TSE tem fracassado no combate à desinformação
O Globo
Corte adota medidas de efeito incerto,
enquanto comete excessos ao vetar e determinar remoção de conteúdos
Depois de reunião com as principais
plataformas digitais, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) seguiu ontem a
recomendação do presidente da Corte, ministro Alexandre de Moraes, e determinou
“medidas mais duras” para combater a disseminação de fake news no segundo
turno. As plataformas terão até duas horas para remover a desinformação (antes,
tinham 48). Além disso, foi vedada a propaganda eleitoral paga na internet nos
dois dias anteriores e no dia seguinte à eleição. O efeito disso é incerto.
A verdade é que a luta do TSE contra a desinformação se revelou ineficaz e, ao mesmo tempo, tem criado riscos inaceitáveis para a democracia. A ação no tempo analógico da Justiça Eleitoral fracassou reiteradas vezes para deter um inimigo que opera na velocidade digital. Mesmo vetados, continuavam acessíveis nas redes vídeos absurdos associando o candidato Jair Bolsonaro (PL) a canibalismo e seu adversário, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao crime organizado e ao fechamento de igrejas.
Pode até ser que doravante o prazo menor
para retirar conteúdos do ar ajude, mas o maior estrago da desinformação já
está feito. Ao mesmo tempo, no afã de controlá-la, diversas vezes o TSE se
excedeu determinando vetos e exclusões sem nenhum cabimento.
Foi o caso da entrevista em que a senadora
Mara Gabrilli (PSDB) associava Lula ao assassinato do ex-prefeito de Santo
André Celso Daniel, de notícias vinculando o petista ao ditador nicaraguense
Daniel Ortega, de vídeos de campanha em que é chamado de “corrupto” ou
“ladrão”, das proibições a um documentário da produtora Brasil Paralelo e à
citação das condenações de Lula na emissora Jovem Pan. Na propaganda eleitoral,
o TSE chegou ao cúmulo de vetar uma fala do ex-ministro do Supremo Marco
Aurélio Mello afirmando que Lula não foi inocentado. Por mais que todos esses
conteúdos possam ser criticados, tais decisões põem o TSE no papel inadmissível
de censor de opiniões políticas e conteúdos de natureza jornalística.
A consequência imediata mais nefasta é
insuflar as teorias da conspiração bolsonaristas que veem na Justiça Eleitoral
ação partidária em favor de Lula. Mas levantamento do GLOBO mostrou que, até o
último dia 10, o TSE recebera 87 pedidos para remover postagens. Atendera a
cinco dos seis feitos pela campanha de Bolsonaro e a 35 dos 67 feitos por
aliados de Lula.
O uso de fake news para manipular o
eleitorado foi trazido ao Brasil pela campanha de Bolsonaro em 2018, que
aperfeiçoou métodos americanos. Nesta campanha, é provável que a desinformação
circulando seja muito maior que a detectada, pois as campanhas de Bolsonaro e
Lula têm se dedicam com afinco ao meio digital. Lula pediu a 18 mil
comunicadores que suspendessem as “horas vagas” na reta final. Em live com
Bolsonaro, o influenciador Pablo Marçal recomendou que todos esquecessem “a
própria reputação para defender esta nação”.
O TSE fez bem, portanto, em se mobilizar
para lidar com a desinformação. Mas já dá para concluir que a iniciativa não
deu muito certo. Enquanto as próprias plataformas não puderem ser
responsabilizadas por veicular informações criminosas, serão um instrumento
eficaz para manipulação da opinião pública. Quanto ao TSE, precisa tomar todo
cuidado para, a pretexto de zelar pelos valores democráticos, não exercer o
papel de censor, deteriorando a mesma democracia que se pôs a salvar.
Criminalizar pesquisas eleitorais equivale
a cercear direito do eleitor
O Globo
Câmara aprovou regime de urgência para
votar projeto sem cabimento lógico nem científico
Numa cruzada insana contra as pesquisas
eleitorais, a Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira regime de urgência
para tramitação do projeto descabido que as criminaliza no caso de os
resultados das urnas se revelarem diferentes dos apontados pelos institutos.
Não bastasse a proposta atropelar a lógica e o bom senso, a urgência é
injustificável. Por que a pressa para tocar, em plena eleição, um projeto
parado há 11 anos?
Para agravar o festival de sandices, outras
propostas foram acrescentadas ao texto original do deputado Rubens Bueno
(Cidadania-PR). O deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara,
quer instituir o crime de “publicação de pesquisa eleitoral cujos números
divergem dos resultados apurados nas urnas”, um despautério. O projeto tenta
enquadrar institutos que divulgarem, 15 dias antes das eleições, pesquisas com
números acima das margens de erro em relação aos constatados nas urnas.
Estatísticos responsáveis pelas pesquisas, representantes legais dos institutos
e da empresa que contratou a sondagem ficariam sujeitos a multa e pena de
reclusão de até dez anos.
De nada adianta o presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), alegar que ficou acertado em acordo que o projeto não
criminalizará os institutos já que a punição é o ponto central das propostas. O
projeto é apenas uma das frentes do cerco contra as pesquisas. Depois do
primeiro turno, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) apresentou pedido para
criação de uma CPI para investigar “expressivas discrepâncias” nas pesquisas. O
Ministério da Justiça e o Cade, extrapolando suas funções, determinaram
abertura de investigações com o mesmo propósito. A insensatez não foi adiante
porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) barrou as iniciativas.
A histeria do bolsonarismo com as pesquisas
é injustificada. Não passa de tentativa tola de espalhar teses conspiratórias
sobre essa ferramenta essencial para informação dos eleitores. Os arautos da
ignorância invocam uma pseudociência para exigir que as pesquisas “acertem” o
resultado das urnas, um absurdo, já que pesquisa não é previsão nem projeção.
As pesquisas eleitorais são apenas um retrato do momento. Sofrem a influência
de fatores como abstenção, mudanças de última hora na intenção de voto (o eleitor
pode mudar de ideia dentro da cabine), voto útil etc. Claro que as
discrepâncias devem ser estudadas, mas de forma serena, sem chantagens ou
pressões descabidas.
O objetivo dessas iniciativas, claramente, é intimidar as empresas e inviabilizar as pesquisas. Se essa proposta ridícula prosperar no Congresso, na prática a punição cairá sobre o eleitor, cujo direito à informação, essencial numa democracia, será cerceado. No lugar de pesquisas científicas realizadas por institutos sérios com base em metodologia transparente, proliferarão nas vésperas do pleito os números escusos, obtidos sabe-se lá como, financiados sabe-se lá por quem. Será esse o objetivo dos congressistas?
Acirrada e pobre
Folha de S. Paulo
Com distância reduzida entre Lula e
Bolsonaro, campanha perde mais em conteúdo
Ainda que só tenha registrado variações
dentro da margem de erro, a mais recente
pesquisa Datafolha sobre a eleição presidencial reforça a
percepção de que a disputa é acirrada. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mantém
49% das intenções totais de voto, enquanto Jair Bolsonaro (PL), que marcava 44%
na semana passada, agora tem 45%.
Trata-se de diferença no limite da margem
de erro do levantamento, que é de dois pontos percentuais para mais ou para
menos. Há ainda 5% que declaram voto branco ou nulo e 1% indeciso. Os que
admitem a hipótese de mudar a opção declarada são 6% —um
percentual relativamente pequeno, mas suficiente para decidir o pleito.
Em votos válidos, ou seja, desconsiderando
os que não manifestam preferência por nenhum dos candidatos, o petista mantém
uma estreita vantagem, de 52% a 48% ante o presidente da República.
Nesta reta final da corrida ao Palácio do
Planalto, cada um procura reduzir a sua taxa de rejeição e elevar a do
adversário —e as de ambos são muito elevadas. Tal cenário, desnecessário dizer,
não estimula o debate programático e o bom nível da campanha.
Lula e aliados, que se entregaram a ataques
pessoais ao mandatário, tentam em outra frente ganhar pontos no público
evangélico. Nesse contingente, estimado em cerca de um quarto do eleitorado, o
Datafolha mostra Bolsonaro com ampla dianteira de 65% a 27%.
A pouco mais de uma semana do segundo
turno, o petista recorreu a
uma carta aos religiosos, na qual se disse contra o aborto e chegou
ao detalhe de negar que apoiaria banheiros unissex em escolas.
Já Bolsonaro, apoiado por uma portentosa
máquina disseminadora de informações falsas, prossegue também no uso descarado
da máquina pública —embora seja quase impossível repetir algo da magnitude dos
já promovidos aumento do Auxílio Brasil e corte de tributos sobre combustíveis.
Agora, ativa-se o empréstimo consignado
para beneficiários do auxílio, uma iniciativa apressada de direcionamento de
crédito. Em iniciativa similar, nesta semana foi permitida a vinculação do FGTS
do trabalhador a pagamentos futuros de prestação imobiliária. Nenhum dos casos
parece exemplo de política pública bem concebida.
Com a diferença pequena entre as intenções de voto, até a oferta de transporte público gratuito no dia do pleito tornou-se objeto de disputas judiciais —afinal, a taxa de abstenção pode influenciar o resultado final. A campanha, infelizmente, vai se concentrando em baixezas e temas laterais.
Brexit
Folha de S. Paulo
Após anúncio de corte de impostos e troca
de ministros, Liz Truss renuncia
Chegou ao fim, depois de
fugazes 44 dias, o tormentoso governo de Liz Truss no Reino Unido.
Anunciada nesta quinta (20), a renúncia ao
cargo de primeira-ministra constitui o desfecho do vertiginoso processo de
desintegração de sua liderança política —iniciado com o lançamento de propostas
controversas para a área econômica que fizeram a libra colapsar.
Truss, cujo mandato está entre os mais
breves da história britânica, chegou ao poder no começo de setembro,
substituindo o bufão Boris Johnson, que, acossado por escândalos, renunciara ao
cargo.
Sem receber a chancela das urnas, a
primeira-ministra foi escolhida por meio de um processo interno do Partido
Conservador, no qual tiveram voz e voto apenas parlamentares da legenda, na
primeira fase, e seus filiados, na etapa final.
Sua ascensão se deu em meio a um contexto
econômico especialmente difícil, com o aumento das contas de eletricidade e gás
numa inflação que já atinge dois dígitos, além de uma recessão iminente.
O remédio oferecido para tais problemas,
contudo, não poderia ter sido pior. Seu plano econômico, que previa os maiores
cortes de impostos em meio século, mas sem medidas que compensassem o rombo na
arrecadação, alarmou os investidores internacionais e recebeu críticas até do
FMI.
A cotação da libra despencou, atingindo
mínimas históricas em relação ao dólar e levando o Banco da Inglaterra a reagir
com uma intervenção de emergência.
Numa reviravolta politicamente
humilhante, Truss teve de
retroceder em praticamente tudo. Para salvar a própria pele, demitiu
o ministro das Finanças, arquiteto do plano e seu maior aliado.
Mas a mudança de rota forçada não foi
suficiente para estancar a crise e, assim, a popularidade da líder naufragou.
Segundo pesquisa publicada na terça (18), 87% dos britânicos consideravam que
ela conduzia mal a economia. Já a desaprovação ao governo chegou a 77% —maior
patamar em 11 anos.
Na quarta, a saída de
mais um ministro de peso e a perda de apoio de boa parte dos
correligionários conservadores selou de forma melancólica seu destino.
Com a derrocada histórica de Liz Truss,
abre-se um novo período de incertezas no Reino Unido.
Enquanto a oposição ainda pressiona por novas eleições, que em tese só deveriam ocorrer em 2025, o Partido Conservador, consumido por disputas internas, parece não saber ao certo que rumo dar a um país que, desde o polêmico plebiscito do brexit, acostumou-se a tropeçar nas próprias pernas.
As piruetas retóricas de Lula
O Estado de S. Paulo
Chefão petista quer que eleitores acreditem que o Foro de SP, clube de esquerdistas autoritários, foi criado para moderar a esquerda latino-americana; se isso é verdade, fracassou
Há alguns dias, o chefão petista Lula da
Silva sugeriu que criou o Foro de São Paulo para moderar a esquerda
latino-americana. “Fiz questão de chamar todo mundo aqui para dizer para os
caras: ‘Ô, cara, a gente pode chegar pelo voto, a gente pode se organizar e
acreditar no povo que a gente pode chegar pelo voto’. E obviamente que todo
mundo chegou.” Obviamente que não. É um toque de ironia macabra que mais
esse gesto de exaltação de um clube de autoritários, que defendeu o “direito”
da ditadura de Daniel Ortega na Nicarágua de prender opositores (inclusive
padres), tenha sido feito por Lula num encontro com freiras e padres.
O Foro, uma verdadeira frente ampla
autocrática, já nasceu retrógrado, na visita de Fidel Castro a Lula em São
Bernardo do Campo, em 1990, quando o déspota cubano instou a esquerda a reagir
à queda do Muro de Berlim. Sua primeira Declaração manifestava “um compromisso
com a validade dos direitos humanos, da democracia e da soberania popular como
valores estratégicos, que impõem um constante desafio às forças esquerdistas,
socialistas e progressistas de renovar seus pensamentos e ações”. O fracasso em
cada um desses compromissos foi retumbante e catastrófico para os povos de
países como Venezuela, Cuba ou Nicarágua, mergulhados sempre mais fundo na
miséria econômica, social, política e moral por ditaduras militares comandadas
por clãs familiares.
O malogro em “moderar” a esquerda é só mais
um pelos quais o Partido dos Trabalhadores (PT) não está disposto a se redimir.
Ao contrário, a culpa é sempre dos outros, em especial das conspirações do
“imperialismo neoliberal” norte-americano. Não fosse por isso, já disse Lula,
Cuba seria a Holanda, ou seja, um regime democrático e capitalista com um
irretocável histórico de tolerância civil e religiosa.
Com cinismo inacreditável mesmo para seus
padrões, Lula perguntou, há menos de um ano, “qual é a lógica” de cobrar um
limite ao poder de Ortega e não fazer o mesmo quando se tratava da chanceler
alemã Angela Merkel, como se as seguidas vitórias eleitorais de Merkel, em
eleições limpas, pudessem se comparar ao regime de exceção nicaraguense. Também
não faz muito tempo que Lula exprimiu admiração pelo “controle e poder de
comando” do Partido Comunista da China – não por acaso, festejado pelo Foro de
São Paulo em nota, no último dia 17, na qual cumprimentava o “camarada” Xi
Jinping e seu “trabalho excepcional para melhorar as condições de vida de seu
povo” – sem dedicar nenhuma palavra de condenação às conhecidas violações de
direitos humanos na China.
Se é flagrante que Lula não conseguiu
“moderar” a esquerda latino-americana, é questionável se conseguiu moderar seu
próprio partido. Pelo que disse aos religiosos, só em 1989 – após a
Constituição à qual se opôs – ele se deu conta de que “era possível a gente
ganhar pelo voto sem precisar dar um tiro, sem precisar fazer nada de guerra”.
De fato, a luta do PT se deu com outras armas: uma oposição irresponsável, que
sabotou todo tipo de política econômica na expectativa de que a ruína do País
favorecesse os projetos de poder de Lula; e um governo ainda mais
irresponsável, que subornou parlamentares, aparelhou a máquina pública e
atropelou as regras fiscais para sustentar sua ambição hegemônica ao poder.
Assim como outros próceres autoritários do
Foro de São Paulo, o PT, quando fala em democracia, que Lula agora se oferece
para salvar, está se referindo a um tipo muito peculiar de democracia – que o
digam aqueles que tiveram sua reputação destruída pelos petistas porque ousaram
questionar o Partido dos Trabalhadores e seu Grande Líder.
Muitos eleitores depositarão um voto a Lula
exclusivamente motivados pela rejeição a Jair Bolsonaro, com sólidas e bem
fundadas razões, a começar pelos riscos reais que o bolsonarismo impõe à
democracia. Mas que seja um voto sem ilusões. Um novo mandato de Lula (seu
terceiro, e o quinto do PT) pode bem ser, na atual conjuntura, um mal menor que
um segundo mandato consecutivo de Bolsonaro. Ainda assim é um mal – e bem
grande.
A recalcitrância da Defesa
O Estado de S. Paulo
Demora em divulgar conclusão dos testes nas urnas indica instrumentalização das Forças Armadas por Bolsonaro
A obstinada resistência do Ministério da
Defesa em divulgar o resultado do trabalho de “fiscalização” do processo
eleitoral no primeiro turno autoriza a inferência de que as Forças Armadas
foram instrumentalizadas em nome do interesse privado de um dos candidatos à
Presidência, o incumbente Jair Bolsonaro. À luz da Constituição, isso é
inadmissível.
Ganhando ou perdendo, é quase certo que
Bolsonaro contestará o resultado da eleição no próximo dia 30. Por isso,
postergar a divulgação de um relatório que decerto não apontará uma nesga de
vulnerabilidade na segurança do sistema eleitoral é uma prestação de serviço à
litania golpista do atual mandatário.
No dia 18 passado, o presidente do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, determinou que a Defesa
apresentasse o relatório dos testes realizados no primeiro turno em 48 horas. O
prazo venceu e nenhum resultado foi apresentado. A justificativa da pasta beira
a chicana, explorando a acepção das palavras “auditoria” e “fiscalização”. À Defesa
não caberia fazer uma “auditoria” do sistema eleitoral; logo, não haveria razão
para divulgar o resultado de um trabalho que a pasta simplesmente não poderia
realizar. Um acinte à inteligência alheia.
Em documento enviado ao TSE, a Defesa
alegou que “a emissão de um relatório parcial, baseado em fragmentos de
informação”, isto é, os boletins de urna do primeiro turno, “pode resultar
inconsistente com as conclusões finais do trabalho, razão pela qual não foi
emitido”. A pasta informou que só divulgará a conclusão do trabalho 30 dias
após o segundo turno.
Essa recalcitrância só seria explicável por
duas razões, e nenhuma delas lisonjeira: ou os técnicos designados pela pasta
revelaram-se incompetentes para realizar a tarefa que lhes foi atribuída – algo
difícil de acreditar – ou a aferição da higidez da votação no primeiro turno
pelos militares não correspondeu àquilo que Bolsonaro gostaria de ver
divulgado.
Pouco depois do término da votação, o TSE
informou que os testes biométricos realizados com 2.044 eleitores de 58 seções
eleitorais comprovaram a lisura do processo. Nenhuma divergência entre votos
digitados e votos totalizados foi encontrada. Esse processo não foi feito às
escuras por técnicos da Corte. Muitos puderam acompanhá-lo, inclusive
militares. Por sua vez, o Tribunal de Contas da União, que também realizou
testes de certificação da segurança do sistema eleitoral, chegou à mesma
conclusão. Ora, é extremamente improvável que só os testes realizados pela
Defesa teriam apresentado inconsistências. E, caso houvesse discrepâncias,
Bolsonaro teria sido o primeiro a alardeá-las. Não o fez porque não há, é tão
simples quanto isso.
Há poucos dias, o presidente da Câmara,
Arthur Lira, afirmou que “o resultado das eleições, feitas por urna eletrônica,
será respeitado pelo Congresso, pelas instituições brasileiras, pelos
parlamentares e pelo povo”. Isso revela que Bolsonaro está sozinho em sua
cruzada antidemocrática. Resta tentar obter o respaldo das Forças Armadas –
que, em nome da Constituição e da reputação construída na Nova República, não
podem se prestar a essa baixeza.
Descaso com a educação básica
O Estado de S. Paulo
Execução orçamentária pífia do MEC, conforme estudo do Todos pela Educação, revela que ensino básico não é prioridade do governo, a despeito das promessas de Bolsonaro
A baixa execução orçamentária do Ministério
da Educação (MEC) no ensino básico reflete o desleixo do governo nessa área
crucial para o País. Um recente balanço realizado pelo movimento Todos pela
Educação com base nos pagamentos e empenhos (fase anterior ao desembolso) do
último quadrimestre de 2021 mostra que as rubricas destinadas à educação básica
tiveram a menor taxa de pagamento (77%) e a menor taxa de empenho (93%) na
comparação com as demais áreas do Ministério − administração e encargos, ensino
superior e educação profissional.
A radiografia da execução orçamentária do
MEC apontou outra distorção: no exercício de 2021, de acordo com o relatório do
Todos pela Educação, não foram feitos pagamentos relativos a emendas
parlamentares individuais e de bancada, que têm caráter impositivo e primam
pela transparência, com a devida divulgação de seus autores. Tratamento bem
diferente foi dado às emendas de relator, que compõem o chamado orçamento
secreto e servem à cooptação política de deputados e senadores por parte do
Palácio do Planalto. Os desembolsos do MEC referentes a emendas do orçamento
secreto atingiram 25% do total previsto.
Lamentável ainda foi a baixa execução
orçamentária de um órgão da importância do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável, simplesmente, pelas
principais avaliações e estatísticas de educação no País. O Inep foi o órgão
com a menor taxa de pagamentos relacionados à educação básica no último
quadrimestre de 2021, menos de 40%. Motivo: baixos índices de pagamentos
referentes ao Censo Escolar (31%) e a exames e avaliações (39%).
Tudo isso corrobora a sensação de que o
Brasil perdeu tempo e andou para trás na educação durante o governo de Jair
Bolsonaro, como constatam incontáveis professores, gestores, estudantes e quem
quer que se debruce, com um mínimo de isenção, sobre o legado dos últimos
quatro anos. Sob Bolsonaro, o MEC desfigurou-se e perdeu protagonismo naquela
que é a sua função maior: agir, em colaboração com Estados e municípios, para
garantir a qualidade do ensino e mais oportunidades educacionais em todo o
território nacional.
O líder de Relações Governamentais do Todos
Pela Educação, Lucas Hoogerbrugge, resumiu assim o quadro revelado pela
execução orçamentária do Ministério: “Nos causa muita tristeza ver o MEC se
apequenando ao longo dos últimos anos”.
Nestes tempos de polarização política e em
meio a uma campanha eleitoral tão acirrada, é comum que críticas à atuação do
presidente sejam relativizadas por quem simpatiza com sua candidatura. Mesmo os
eleitores de Bolsonaro, porém, haverão de ter dificuldade para apontar
verdadeiras contribuições do atual governo a favor da educação brasileira. Se
houve transformações, infelizmente, foram para pior.
Não é preciso recorrer a nenhum opositor ou
crítico de Bolsonaro para escancarar o malogro, em especial na educação básica
– justamente a área anunciada pelo presidente como sua prioridade, em discurso
depois de sua posse. Corretamente, Bolsonaro disse, na ocasião, que a educação básica
“é a que realmente transforma o presente e faz o futuro de nossos filhos”.
Tal promessa não só se perdeu no tempo,
como quase tudo o que o presidente e sua equipe fizeram dali para a frente
desmentiu o discurso da posse e implodiu avanços que poderiam ter ocorrido. Um
punhado de escolas foi militarizada em nome da disciplina, um ministro da
Educação chegou a estimular que alunos filmassem professores para denunciá-los
e o governo cortou drasticamente verbas para a construção de creches. De
quebra, patrocinou um projeto para permitir a educação domiciliar, que, na
prática, servia para demonizar os professores e as escolas, vistos pelos
bolsonaristas radicais como agentes de perversão das crianças.
Em recente entrevista ao Estadão, a presidente do Conselho da Fundação Tide Setubal, Neca Setubal, classificou Bolsonaro como um “desastre” para o ensino público. “A gente retrocedeu dez anos”, afirmou ela. Por isso, não há tempo a perder: ensino de qualidade, e para todos, é premissa para o desenvolvimento. A educação brasileira precisa de uma reviravolta urgente. E a educação básica deve ser efetivamente priorizada.
Estímulos oficiais adiam desaceleração da
economia
Valor Econômico
A desaceleração parece inevitável diante
das nuvens negras que cobriram o cenário externo
A esperada desaceleração da economia
brasileira vai sendo postergada pelos efeitos dos estímulos concedidos pelo
governo. Da mesma forma, o aperto monetário, que chegou ao fim (até segunda
ordem), tem sido mitigado pela mesma razão, enquanto que a inflação, excluído o
efeito da retirada e diminuição dos impostos sobre combustíveis, cai a uma
velocidade menor que o IPCA cheio. O PIB deverá ser positivo no terceiro
trimestre e é possível que avance marginalmente no último trimestre do ano.
Acréscimos à renda, eleitoreiros ou não,
estão movendo o setor de serviços, que continua puxando o desempenho da
economia e produzindo curiosos contrastes. Os indicadores antecedentes e
coincidentes de setembro, listados pelo Valor (edição de ontem), estão todos
negativos, da produção de veículos às consultas ao SPC, menos um: o índice de
confiança do consumidor (FGV), que dá um salto de 6,46%.
Indústria e varejo ampliado tiveram
resultado negativo no terceiro trimestre, enquanto que os serviços permanecem crescendo
(1,3% em julho, 0,7% em agosto). Como a produção industrial e as vendas do
varejo ampliado estão em queda, são os serviços ligados à renda do consumidor
os que estão sustentando o crescimento. Ao mesmo tempo, com a demanda
relativamente aquecida, a inflação do setor, de 8,5% em 12 meses terminados em
setembro, é superior ao IPCA, de 7,2%. “Serviços ainda estão mais fortes que o
esperado, sempre surpreendendo para cima”, avalia Silvia Matos, coordenadora do
Boletim Macro, da FGV, que prevê crescimento da economia de 2,7% no ano
corrente.
Puxam o consumo até agora a redução rápida
do desemprego e, mais recentemente, a interrupção da queda dos salários, por
seu lado, reforçada pelo recuo da inflação. Depois, os estímulos oficiais de
crédito, desonerações, reduções de impostos sobre combustíveis e bens
essenciais compõem poderoso impulso às atividades. O Auxílio Brasil concederá
até o fim do ano R$ 60 bilhões para 20 milhões de famílias, um acréscimo de R$
46,5 bilhões em relação ao que seria pago caso o Bolsa Família tivesse sido
mantido (a dotação do programa em 2019, último ano em que funcionou em caráter
pleno, foi de R$ 33,5 bilhões).
Além disso, há deflação nos preços dos bens
administrados, que vem sendo capturada pelos consumidores, como a queda de mais
de 30% no preço dos combustíveis. As antecipações dos pagamentos de
aposentadoria e liberação do FGTS delineam um conjunto que atinge algo como
2,5% do PIB, um forte estímulo para sustentar a expansão, enquanto durarem. Com
tanto apoio, o país está condenado a crescer - por algum tempo.
O Monitor do PIB, feito pela FGV, aponta
outro fator de dinamismo: o crescimento dos investimentos (formação bruta de
capital fixo). “Houve em agosto forte importação de máquinas e equipamentos”,
disse Claudio Considera, economista da FGV. O Boletim Macro aponta um
desempenho robusto de outro item da FBCF, o da construção civil, com 6% no
terceiro trimestre deste ano ante o terceiro de 2021. Na mesma base de
comparação, os serviços avançam 3,7%.
Os dois candidatos à Presidência não
desligarão boa parte das fontes de estímulo. Bolsonaro vai manter zerados os
impostos federais sobre combustíveis e os R$ 600 para o Auxílio Brasil, uma
conta que atinge R$ 100 bilhões. O ex-presidente Lula prometeu manter Auxílio
Brasil e isentar de imposto de renda as pessoas que ganhem até R$ 5 mil.
A desaceleração parece inevitável diante
das nuvens negras que cobriram o cenário externo, com juros em alta e retração
global. No entanto, o maior crescimento em 2022 reverteu a expectativa, antes
majoritária, de que 2023 será um ano de recessão. O boletim Focus mostra que a
expectativa sobre o PIB do ano que vem teve melhora, de 0,5% há quatro semanas,
para 0,59% agora.
Com a política fiscal indo na direção contrária à da política monetária, a inflação tende a cair mais devagar e, talvez, menos. O IPCA recuou basicamente devido aos combustíveis. A média dos núcleos de preços em setembro foi de 10,2%, segundo o Banco Central, ante 7,2% do IPCA. No terceiro trimestre, o IPCA teve deflação acumulada de 1,33%. Excluindo-se energia e gasolina, porém, haveria inflação de 1,35%. O IPCA voltará a subir em outubro, segundo o Monitor, por pressão dos alimentos. Se a inflação de 2024 se desgarrar da meta e a de 2023 não se acomodar no intervalo de tolerância (está em 4,9% no Focus), o BC terá de agir de novo
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