Valor Econômico
Retórica de Lula contra BC autônomo será
testada agora
A discussão da independência do Banco
Central tem um encontro marcado nas próximas semanas, quando o Senado irá
receber e analisar as indicações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para
os novos diretores de Política Monetária, no lugar de Bruno Serra, e
Fiscalização, em substituição de Paulo Souza. O mandato dos dois está vencido.
Quando se discute a independência do Banco Central, importante discutir independência em relação a quem. Há uma tensão latente, não de hoje, entre a esfera política e o mercado financeiro na condução da autoridade monetária. Os governos petistas têm procurado atenuar a influência dos agentes privados na condução do BC. Mas há um padrão que se repete. Mesmo antes da autonomia formal, há um princípio de autocontenção do Executivo em relação ao Banco Central que tem sido seguido.
Cientista político na Universidade Federal
do Paraná, Adriano Codato foi o organizador de um raro mergulho da Ciência
Política no estudo da recrutagem de dirigentes para o BC. O livro “Os mandarins
da economia - presidentes e diretores do Banco Central do Brasil”, publicado no
ano passado, faz uma análise de todas as indicações para presidência e
diretorias desde a fundação do órgão, em 1964, até o fim do governo Dilma II,
em 2016. O padrão encontrado não foi alterado durante os governos Temer e
Bolsonaro.
Até 1985, havia um predomínio absoluto de
burocratas e acadêmicos na condução da instituição. Com a redemocratização
naquele ano o BC se abriu para o mercado, a partir da presidência de Antônio
Carlos Lemgruber. Entre os últimos 18 presidentes, incluídos aí Campos Neto
(Bolsonaro) e Ilan Goldfajn (Temer), nada menos que 11 tinham origem no mercado
financeiro. Durante o regime militar, nenhum tinha essa origem. E entre os 16
presidentes da instituição entre 1985 e 2016, somente dois - Pedro Malan e
Alexandre Tombini - não ocuparam postos no mercado financeiro no intervalo de
cinco anos depois de deixarem o Banco Central.
Este perfil se acentua em relação aos
diretores. Há uma tendência maior de recrutar diretores de política monetária
no mercado e em instituições acadêmicas do “mainstream”, como a PUC do Rio de
Janeiro, enquanto diretorias como a de fiscalização e normas ficam mais
reservadas para funcionários de carreira.
Para Codato, o grau de exigência técnica
que se exige no Banco Central torna a mão de obra muito estrita, o que sempre
desencorajou a ocupação política deste espaço.
A recrutagem para a presidência e as
diretorias do BC se torna, portanto, “uma demonstração da força política do
mercado financeiro no Brasil”, segundo Codato.
O cientista político elaborou um índice de
adesão dos presidentes e dos diretores do BC ao mercado ao longo do período de
redemocratização. Ele concluiu que o menor descolamento em relação ao mercado
ocorreu no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (0.24). A partir de
então há um lento distanciamento entre BC e setor privado: de 0,34 no primeiro
mandato de Lula, se passa para 0,52 no segundo mandato, atinge-se 0,73 no
primeiro mandato de Dilma Rousseff, com recuo de 0,67 em 2016, último ano da
medição. Este índice leva em conta a formação acadêmica do indicado, sua experiência
profissional pregressa e o que fez depois de deixar o BC.
Em clima de expectativa do governo “de um
gesto positivo na próxima reunião do Copom”, conforme disse ontem Simone Tebet,
é provável que Lula mantenha essa linha. O cenário mais provável é que as
indicações sejam palatáveis ao mercado, mesmo com alguma pitada de heterodoxia.
E a pressão política do PT, como fica? deve continuar. É importante para o
presidente poder transferir responsabilidades pela falta de crescimento do
país.
União Brasil
A coincidência entre a formação da
federação da União Brasil com o Partido Progressista e as denúncias contra
ministros da sigla pode significar o início do desmanche de algo que não deu
certo, que foi a montagem do Ministério do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. Não necessariamente algo melhor será construído.
Os ministros do União Brasil - Juscelino
Filho, Daniela do Waguinho e Waldez Góes são candidatíssimos a sairem logo do
governo por dois motivos. O aparente é o vasto telhado de vidro que cada um
possui. O estrutural é a pouca identidade com as bancadas da sigla.
O ministro das Comunicações, Juscelino
Filho, é um colecionador de escândalos e episódios constrangedores. O mais
recente deles, que foi o uso de avião da FAB para uma agenda em São Paulo que
mesclou compromissos oficiais banais e atividades de foro particular, é grave,
porque coloca o governo Lula na alça de mira. É coisa desse ano, não do seu
polêmico manejo do orçamento secreto enquanto deputado. Não por acaso o
presidente anunciou publicamente que chamará Juscelino para uma conversa na
segunda-feira.
A federação “União Progressista” em um
primeiro momento afasta o União Brasil do governo Lula. Tornando portanto
destituída de qualquer sentido a permanência dos ministros da sigla no governo.
Juscelino, Daniela e Waldez não garantiram a adesão da bancada ao governo.
O União Brasil federado ao PP, portanto com
vínculos reforçados com o bolsonarismo, deve complicar a vida de Lula no
Congresso. Surpresas em série podem acontecer no plenário das duas casas. Em
casos assim, a solução que o presidencialismo no Brasil costuma oferecer é a
reforma ministerial.
O que um observador influente do cenário
político aposta é que os três ministros do União Brasil serão trocados em
breve, com a provável antecipação do cronograma no caso de Juscelino, e o
condomínio formado pela federação indicará novos nomes com vínculo mais claro
com a cúpula dos dois partidos. Neste segundo momento, o PP pode se aproximar
do governo. Mas o fará em uma circunstância de fragilidade política de Lula, e
não de força, como foi o caso na montagem do Ministério. A federação terá sua
cota ministerial em outras bases.
Um comentário:
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