para que sejam cobrados depois. Ataques e xingamentos podem virar memes ou engajar a militância, mas não servem ao país. Faltam duas semanas para o pleito. Lula e Bolsonaro, que hoje se enfrentam no primeiro debate televisivo, prestariam um serviço aos brasileiros se apresentassem menos insultos e mais propostas.

Brasil é crítico para deter populismo autoritário na América Latina

O Globo

Eleição brasileira traz risco de retrocesso institucional, segundo organização que pesquisa democracia

Quem acompanha os regimes políticos na América Latina teme que o continente mergulhe num novo ciclo de autoritarismo, dependendo do desfecho da eleição brasileira. É o caso do Instituto para a Democracia e Assistência Eleitoral (Idea Internacional), segundo o qual o Brasil está hoje no grupo de “democracias imperfeitas”, ao lado de Argentina, Costa Rica, Chile, Colômbia, Equador, Peru, Panamá e República Dominicana. Pelos critérios do Idea, o Uruguai é o único país democrático no continente. No outro extremo, estão Venezuela, Nicarágua, Cuba e Haiti, considerados regimes autoritários.

A depender do resultado do segundo turno, o Brasil poderá entrar no grupo dos países “híbridos” — Honduras, Guatemala, El Salvador, Bolívia, Paraguai e México —, caracterizados por terem um regime legítimo na origem, mas depois ultrapassarem os limites da democracia e se tornarem autoritários.

Por enquanto, o Brasil ainda integra o grupo onde os governos foram eleitos democraticamente, e há apenas distorções no exercício do poder. O exemplo mais óbvio é a pressão do Executivo sobre o Judiciário, como as ameaças recorrentes do presidente Jair Bolsonaro contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas há também o orçamento secreto, por meio do qual o Executivo compra apoio no Legislativo, e a invasão do Judiciário em competências do Executivo ou do Legislativo.

No atual ciclo de autoritarismo latino-americano, como noutras partes do mundo, o regime endurece não mais com tanques nas ruas e não necessariamente com militares no poder. A democracia é corroída por dentro por governos populistas, cujo objetivo é controlar Judiciário e Legislativo. Um sinal do risco é a proposta de ampliar o número de ministros do STF que circula na campanha de Bolsonaro, típica da corrosão democrática em países como Venezuela, Polônia ou Hungria.

A democracia brasileira está, nas palavras do argentino Mario Riorda, presidente da Associação Latino-Americana de Pesquisadores de Campanhas Eleitorais (Alice), “estressada”. Um estresse que decorre da falta de respostas a demandas da sociedade. “Em duas décadas e meia, os principais problemas de quase todos os países continuam sendo pobreza, corrupção, inflação e insegurança”, afirmou Riorda ao GLOBO. Para ele, os protestos que começaram em 2019 no Chile e se espalharam por Colômbia, Bolívia, Equador e Argentina são um alerta.

O pior que pode acontecer é a eleição de autocratas que passam a governar acima da Constituição, mesmo que, no início, com apoio popular. Um exemplo é El Salvador. Elegeu em 2019 Nayib Bukele, que desde março governa em estado de exceção. Já prendeu mais de 50 mil à margem da lei e mantém um índice de aprovação entre 70% e 80%. El Salvador vive uma situação típica, que termina numa ditadura autocrática e violenta. O Brasil tem experiência histórica com falsas soluções políticas que se traduzem em perda de liberdade e retrocesso institucional. Precisa evitar esse caminho.

Na mesma

Folha de S. Paulo

Datafolha mostra estabilidade e poucos votos sem dono na corrida presidencial

Ao fim da segunda semana de campanha do segundo turno, não há mudança nas intenções de voto para presidente da República, segundo a pesquisa Datafolha. Pela proporção de votos válidos, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) permanece com os 53% da semana passada; Jair Bolsonaro (PL), com 47%.

Consideradas as parcelas do total de votos, Lula tem 49%, Bolsonaro 44%, indecisos são 2% e os ora dispostos a votar branco ou nulo são 5%. Cerca de 6% dizem que ainda podem mudar o voto.

A aprovação ao governo, que nunca foi majoritária, encontra-se em patamar de pico —possivelmente refletindo a conjuntura de respiro da inflação e do desemprego.

Consideram a gestão boa ou ótima 38% dos brasileiros aptos a votar, enquanto quase idênticos 39% a tacham de ruim ou péssima. Recorde-se que, em dezembro do ano passado, a reprovação era de 53%.

No momento, o que se pode dizer é que se trata de um quadro de estabilidade com poucos votos sem dono. A algazarra da campanha, de baixeza rara, não parece ter alterado as propensões do eleitor.

Nesse contexto, a taxa de rejeição dos finalistas entre os votantes em geral e entre os que escolheram outros candidatos no primeiro turno dá indício mais relevante de como podem surgir mudanças.

A rejeição ao nome do presidente candidato à reeleição continua majoritária, a julgar pela declaração dos entrevistados, em 51%; a do ex-presidente petista, em 46%. A recusa a Bolsonaro, constata-se, é maior entre aqueles que declaram ter votado em Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT).

De mais notável é a opinião do eleitor sobre o que seria de sua vida no caso da eleição de Lula ou de Bolsonaro —os resultados são mais díspares do que aqueles das intenções de voto. Em caso de vitória do petista, a vida "ficaria melhor" para 41% dos eleitores. Na hipótese de reeleição do presidente, para apenas 27% dos entrevistados.

Dadas as margens de erro, as inconstâncias da taxa de absenteísmo eleitoral e as duas semanas para a decisão, pode-se dizer apenas que ainda se trata de uma eleição que pode ter um resultado por margem muito estreita.

Considerada a rejeição persistente e majoritária ao nome do presidente da República, as pesquisas neste momento indicam um ligeiro favoritismo de Lula. Mas nada que permita prognósticos seguros.

Ainda virão os debates, com seus riscos de passo em falso. Além do mais, o país viverá também uma quinzena quase inteira de tentativas de degradação da imagem do adversário, de mentiras e propaganda de guerra virtual, com novidades que dificultam o policiamento dos malfeitos, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral.

Saúde no rótulo

Folha de S. Paulo

Novas regras para embalagens de alimentos facilitam escolha dos consumidores

Passaram a vigorar em todo o país as novas normas de padronização para rótulos de bebidas e alimentos industrializados, aprovadas há dois anos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Doravante, tais produtos terão de trazer nas embalagens alertas para a presença excessiva de nutrientes considerados críticos para a saúde, como sódio, gordura saturada e açúcar. Trata-se de iniciativa benéfica para o bem-estar dos brasileiros e já adotada com bons resultados em outros países.

A principal mudança será a inclusão do ícone de uma lupa na parte frontal dos rótulos de bebidas e alimentos cujos teores desses elementos forem superiores aos preconizados pela Anvisa.

Também será obrigatório a identificação da presença de açúcares totais e adicionados, bem como a declaração do valor energético e nutricional por 100 g ou 100 ml do produto —a fim de que o consumidor possa comparar de forma simples os diferentes produtos.

Por fim, com o intuito de melhorar a legibilidade do rótulo, a tabela nutricional passará a ter apenas letras pretas sobre um fundo branco, realçando o contraste.

Fornecer informações claras, precisas e completas acerca dos alimentos, como estipula a nova norma, responde não só a um direito básico do cidadão como pode representar um passo importante no combate às doenças relacionadas à má alimentação.

Afinal, o consumo excessivo de açúcar, sódio e gordura saturada está diretamente associado ao aumento da obesidade e de problemas cardiovasculares (a principal causa de morte no Brasil), além de outras doenças crônicas não transmissíveis, como o diabetes.

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde, 52% da população adulta apresentava ao menos uma dessas doenças em 2019. Já a obesidade vem crescendo de forma acentuada nas duas últimas décadas.

Hoje, 57% dos brasileiros com 18 anos ou mais apresentam sobrepeso, e 22% estão obesos.

Embora as novas regras já estejam valendo para novos produtos, os artigos hoje à venda terão prazo de até três anos para adaptação.

É possível que as mudanças, se plenamente implementadas, venham a contribuir para tornar os alimentos industrializados mais saudáveis. A principal consequência, contudo, será dar aos consumidores a possibilidade de exercer seu direito de escolha de forma mais consciente e informada.

A voz da sociedade civil

O Estado de S. Paulo

Organizações sociais, entidades de classe e especialistas têm participado ativamente da formulação de propostas para desenvolver o País, em contraponto ao silêncio dos candidatos

A campanha eleitoral deste ano, até aqui, tem sido um deserto de ideias sobre o que fazer para resolver os problemas do País. Por parte dos candidatos, claro. Porque propostas e gente qualificada para buscar soluções são o que não falta. Nos últimos meses, a sociedade civil brasileira vem participando ativamente do debate público, com sugestões de todo tipo em diversas áreas. Tamanha mobilização, desejável inclusive quando os governos se mostram capazes de responder aos desafios nacionais, torna-se ainda mais necessária diante dos impasses em que o Brasil se encontra.

Organizações sociais, entidades de classe e especialistas com diferentes formações produziram diagnósticos e um abrangente repertório para fazer o País avançar, seja do ponto de vista das políticas macroeconômicas, seja a respeito de questões setoriais em educação, saúde, ciência, meio ambiente ou segurança pública, entre outras áreas. Por óbvio, há ideias ótimas e outras nem tanto. O que mais importa, entretanto, é a mobilização para debater temas que dialogam diretamente com as perspectivas de crescimento econômico e de desenvolvimento social − em contraponto ao silêncio dos candidatos e a suas estratégias eleitorais.

Muitas das propostas apresentadas pela sociedade civil já ganharam destaque aqui neste espaço, como é o caso do documento Contribuições para um governo democrático e progressista, elaborado, entre outros, pelos economistas Bernard Appy e Pérsio Arida − com foco na reforma do Estado, em mudanças no sistema tributário e na proteção contra a pobreza extrema. Ou da agenda legislativa para 2023 sugerida pelo Centro de Liderança Pública (CLP), que identificou 14 projetos prioritários em tramitação no Congresso sobre temas como reforma administrativa, mercado de carbono e desmatamento ilegal. 

Recentemente o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) divulgou carta aos candidatos a presidente da República com uma série de proposições. Entre elas, uma que também vale para os futuros governadores: o instituto defende o uso de câmeras na farda de agentes de segurança pública, como já ocorre na Polícia Militar de São Paulo, por se tratar de “medida que se mostrou eficaz na redução de homicídios de civis e policiais”. O IBCCrim advoga a necessidade de coleta de dados para subsidiar a tomada de decisões − o que se mostra extremamente apropriado no caso das câmeras, considerando que há candidatos que prometeram dispensar o uso do equipamento.

A educação, área a ser priorizada em qualquer projeto de desenvolvimento nacional e que, infelizmente, foi desprezada no governo do presidente Jair Bolsonaro, acaba de ganhar valiosa contribuição. Referência no debate educacional, o Cenpec lançou o Manifesto por políticas públicas efetivas de valorização docente. Trata-se de documento que sistematiza reflexões de especialistas reunidos em agosto − e aponta saídas para melhorar a atuação dos professores, sabidamente o principal fator de aprendizagem dos alunos. Vale listar três recomendações do manifesto: rever o sistema de contratação de professores, favorecendo a sua fixação em uma única escola; desestimular a contratação de professores temporários, problema recorrente em diversas redes públicas, inclusive na de São Paulo, a maior do País; e limitar a jornada de trabalho a 40 horas semanais. 

Dar voz à sociedade civil e ouvir o que cada segmento tem a dizer são iniciativas que contribuem para o êxito das políticas públicas. Primeiro, porque ampliam a percepção de gestores e legisladores, agregando informações e pontos de vista que, do contrário, seriam ignorados; segundo, e tão ou mais importante, o envolvimento dos atores sociais na etapa de discussão resulta em maior engajamento na hora de implementar as ações. A campanha eleitoral deste ano, tão polarizada na disputa por votos, também se notabiliza pela omissão dos candidatos em relação a propostas para o País. Mas, se quiserem um cardápio variado de boas ideias, basta recorrer ao que os cidadãos organizados estão oferecendo. 

Depravação eleitoral

O Estado de S. Paulo

A asquerosa exploração de supostos casos de violência sexual contra crianças como arma eleitoral pela senadora eleita Damares Alves mostra não haver limite moral no bolsonarismo

A senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, está empenhada na campanha para a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. No último sábado, falando a fiéis de uma igreja evangélica em Goiânia (GO), Damares não hesitou em fazer uso, com fins unicamente eleitorais, de supostas violências e perversidades sexuais de que crianças brasileiras teriam sido vítimas. No afã de conquistar votos para o presidente, a futura senadora demonstrou que a cruzada eleitoral bolsonarista não tem limites morais nem resquícios de civilidade e respeito pelas crianças que diz defender.

Em sua fala a fiéis evangélicos, a ex-ministra citou supostos casos de tráfico internacional de crianças, a partir da Ilha de Marajó, no Pará, que envolveriam mutilações corporais para a exploração sexual. O uso do termo “supostos” para tratar das violências e perversidades relatadas por Damares deve-se ao fato de que, até o momento, não houve confirmação de que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos tenha, de fato, recebido as referidas denúncias, o que levanta suspeitas sobre a veracidade das declarações da senadora eleita. 

Se tais informações ainda carecem de confirmação, a imoralidade do gesto de Damares está plenamente verificada. A senadora eleita trouxe para o calor da campanha eleitoral um tema que mesmo o mais despudorado ou obtuso agente público deveria saber que deve ser tratado com a máxima discrição e com muita responsabilidade. 

Sendo verdadeiras as denúncias, o Ministério que Damares dirigiu deveria ter feito o possível para mitigar o sofrimento das vítimas e encaminhar os casos para investigação e punição. No entanto, não há como saber se isso foi feito. Procurada pelo Estadão, a assessoria da senadora eleita indicou três documentos − relatórios de Comissões Parlamentares de Inquérito na Câmara, no Senado e na Assembleia Legislativa do Pará − nos quais as denúncias estariam registradas. A reportagem procurou, mas não localizou os casos citados. No Pará, o Ministério Público e a Polícia Civil já pediram informações ao governo federal, pois igualmente não as tinham. O mesmo fez a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, em Brasília. Se as denúncias existem, esses órgãos obviamente querem ter acesso a elas para poder agir. 

Diante da crescente desconfiança de que teria inventado as denúncias, Damares afirmou, em entrevista à Rádio Bandeirantes, que se baseou em conversas com moradores da Ilha de Marajó. “Eu não estou denunciando, eu estou trazendo à luz o que já estava denunciado”, disse ela, que foi alvo de uma notícia-crime por parte de advogados que cobram punição, caso se confirme a mentira.

Por ora, o que se sabe é que Damares não viu problema em usar situações de extremo sofrimento e crueldade envolvendo crianças de 3 ou 4 anos para fazer campanha. No sábado, o templo da Assembleia de Deus Ministério Fama estava cheio e havia crianças no local. Foi na frente delas que Damares descreveu os supostos crimes, com detalhes tão abjetos que evitaremos reproduzir aqui, em respeito ao leitor. 

Há quem, diante disso, atribua à senadora eleita algum tipo de perturbação mental, mas que ninguém se iluda: o que um observador incauto poderia tomar por loucura não passa de método. Damares disse que “o inferno se levantou” contra Bolsonaro depois que o presidente mandou tomar providências para proteger as crianças. “A guerra contra Bolsonaro que a imprensa levantou, que o Supremo Tribunal Federal levantou, que o Congresso levantou não é uma guerra política, é uma guerra espiritual”, bradou ela. Parece insanidade, mas não é: a mensagem depravada do bolsonarismo afinal se disseminou, resistente a qualquer contraprova, e agora não são poucos os eleitores que passaram a acreditar que não têm alternativa senão votar no “mito” para impedir nada menos que o estupro de bebês.

Sim, não há limites para a imoralidade bolsonarista. Valer-se da violência contra crianças, mesmo que imaginária, para evocar teses grotescas e conquistar votos é prática repulsiva de quem não tem apego moral de qualquer espécie. Nada de bom se constrói sobre essa base degenerada. 

Gasolina barata, gás caro

O Estado de S. Paulo

Quem tem carro está feliz, mas quem precisa de gás para cozinhar paga acima do preço internacional

Pôr algum alimento na panela já é um duro desafio para muita gente, no Brasil, mas conseguir comida pode ser apenas parte do problema. Cozinhar também pode ser uma façanha complicada, porque o gás destinado ao fogão está 25% mais caro que no exterior. 

Candidato à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro tem-se vangloriado, em comícios, de haver proporcionado aos brasileiros a gasolina mais barata do mundo. Proprietários de automóveis podem até aplaudir, principalmente se desconhecerem ou derem pouca atenção a alguns detalhes. Para baratear gasolina e diesel, o presidente e seus aliados no Congresso reduziram tributos, chegando a impor perdas fiscais a Estados e municípios. Depois, as cotações do petróleo recuaram no mercado internacional, mas esse ponto é normalmente esquecido nas manifestações presidenciais. De toda forma, um fato – evidente há muito tempo – se torna mais claro para quem quiser enxergar: os pobres continuam bem abaixo das principais preocupações e prioridades do chefe do Executivo. 

Os dados oficiais de inflação, elaborados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são inequívocos quanto à posição amplamente desvantajosa dos mais pobres. Nos 12 meses até setembro, os preços de combustíveis para veículos diminuíram 17,02%. No mesmo período, os combustíveis de uso doméstico encareceram 15,79%, e o custo da alimentação subiu 11,71%. A variação média dos vários grupos de preços, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ficou em 7,17%. Alguns meses antes havia superado 11%, mas o recuo estatístico, explicável em grande parte pela contenção dos preços da gasolina, pouco significa para a maioria das famílias.

O Brasil dos pobres entrou claramente na pauta do presidente em três momentos. No primeiro, ele foi praticamente forçado, até por pressão de congressistas, a conceder auxílio emergencial, na onda inicial da pandemia, aos muito necessitados. A ajuda foi reduzida a partir de setembro de 2020 e extinta no começo de janeiro de 2021. Foi reativada em abril daquele ano, quando se tornou muito difícil, para o Executivo, menosprezar os dados de empobrecimento e de fome. No segundo, o presidente resolveu renomear o Bolsa Família como Auxílio Brasil e incorporar esse programa em seu ativo político-eleitoral. No terceiro, o candidato à reeleição decidiu elevar de R$ 400 para R$ 600 o valor do auxílio, mas só durante o período eleitoral. No projeto de Orçamento de 2023 foi inscrito o valor de R$ 405.

Os preços da gasolina e do diesel estão abaixo dos níveis internacionais, mas o Executivo tem pressionado a administração da Petrobras para evitar qualquer aumento. É muito difícil explicar essa pressão sem mencionar o interesse eleitoral do presidente da República. Enquanto isso, famílias pobres tentam racionar o uso do gás, como contou uma dona de casa ao Estadão. O governo tem recursos para ajudar essas famílias, se quiser incluí-las em sua lista de prioridades. Mas chegaria a mantê-las nessa lista depois da eleição?

2 comentários:

Anônimo disse...

Ambos dizem priorizar a educação. Mas o que isso significa na prática? A área de ciência e tecnologia, essencial ao desenvolvimento, continuará fazendo figuração? De onde tirar verbas para fortalecer o SUS? Como gerar empregos num mundo em recessão? Que será feito para reduzir o desmatamento? Qual será a política de segurança, para além do debate sobre armas? Qual será a postura em relação à corrupção? Como tratar a carência de moradia? Haverá compromisso com rigor fiscal? Que será feito do orçamento secreto? Se o Lula fizer o que fez nos seus dois mandatos será muito melhor do que Bolsonaro.
Então essas perguntas foram respondidas.
Essa dúvida nunca existiu.
Foi criada por quem ainda,depois de tudo que se viu nesse mandato de Bolsonaro, por quem ainda o quer como presidente e não tem como justificar tal apoio.

Anônimo disse...

"Lula e Bolsonaro transformaram a campanha eleitoral numa guerra suja — e evitam assumir compromissos"

Essa assimetria não existe, Globo.
O genocida e pedófilo é monstro.
Lula é um homem com 36 honoris causa.

O q isso tem com o artigo? Tudo. A guerra suja tem origem no canalha da República. O pessoal do Lula só se defende.
Qd o articulista fala em Lula e Bozo ele esquece o gabinete do ódio; Lula não tem isso, ainda q esteja pelejando - isto é, q esteja REagindo..

Eu não deixaria ESSE velhote com 5 esposas vivas perto de minha filha menor porque ele pode achar q "pinta um clima".

Muito mais, inegavelmente, confiável é o Lula. Só o gado pervertido não vê.