O Globo
Cenário atual revela excessos cometidos nos
últimos anos
O atual retrato do mercado de crédito
revela excessos cometidos nos últimos anos. Houve forte crescimento da dívida
de indivíduos junto ao Sistema Financeiro Nacional (SFN), que atingiu 32,4% do
PIB em 2022; um salto expressivo em relação a 2018 — 6,7 pp, sendo 4,5 pp no
segmento livre.
Não é uma cifra baixa quando comparada a
países parecidos — 45% no Chile, 29% na Colômbia e 17% no México. Como efeito
colateral, aumentou a inadimplência, o que não justifica, porém, políticas de
socorro aos inadimplentes.
O quadro tornou-se mais estridente a partir
de 2021, quando, na esteira dos juros baixos, o endividamento como proporção da
renda familiar anual avançou rapidamente, atingindo 49,5% (+7,9 pp ante 2020) —
puxando para 28% da renda familiar o comprometimento de recursos para honrar a
dívida.
Descontando o crédito imobiliário, a cifra permanece elevada, de 31,5% da renda familiar, mas com alta menos pronunciada (+6 pp).
Sem surpresa, o retrato da inadimplência
desagrada. Porém, está em linha com o padrão histórico. Somando-se os atrasos
entre 15 e 90 dias (5,3%) e a inadimplência (4,1%), chega-se a 9,4% da carteira
do SFN (9,7% é a taxa média desde 2011).
O grande salto em relação a 2020 decorre do
fato de a taxa ter ficado atipicamente baixa naquele ano (6,9%), por conta do
robusto Auxílio Emergencial — sim, a inadimplência caiu na pandemia, mesmo com
o aumento do desemprego.
O problema, na verdade, fica mais claro
quando se considera o atraso/inadimplência como proporção da renda familiar, e
não da carteira das instituições financeiras. Nesse caso, a taxa chega a 4,5%,
ante média de 3,8% desde 2011. Em outras palavras, pela ótica dos indivíduos, o
quadro é mais agudo.
Como agravante, são as classes populares
que mais sofrem, como aponta o especialista Genaro Dueire Lins.
Além de a taxa de inadimplência ser mais
alta nesses grupos — 20% para os sem renda e 6% para até dois salários mínimos,
ante cerca de 1% para acima de dez salários mínimos —, o diferencial entre
pobres e ricos aumentou, até porque os mais pobres se endividaram mais.
No cerne do problema há o maior uso do
cartão de crédito, cujo saldo total cresceu 85,2% para aqueles com renda até
dois salários mínimos, enquanto para o grupo acima de dez salários mínimos,
cresceu 71,6% desde 2021.
O cartão de crédito para a baixa renda, com
juros de 400% aa no rotativo, pode se transformar em “presente de grego”, mas
que muitos aceitam de bom grado, por despreparo ou por não haver maiores
consequências em caso de inadimplência — está em 30% entre os mais pobres
somando com os atrasos.
O quadro preocupa, mas não justifica uma
política pública de socorro aos inadimplentes, como pretende o governo com o
Desenrola, inicialmente focado nas pessoas com renda de até dois salários
mínimos. Algo não apenas inédito, como não observado na experiência mundial.
Primeiro, apesar dos excessos, não se
configura uma situação extrema, causada por choques adversos, sendo que já está
ocorrendo relevante desaceleração na utilização de linhas mais onerosas, como
crédito rotativo e cheque especial.
Segundo, mesmo se fosse uma situação
excepcional, há instrumentos mais adequados, como medidas regulatórias do BC
para facilitar a renegociação de dívidas, conforme feito durante a pandemia.
Terceiro, a renegociação de dívidas exibe,
desde o final de 2021, forte dinamismo, com taxas anuais de crescimento na casa
de 40%.
Quarto, há legislação, de 2021, para tratar
de situação de superendividamento, de forma a preservar o chamado mínimo
existencial dos indivíduos em caso de renegociação de dívida.
Finalmente, e mais importante, o Desenrola
poderá ter um efeito colateral bastante indesejado, que é o comportamento
oportunista, de lado a lado — risco moral, no jargão dos economistas —, com a
fatura indo para os cofres públicos.
Indivíduos tornam-se mais displicentes na
decisão de endividamento, apostando em socorro futuro, e instituições
financeiras afrouxam padrões de concessão de crédito, pela mesma razão. Exemplo
disso são os seguidos Refis, para empresas que devem ao fisco, alimentando
devedores contumazes.
Antes de avançar com seu programa, cabe ao
governo uma avaliação cuidadosa.
É necessário, pois, cuidar da educação
financeira da população, especialmente porque a bancarização cresceu. Cabe
também promover um ambiente macroeconômico saudável para não agravar a
superação desse período de ajuste.
3 comentários:
Zeina Latif é uma espécie de diarista passadora de pano pro mercadinho, que mistura todos os ingredientes de limpeza com várias datas de validade vencidas, e acha que vai dar certo...
Aqui, ó!!!
Exatamente
As pessoas adoram gastar acima do que ganha.
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