O Globo
As manchetes das análises econômicas têm
sido um tanto bipolares. O desemprego é alto, mas está baixo. Projeta-se uma
recessão, mas isso não é o fim do mundo. Lula acertou
sobre o BNDES,
apesar de ter errado.
É como se vivêssemos numa espécie de “Tudo
em todo o lugar ao mesmo tempo”, só que sem o multiverso. Basta a tecnologia
das conjunções adversativas, com o viés apontando para onde olhar com mais
carinho — o que vem antes ou o que vem depois do “mas”.
No governo anterior, volta e meia algo despiorava. No atual, aqui e ali, algo desmelhora. Por exemplo, a redução dos juros do empréstimo consignado. Faltou combinar com os russos (os bancos) e com o mundo real (onde o pensamento mágico tem poderes limitados). A suspensão da linha de crédito foi um resultado inesperado para os jênios do Ministério do Trabalho — e previsibilíssimo para quem já leu “Introdução aos rudimentos básicos de economia para principiantes”. Juro baixo é como o colesterol: tem o bom e o ruim.
A escravidão é ruim. Mas “causou uma coisa
boa, que foi a miscigenação”, nas palavras, cada vez mais sem filtro, do
presidente Lula. Não chega a ser uma romantização do tráfico e da exploração de
seres humanos, mas há um quê de Poliana — ou, para dar verniz acadêmico, de
consequencialismo — nessa afirmação. Equivale a dizer que a ditadura militar
foi ruim, mas levou a uma coisa boa, que foi a redemocratização.
O próprio Lula já havia dito:
— Ainda bem que a natureza criou este
monstro chamado coronavírus, que está permitindo que os cegos enxerguem que
apenas o Estado é capaz de dar solução a determinadas crises.
Como naquela capa antológica do disco do
Chico Buarque, quase 700 mil brasileiros mortos (que ruim!), epifania coletiva
de que só o Estado salva (que bom!).
Ditaduras são ruins, mas são boas. A de
Somoza, na Nicarágua, era péssima; a de Ortega, nem tanto. A de Batista,
em Cuba,
era das piores; a de Fidel, Raúl Castro e Díaz-Canel é um farol na luta contra
o imperialismo ianque. As de Pinochet, Stroessner, Maduro, Xi Jinping,
Mohammed bin Salman serão boas e ruins, a depender de onde esteja a avaria no
cérebro do militante.
Há 40% de mulheres no Poder Judiciário, e a
proporção cai a menos da metade disso no STF (apenas
duas, entre 11 magistrados). Um governo que usa o lema “As mulheres voltam a
ser respeitadas neste país” deveria tentar corrigir a injustiça. Se o critério
para preenchimento das últimas duas vagas foi ser terrivelmente evangélico, o
parâmetro das próximas é ser incondicionalmente leal. Representatividade é bom
— mas tem hora.
Ciência é bom: produz vacina. Mas é ruim:
lembra que há diferenças inatas entre homens e mulheres. Fica difícil ser
negacionista em tempo integral.
Passar a boiada era ruim. Implicava
devastação do meio ambiente, vulnerabilidade dos povos indígenas. A boiada
agora passa por outras porteiras, como o fim da quarentena para nomeação de
dirigentes partidários. Este malfeito é bom.
Mas já não vamos de mal a pior. Ninguém no
primeiríssimo escalão fala em ditadura da toga, invoca o artigo 142 ou se gaba,
em público, de estar com as obrigações conjugais em dia. Mudamos da água
(contaminada com mercúrio) para o vinho (com notas de trabalho análogo à
escravidão). E ai de quem disser que há algo em comum entre os governos de Jair
Bolsolira e Luiz Inácio Lira da Silva.
5 comentários:
Ótima coluna.
Tola
Palavras vazias, como sempre.
Imitando o autor: o texto é bem escrito, mas é ruim!
Algo em comum sempre há,perfeito ninguém é,mas que deu uma guinada pra melhor, ninguém em seu juízo normal,pode negar.
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