Eu & Fim de Semana / Valor Econômico
O brasileiro que opina nessas questões não
é um brasileiro de certezas, mas de incertezas, contradições e dúvidas
O aparente desencontro entre as pesquisas
de opinião eleitoral que antecederam as eleições de 2 de outubro e os efetivos
resultados das urnas não tem nada a ver com as suspeitas levantadas contra essa
modalidade de prognóstico estatístico. Os pesquisadores não calculam só a
probabilidade de acerto, mas também o erro amostral. Isto é, a probabilidade de
desacerto na representatividade quantitativa das opiniões manifestadas.
A probabilidade de acerto é indicativa da possibilidade de que o candidato com maior número de opções vença a eleição. Mas não é garantia de que isso aconteça. Imprevistos de conscientização lenta, como a violação do sagrado, por Bolsonaro e por bolsonaristas, no Círio de Nazaré e na Basílica de Aparecida, são do tipo que repercutem mesmo na consciência de quem não é católico. É como aquele episódio não esquecido do evangélico que chutou a santa. As determinações da circunstância cambiante e seus imprevistos podem mudar opções.
A formação de opinião e a tomada de
decisão, em casos assim, não é individual, é um processo social. As
configurações, quaisquer que sejam, são momentos desse processo, são resultados
provisórios que se reconfiguram no tempo dos dias que faltam para a eleição e o
fechamento das urnas.
Nessas pesquisas, as categorias de
referência para estudo dos fatores da decisão do eleitor talvez não abranjam
todas as singularidades do processo social de sua decisão. Mesmo que sujeitos à
influência de vários agentes partidários, tem ele algumas referências pétreas,
suas.
Em nosso caso, têm sido considerados os
rendimentos das famílias, frequentemente tomados como indícios da diferenciação
de classes sociais, que não o são. Classe social envolve um conjunto extenso de
variáveis não econômicas expressas na consciência política, o que difere de
opinião eleitoral. Há nela um conjunto extenso de variáveis sociológicas e
antropológicas não redutíveis a rendimentos. A concepção popular da economia
tende a ser a de economia moral, a que influencia no voto.
As pesquisas têm pressuposto, também, a
influência da religião nos seus resultados, com destaque para a diferença
presumível entre evangélicos e católicos. Eficácia política da religião é
completamente diferente nos dois grupos. Entre os evangélicos vinculados às
igrejas de massa, como as dos grandes templos, e os das pequenas igrejas
pentecostais, socialmente comunitárias, há diferenças de mentalidade, de
comportamento e da concepção do sagrado.
As pequenas igrejas não são necessariamente
as de púlpito usurpado por aproveitadores políticos com frases de efeito. O
candidato é que é imaginariamente capturado e usado pelas igrejas. Bolsonaro
está usando politicamente as igrejas. Mas também está sendo usado por elas em
sentido diverso do que supõe.
Nesses grupos, a igreja local é o grupo de
referência, mas sua sociabilidade comunitária estende a multiplicação da
interpretação das falas e dos fatos para a informalidade da conversação dos
crentes de um mesmo grupo de relações face a face fora do templo. Seu objetivo
é outro.
Catolicismo é completamente diferente entre
o dos católicos identificados com o Concílio Vaticano II e seus desdobramentos
e o dos demais católicos. Desde João XXIII, em suas encíclicas e documentos, a
Igreja Católica tem adotado como uma das referências de sua ação pastoral a superação
da alienação social na disseminação da fé. A preocupação é contra o que
escraviza e coisifica o homem e o priva da liberdade interior de crer. É o
oposto do fundamentalismo de guerra santa, especialmente de igrejas
evangélicas.
Embora essas distinções se traduzam na ação
política, há diferenças significativas na influência de líderes religiosos na
opção eleitoral por Lula ou Bolsonaro, como mostrou pesquisa do Datafolha,
encomendada pela TV Globo e pela “Folha de S. Paulo”.
Para os eleitores de Lula, 30% são
influentes. Para os eleitores de Bolsonaro, 43% mencionam influência dos
líderes religiosos. Apesar da pouca evidência concreta de valores do
cristianismo, em suas falas e em suas ações de governo, como a compaixão, o
amor ao próximo, a paz, a caridade. Uma contradição entre o candidato e sua
religiosidade que o torna vulnerável.
Provavelmente, fatores decisivos na formação da opinião eleitoral ficam de fora da avaliação nas análises de tendência de voto porque não consideradas nas classificações sociais adotadas. São estatisticamente sociais, mas não são qualitativamente sociológicas nem antropológicas. O brasileiro que opina nessas questões não é um brasileiro de certezas, mas de incertezas, contradições e dúvidas. É o brasileiro das categorias residuais das decisões de última hora.
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