sexta-feira, 21 de outubro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

TSE tem fracassado no combate à desinformação

O Globo

Corte adota medidas de efeito incerto, enquanto comete excessos ao vetar e determinar remoção de conteúdos

Depois de reunião com as principais plataformas digitais, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) seguiu ontem a recomendação do presidente da Corte, ministro Alexandre de Moraes, e determinou “medidas mais duras” para combater a disseminação de fake news no segundo turno. As plataformas terão até duas horas para remover a desinformação (antes, tinham 48). Além disso, foi vedada a propaganda eleitoral paga na internet nos dois dias anteriores e no dia seguinte à eleição. O efeito disso é incerto.

A verdade é que a luta do TSE contra a desinformação se revelou ineficaz e, ao mesmo tempo, tem criado riscos inaceitáveis para a democracia. A ação no tempo analógico da Justiça Eleitoral fracassou reiteradas vezes para deter um inimigo que opera na velocidade digital. Mesmo vetados, continuavam acessíveis nas redes vídeos absurdos associando o candidato Jair Bolsonaro (PL) a canibalismo e seu adversário, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao crime organizado e ao fechamento de igrejas.

Pode até ser que doravante o prazo menor para retirar conteúdos do ar ajude, mas o maior estrago da desinformação já está feito. Ao mesmo tempo, no afã de controlá-la, diversas vezes o TSE se excedeu determinando vetos e exclusões sem nenhum cabimento.

Foi o caso da entrevista em que a senadora Mara Gabrilli (PSDB) associava Lula ao assassinato do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel, de notícias vinculando o petista ao ditador nicaraguense Daniel Ortega, de vídeos de campanha em que é chamado de “corrupto” ou “ladrão”, das proibições a um documentário da produtora Brasil Paralelo e à citação das condenações de Lula na emissora Jovem Pan. Na propaganda eleitoral, o TSE chegou ao cúmulo de vetar uma fala do ex-ministro do Supremo Marco Aurélio Mello afirmando que Lula não foi inocentado. Por mais que todos esses conteúdos possam ser criticados, tais decisões põem o TSE no papel inadmissível de censor de opiniões políticas e conteúdos de natureza jornalística.

A consequência imediata mais nefasta é insuflar as teorias da conspiração bolsonaristas que veem na Justiça Eleitoral ação partidária em favor de Lula. Mas levantamento do GLOBO mostrou que, até o último dia 10, o TSE recebera 87 pedidos para remover postagens. Atendera a cinco dos seis feitos pela campanha de Bolsonaro e a 35 dos 67 feitos por aliados de Lula.

O uso de fake news para manipular o eleitorado foi trazido ao Brasil pela campanha de Bolsonaro em 2018, que aperfeiçoou métodos americanos. Nesta campanha, é provável que a desinformação circulando seja muito maior que a detectada, pois as campanhas de Bolsonaro e Lula têm se dedicam com afinco ao meio digital. Lula pediu a 18 mil comunicadores que suspendessem as “horas vagas” na reta final. Em live com Bolsonaro, o influenciador Pablo Marçal recomendou que todos esquecessem “a própria reputação para defender esta nação”.

O TSE fez bem, portanto, em se mobilizar para lidar com a desinformação. Mas já dá para concluir que a iniciativa não deu muito certo. Enquanto as próprias plataformas não puderem ser responsabilizadas por veicular informações criminosas, serão um instrumento eficaz para manipulação da opinião pública. Quanto ao TSE, precisa tomar todo cuidado para, a pretexto de zelar pelos valores democráticos, não exercer o papel de censor, deteriorando a mesma democracia que se pôs a salvar.

Criminalizar pesquisas eleitorais equivale a cercear direito do eleitor

O Globo

Câmara aprovou regime de urgência para votar projeto sem cabimento lógico nem científico

Numa cruzada insana contra as pesquisas eleitorais, a Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira regime de urgência para tramitação do projeto descabido que as criminaliza no caso de os resultados das urnas se revelarem diferentes dos apontados pelos institutos. Não bastasse a proposta atropelar a lógica e o bom senso, a urgência é injustificável. Por que a pressa para tocar, em plena eleição, um projeto parado há 11 anos?

Para agravar o festival de sandices, outras propostas foram acrescentadas ao texto original do deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR). O deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, quer instituir o crime de “publicação de pesquisa eleitoral cujos números divergem dos resultados apurados nas urnas”, um despautério. O projeto tenta enquadrar institutos que divulgarem, 15 dias antes das eleições, pesquisas com números acima das margens de erro em relação aos constatados nas urnas. Estatísticos responsáveis pelas pesquisas, representantes legais dos institutos e da empresa que contratou a sondagem ficariam sujeitos a multa e pena de reclusão de até dez anos.

De nada adianta o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), alegar que ficou acertado em acordo que o projeto não criminalizará os institutos já que a punição é o ponto central das propostas. O projeto é apenas uma das frentes do cerco contra as pesquisas. Depois do primeiro turno, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) apresentou pedido para criação de uma CPI para investigar “expressivas discrepâncias” nas pesquisas. O Ministério da Justiça e o Cade, extrapolando suas funções, determinaram abertura de investigações com o mesmo propósito. A insensatez não foi adiante porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) barrou as iniciativas.

A histeria do bolsonarismo com as pesquisas é injustificada. Não passa de tentativa tola de espalhar teses conspiratórias sobre essa ferramenta essencial para informação dos eleitores. Os arautos da ignorância invocam uma pseudociência para exigir que as pesquisas “acertem” o resultado das urnas, um absurdo, já que pesquisa não é previsão nem projeção. As pesquisas eleitorais são apenas um retrato do momento. Sofrem a influência de fatores como abstenção, mudanças de última hora na intenção de voto (o eleitor pode mudar de ideia dentro da cabine), voto útil etc. Claro que as discrepâncias devem ser estudadas, mas de forma serena, sem chantagens ou pressões descabidas.

O objetivo dessas iniciativas, claramente, é intimidar as empresas e inviabilizar as pesquisas. Se essa proposta ridícula prosperar no Congresso, na prática a punição cairá sobre o eleitor, cujo direito à informação, essencial numa democracia, será cerceado. No lugar de pesquisas científicas realizadas por institutos sérios com base em metodologia transparente, proliferarão nas vésperas do pleito os números escusos, obtidos sabe-se lá como, financiados sabe-se lá por quem. Será esse o objetivo dos congressistas?

Acirrada e pobre

Folha de S. Paulo

Com distância reduzida entre Lula e Bolsonaro, campanha perde mais em conteúdo

Ainda que só tenha registrado variações dentro da margem de erro, a mais recente pesquisa Datafolha sobre a eleição presidencial reforça a percepção de que a disputa é acirrada. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mantém 49% das intenções totais de voto, enquanto Jair Bolsonaro (PL), que marcava 44% na semana passada, agora tem 45%.

Trata-se de diferença no limite da margem de erro do levantamento, que é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. Há ainda 5% que declaram voto branco ou nulo e 1% indeciso. Os que admitem a hipótese de mudar a opção declarada são 6% —um percentual relativamente pequeno, mas suficiente para decidir o pleito.

Em votos válidos, ou seja, desconsiderando os que não manifestam preferência por nenhum dos candidatos, o petista mantém uma estreita vantagem, de 52% a 48% ante o presidente da República.

Nesta reta final da corrida ao Palácio do Planalto, cada um procura reduzir a sua taxa de rejeição e elevar a do adversário —e as de ambos são muito elevadas. Tal cenário, desnecessário dizer, não estimula o debate programático e o bom nível da campanha.

Lula e aliados, que se entregaram a ataques pessoais ao mandatário, tentam em outra frente ganhar pontos no público evangélico. Nesse contingente, estimado em cerca de um quarto do eleitorado, o Datafolha mostra Bolsonaro com ampla dianteira de 65% a 27%.

A pouco mais de uma semana do segundo turno, o petista recorreu a uma carta aos religiosos, na qual se disse contra o aborto e chegou ao detalhe de negar que apoiaria banheiros unissex em escolas.

Já Bolsonaro, apoiado por uma portentosa máquina disseminadora de informações falsas, prossegue também no uso descarado da máquina pública —embora seja quase impossível repetir algo da magnitude dos já promovidos aumento do Auxílio Brasil e corte de tributos sobre combustíveis.

Agora, ativa-se o empréstimo consignado para beneficiários do auxílio, uma iniciativa apressada de direcionamento de crédito. Em iniciativa similar, nesta semana foi permitida a vinculação do FGTS do trabalhador a pagamentos futuros de prestação imobiliária. Nenhum dos casos parece exemplo de política pública bem concebida.

Com a diferença pequena entre as intenções de voto, até a oferta de transporte público gratuito no dia do pleito tornou-se objeto de disputas judiciais —afinal, a taxa de abstenção pode influenciar o resultado final. A campanha, infelizmente, vai se concentrando em baixezas e temas laterais.

Brexit

Folha de S. Paulo

Após anúncio de corte de impostos e troca de ministros, Liz Truss renuncia

Chegou ao fim, depois de fugazes 44 dias, o tormentoso governo de Liz Truss no Reino Unido.

Anunciada nesta quinta (20), a renúncia ao cargo de primeira-ministra constitui o desfecho do vertiginoso processo de desintegração de sua liderança política —iniciado com o lançamento de propostas controversas para a área econômica que fizeram a libra colapsar.

Truss, cujo mandato está entre os mais breves da história britânica, chegou ao poder no começo de setembro, substituindo o bufão Boris Johnson, que, acossado por escândalos, renunciara ao cargo.

Sem receber a chancela das urnas, a primeira-ministra foi escolhida por meio de um processo interno do Partido Conservador, no qual tiveram voz e voto apenas parlamentares da legenda, na primeira fase, e seus filiados, na etapa final.

Sua ascensão se deu em meio a um contexto econômico especialmente difícil, com o aumento das contas de eletricidade e gás numa inflação que já atinge dois dígitos, além de uma recessão iminente.

O remédio oferecido para tais problemas, contudo, não poderia ter sido pior. Seu plano econômico, que previa os maiores cortes de impostos em meio século, mas sem medidas que compensassem o rombo na arrecadação, alarmou os investidores internacionais e recebeu críticas até do FMI.

A cotação da libra despencou, atingindo mínimas históricas em relação ao dólar e levando o Banco da Inglaterra a reagir com uma intervenção de emergência.

Numa reviravolta politicamente humilhante, Truss teve de retroceder em praticamente tudo. Para salvar a própria pele, demitiu o ministro das Finanças, arquiteto do plano e seu maior aliado.

Mas a mudança de rota forçada não foi suficiente para estancar a crise e, assim, a popularidade da líder naufragou. Segundo pesquisa publicada na terça (18), 87% dos britânicos consideravam que ela conduzia mal a economia. Já a desaprovação ao governo chegou a 77% —maior patamar em 11 anos.

Na quarta, a saída de mais um ministro de peso e a perda de apoio de boa parte dos correligionários conservadores selou de forma melancólica seu destino.

Com a derrocada histórica de Liz Truss, abre-se um novo período de incertezas no Reino Unido.

Enquanto a oposição ainda pressiona por novas eleições, que em tese só deveriam ocorrer em 2025, o Partido Conservador, consumido por disputas internas, parece não saber ao certo que rumo dar a um país que, desde o polêmico plebiscito do brexit, acostumou-se a tropeçar nas próprias pernas.

As piruetas retóricas de Lula

O Estado de S. Paulo

Chefão petista quer que eleitores acreditem que o Foro de SP, clube de esquerdistas autoritários, foi criado para moderar a esquerda latino-americana; se isso é verdade, fracassou

Há alguns dias, o chefão petista Lula da Silva sugeriu que criou o Foro de São Paulo para moderar a esquerda latino-americana. “Fiz questão de chamar todo mundo aqui para dizer para os caras: ‘Ô, cara, a gente pode chegar pelo voto, a gente pode se organizar e acreditar no povo que a gente pode chegar pelo voto’. E obviamente que todo mundo chegou.” Obviamente que não. É um toque de ironia macabra que mais esse gesto de exaltação de um clube de autoritários, que defendeu o “direito” da ditadura de Daniel Ortega na Nicarágua de prender opositores (inclusive padres), tenha sido feito por Lula num encontro com freiras e padres.

O Foro, uma verdadeira frente ampla autocrática, já nasceu retrógrado, na visita de Fidel Castro a Lula em São Bernardo do Campo, em 1990, quando o déspota cubano instou a esquerda a reagir à queda do Muro de Berlim. Sua primeira Declaração manifestava “um compromisso com a validade dos direitos humanos, da democracia e da soberania popular como valores estratégicos, que impõem um constante desafio às forças esquerdistas, socialistas e progressistas de renovar seus pensamentos e ações”. O fracasso em cada um desses compromissos foi retumbante e catastrófico para os povos de países como Venezuela, Cuba ou Nicarágua, mergulhados sempre mais fundo na miséria econômica, social, política e moral por ditaduras militares comandadas por clãs familiares.

O malogro em “moderar” a esquerda é só mais um pelos quais o Partido dos Trabalhadores (PT) não está disposto a se redimir. Ao contrário, a culpa é sempre dos outros, em especial das conspirações do “imperialismo neoliberal” norte-americano. Não fosse por isso, já disse Lula, Cuba seria a Holanda, ou seja, um regime democrático e capitalista com um irretocável histórico de tolerância civil e religiosa. 

Com cinismo inacreditável mesmo para seus padrões, Lula perguntou, há menos de um ano, “qual é a lógica” de cobrar um limite ao poder de Ortega e não fazer o mesmo quando se tratava da chanceler alemã Angela Merkel, como se as seguidas vitórias eleitorais de Merkel, em eleições limpas, pudessem se comparar ao regime de exceção nicaraguense. Também não faz muito tempo que Lula exprimiu admiração pelo “controle e poder de comando” do Partido Comunista da China – não por acaso, festejado pelo Foro de São Paulo em nota, no último dia 17, na qual cumprimentava o “camarada” Xi Jinping e seu “trabalho excepcional para melhorar as condições de vida de seu povo” – sem dedicar nenhuma palavra de condenação às conhecidas violações de direitos humanos na China.

Se é flagrante que Lula não conseguiu “moderar” a esquerda latino-americana, é questionável se conseguiu moderar seu próprio partido. Pelo que disse aos religiosos, só em 1989 – após a Constituição à qual se opôs – ele se deu conta de que “era possível a gente ganhar pelo voto sem precisar dar um tiro, sem precisar fazer nada de guerra”. De fato, a luta do PT se deu com outras armas: uma oposição irresponsável, que sabotou todo tipo de política econômica na expectativa de que a ruína do País favorecesse os projetos de poder de Lula; e um governo ainda mais irresponsável, que subornou parlamentares, aparelhou a máquina pública e atropelou as regras fiscais para sustentar sua ambição hegemônica ao poder.

Assim como outros próceres autoritários do Foro de São Paulo, o PT, quando fala em democracia, que Lula agora se oferece para salvar, está se referindo a um tipo muito peculiar de democracia – que o digam aqueles que tiveram sua reputação destruída pelos petistas porque ousaram questionar o Partido dos Trabalhadores e seu Grande Líder.

Muitos eleitores depositarão um voto a Lula exclusivamente motivados pela rejeição a Jair Bolsonaro, com sólidas e bem fundadas razões, a começar pelos riscos reais que o bolsonarismo impõe à democracia. Mas que seja um voto sem ilusões. Um novo mandato de Lula (seu terceiro, e o quinto do PT) pode bem ser, na atual conjuntura, um mal menor que um segundo mandato consecutivo de Bolsonaro. Ainda assim é um mal – e bem grande. 

A recalcitrância da Defesa

O Estado de S. Paulo

Demora em divulgar conclusão dos testes nas urnas indica instrumentalização das Forças Armadas por Bolsonaro

A obstinada resistência do Ministério da Defesa em divulgar o resultado do trabalho de “fiscalização” do processo eleitoral no primeiro turno autoriza a inferência de que as Forças Armadas foram instrumentalizadas em nome do interesse privado de um dos candidatos à Presidência, o incumbente Jair Bolsonaro. À luz da Constituição, isso é inadmissível.

Ganhando ou perdendo, é quase certo que Bolsonaro contestará o resultado da eleição no próximo dia 30. Por isso, postergar a divulgação de um relatório que decerto não apontará uma nesga de vulnerabilidade na segurança do sistema eleitoral é uma prestação de serviço à litania golpista do atual mandatário.

No dia 18 passado, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, determinou que a Defesa apresentasse o relatório dos testes realizados no primeiro turno em 48 horas. O prazo venceu e nenhum resultado foi apresentado. A justificativa da pasta beira a chicana, explorando a acepção das palavras “auditoria” e “fiscalização”. À Defesa não caberia fazer uma “auditoria” do sistema eleitoral; logo, não haveria razão para divulgar o resultado de um trabalho que a pasta simplesmente não poderia realizar. Um acinte à inteligência alheia.

Em documento enviado ao TSE, a Defesa alegou que “a emissão de um relatório parcial, baseado em fragmentos de informação”, isto é, os boletins de urna do primeiro turno, “pode resultar inconsistente com as conclusões finais do trabalho, razão pela qual não foi emitido”. A pasta informou que só divulgará a conclusão do trabalho 30 dias após o segundo turno.

Essa recalcitrância só seria explicável por duas razões, e nenhuma delas lisonjeira: ou os técnicos designados pela pasta revelaram-se incompetentes para realizar a tarefa que lhes foi atribuída – algo difícil de acreditar – ou a aferição da higidez da votação no primeiro turno pelos militares não correspondeu àquilo que Bolsonaro gostaria de ver divulgado.

Pouco depois do término da votação, o TSE informou que os testes biométricos realizados com 2.044 eleitores de 58 seções eleitorais comprovaram a lisura do processo. Nenhuma divergência entre votos digitados e votos totalizados foi encontrada. Esse processo não foi feito às escuras por técnicos da Corte. Muitos puderam acompanhá-lo, inclusive militares. Por sua vez, o Tribunal de Contas da União, que também realizou testes de certificação da segurança do sistema eleitoral, chegou à mesma conclusão. Ora, é extremamente improvável que só os testes realizados pela Defesa teriam apresentado inconsistências. E, caso houvesse discrepâncias, Bolsonaro teria sido o primeiro a alardeá-las. Não o fez porque não há, é tão simples quanto isso.

Há poucos dias, o presidente da Câmara, Arthur Lira, afirmou que “o resultado das eleições, feitas por urna eletrônica, será respeitado pelo Congresso, pelas instituições brasileiras, pelos parlamentares e pelo povo”. Isso revela que Bolsonaro está sozinho em sua cruzada antidemocrática. Resta tentar obter o respaldo das Forças Armadas – que, em nome da Constituição e da reputação construída na Nova República, não podem se prestar a essa baixeza. 

Descaso com a educação básica

O Estado de S. Paulo

Execução orçamentária pífia do MEC, conforme estudo do Todos pela Educação, revela que ensino básico não é prioridade do governo, a despeito das promessas de Bolsonaro

A baixa execução orçamentária do Ministério da Educação (MEC) no ensino básico reflete o desleixo do governo nessa área crucial para o País. Um recente balanço realizado pelo movimento Todos pela Educação com base nos pagamentos e empenhos (fase anterior ao desembolso) do último quadrimestre de 2021 mostra que as rubricas destinadas à educação básica tiveram a menor taxa de pagamento (77%) e a menor taxa de empenho (93%) na comparação com as demais áreas do Ministério − administração e encargos, ensino superior e educação profissional. 

A radiografia da execução orçamentária do MEC apontou outra distorção: no exercício de 2021, de acordo com o relatório do Todos pela Educação, não foram feitos pagamentos relativos a emendas parlamentares individuais e de bancada, que têm caráter impositivo e primam pela transparência, com a devida divulgação de seus autores. Tratamento bem diferente foi dado às emendas de relator, que compõem o chamado orçamento secreto e servem à cooptação política de deputados e senadores por parte do Palácio do Planalto. Os desembolsos do MEC referentes a emendas do orçamento secreto atingiram 25% do total previsto.

Lamentável ainda foi a baixa execução orçamentária de um órgão da importância do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável, simplesmente, pelas principais avaliações e estatísticas de educação no País. O Inep foi o órgão com a menor taxa de pagamentos relacionados à educação básica no último quadrimestre de 2021, menos de 40%. Motivo: baixos índices de pagamentos referentes ao Censo Escolar (31%) e a exames e avaliações (39%).

Tudo isso corrobora a sensação de que o Brasil perdeu tempo e andou para trás na educação durante o governo de Jair Bolsonaro, como constatam incontáveis professores, gestores, estudantes e quem quer que se debruce, com um mínimo de isenção, sobre o legado dos últimos quatro anos. Sob Bolsonaro, o MEC desfigurou-se e perdeu protagonismo naquela que é a sua função maior: agir, em colaboração com Estados e municípios, para garantir a qualidade do ensino e mais oportunidades educacionais em todo o território nacional.

O líder de Relações Governamentais do Todos Pela Educação, Lucas Hoogerbrugge, resumiu assim o quadro revelado pela execução orçamentária do Ministério: “Nos causa muita tristeza ver o MEC se apequenando ao longo dos últimos anos”.

Nestes tempos de polarização política e em meio a uma campanha eleitoral tão acirrada, é comum que críticas à atuação do presidente sejam relativizadas por quem simpatiza com sua candidatura. Mesmo os eleitores de Bolsonaro, porém, haverão de ter dificuldade para apontar verdadeiras contribuições do atual governo a favor da educação brasileira. Se houve transformações, infelizmente, foram para pior. 

Não é preciso recorrer a nenhum opositor ou crítico de Bolsonaro para escancarar o malogro, em especial na educação básica – justamente a área anunciada pelo presidente como sua prioridade, em discurso depois de sua posse. Corretamente, Bolsonaro disse, na ocasião, que a educação básica “é a que realmente transforma o presente e faz o futuro de nossos filhos”.

Tal promessa não só se perdeu no tempo, como quase tudo o que o presidente e sua equipe fizeram dali para a frente desmentiu o discurso da posse e implodiu avanços que poderiam ter ocorrido. Um punhado de escolas foi militarizada em nome da disciplina, um ministro da Educação chegou a estimular que alunos filmassem professores para denunciá-los e o governo cortou drasticamente verbas para a construção de creches. De quebra, patrocinou um projeto para permitir a educação domiciliar, que, na prática, servia para demonizar os professores e as escolas, vistos pelos bolsonaristas radicais como agentes de perversão das crianças. 

Em recente entrevista ao Estadão, a presidente do Conselho da Fundação Tide Setubal, Neca Setubal, classificou Bolsonaro como um “desastre” para o ensino público. “A gente retrocedeu dez anos”, afirmou ela. Por isso, não há tempo a perder: ensino de qualidade, e para todos, é premissa para o desenvolvimento. A educação brasileira precisa de uma reviravolta urgente. E a educação básica deve ser efetivamente priorizada. 

Estímulos oficiais adiam desaceleração da economia

Valor Econômico

A desaceleração parece inevitável diante das nuvens negras que cobriram o cenário externo

A esperada desaceleração da economia brasileira vai sendo postergada pelos efeitos dos estímulos concedidos pelo governo. Da mesma forma, o aperto monetário, que chegou ao fim (até segunda ordem), tem sido mitigado pela mesma razão, enquanto que a inflação, excluído o efeito da retirada e diminuição dos impostos sobre combustíveis, cai a uma velocidade menor que o IPCA cheio. O PIB deverá ser positivo no terceiro trimestre e é possível que avance marginalmente no último trimestre do ano.

Acréscimos à renda, eleitoreiros ou não, estão movendo o setor de serviços, que continua puxando o desempenho da economia e produzindo curiosos contrastes. Os indicadores antecedentes e coincidentes de setembro, listados pelo Valor (edição de ontem), estão todos negativos, da produção de veículos às consultas ao SPC, menos um: o índice de confiança do consumidor (FGV), que dá um salto de 6,46%.

Indústria e varejo ampliado tiveram resultado negativo no terceiro trimestre, enquanto que os serviços permanecem crescendo (1,3% em julho, 0,7% em agosto). Como a produção industrial e as vendas do varejo ampliado estão em queda, são os serviços ligados à renda do consumidor os que estão sustentando o crescimento. Ao mesmo tempo, com a demanda relativamente aquecida, a inflação do setor, de 8,5% em 12 meses terminados em setembro, é superior ao IPCA, de 7,2%. “Serviços ainda estão mais fortes que o esperado, sempre surpreendendo para cima”, avalia Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro, da FGV, que prevê crescimento da economia de 2,7% no ano corrente.

Puxam o consumo até agora a redução rápida do desemprego e, mais recentemente, a interrupção da queda dos salários, por seu lado, reforçada pelo recuo da inflação. Depois, os estímulos oficiais de crédito, desonerações, reduções de impostos sobre combustíveis e bens essenciais compõem poderoso impulso às atividades. O Auxílio Brasil concederá até o fim do ano R$ 60 bilhões para 20 milhões de famílias, um acréscimo de R$ 46,5 bilhões em relação ao que seria pago caso o Bolsa Família tivesse sido mantido (a dotação do programa em 2019, último ano em que funcionou em caráter pleno, foi de R$ 33,5 bilhões).

Além disso, há deflação nos preços dos bens administrados, que vem sendo capturada pelos consumidores, como a queda de mais de 30% no preço dos combustíveis. As antecipações dos pagamentos de aposentadoria e liberação do FGTS delineam um conjunto que atinge algo como 2,5% do PIB, um forte estímulo para sustentar a expansão, enquanto durarem. Com tanto apoio, o país está condenado a crescer - por algum tempo.

O Monitor do PIB, feito pela FGV, aponta outro fator de dinamismo: o crescimento dos investimentos (formação bruta de capital fixo). “Houve em agosto forte importação de máquinas e equipamentos”, disse Claudio Considera, economista da FGV. O Boletim Macro aponta um desempenho robusto de outro item da FBCF, o da construção civil, com 6% no terceiro trimestre deste ano ante o terceiro de 2021. Na mesma base de comparação, os serviços avançam 3,7%.

Os dois candidatos à Presidência não desligarão boa parte das fontes de estímulo. Bolsonaro vai manter zerados os impostos federais sobre combustíveis e os R$ 600 para o Auxílio Brasil, uma conta que atinge R$ 100 bilhões. O ex-presidente Lula prometeu manter Auxílio Brasil e isentar de imposto de renda as pessoas que ganhem até R$ 5 mil.

A desaceleração parece inevitável diante das nuvens negras que cobriram o cenário externo, com juros em alta e retração global. No entanto, o maior crescimento em 2022 reverteu a expectativa, antes majoritária, de que 2023 será um ano de recessão. O boletim Focus mostra que a expectativa sobre o PIB do ano que vem teve melhora, de 0,5% há quatro semanas, para 0,59% agora.

Com a política fiscal indo na direção contrária à da política monetária, a inflação tende a cair mais devagar e, talvez, menos. O IPCA recuou basicamente devido aos combustíveis. A média dos núcleos de preços em setembro foi de 10,2%, segundo o Banco Central, ante 7,2% do IPCA. No terceiro trimestre, o IPCA teve deflação acumulada de 1,33%. Excluindo-se energia e gasolina, porém, haveria inflação de 1,35%. O IPCA voltará a subir em outubro, segundo o Monitor, por pressão dos alimentos. Se a inflação de 2024 se desgarrar da meta e a de 2023 não se acomodar no intervalo de tolerância (está em 4,9% no Focus), o BC terá de agir de novo

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