Folha de S. Paulo
Recai sobre o chefe do Executivo obrigação
de fazer a melhor escolha para um colegiado que tem por missão defender a Constituição
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
disse que a próxima
pessoa a ser indicada para o Supremo Tribunal Federal deverá ser gabaritada
juridicamente, ter compromisso com a Constituição, manifestar-se apenas nos
autos, além de ter sensibilidade social.
Deixou claro que levará em consideração a questão da raça e do gênero na indicação. Por fim, manifestou certa impaciência com a plantação de nomes na imprensa: "não é assim que se escolhe Ministro da Suprema Corte". Num país em que a razão pública e as prerrogativas jurídicas foram sequestradas por predadores institucionais, nos últimos anos, essa manifestação do presidente, embora pareça óbvia, não é nada trivial.
O Supremo Tribunal Federal tem por função
precípua a "guarda da Constituição". Ao presidente da República, com
a chancela do Senado, cumpre nomear os membros do tribunal. Isso não
significa que o presidente possa escolher quem queira para a função. Além
de indicar alguém que cumpra os requisitos formas de "notório saber"
e "ilibada reputação", recai sobre o chefe do Executivo a obrigação
de fazer a melhor escolha possível para compor um colegiado que tem por missão
defender a Constituição.
Nas últimas décadas, a crescente
polarização política, não apenas no Brasil, colocou os tribunais e cortes
constitucionais no olho do furacão, gerando tanto a "judicialização da
política", como, em alguns países, como os Estados Unidos, a
"politização da justiça".
A "judicialização da política" é
uma resultante direta da incapacidade dos políticos de criar consensos
pragmáticos sobre questões morais ou econômicas, de assegurar a devida
representação aos diversos setores da sociedade, assim como de exercer a função
pública com decência e respeito aos direitos dos cidadãos. Tudo isso empurra para
os tribunais tarefas que não deveriam ser suas.
A "politização da justiça", por
sua vez, se refere à perda de imparcialidade dos tribunais na aplicação do
direito. Parte da responsabilidade por esse fenômeno deve ser atribuída a
determinados magistrados que, sem cerimônias, abraçam o papel de agentes
políticos.
A falta de compromisso com a letra da lei e
da Constituição, com a liturgia e a integridade, inerentes ao exercício da
magistratura, e com a colegialidade, indispensável a um órgão que emite a última
palavra sobre tantas questões de máxima importância, provocam inevitavelmente a
erosão da autoridade de muitos tribunais. Autoridade que deriva, sobretudo, de
sua capacidade de demonstrar que aplica o direito com imparcialidade e
consistência.
O Supremo teve um papel essencial na defesa
de nossa democracia, ao assumir a responsabilidade de conter as ações dos
inimigos da Constituição que chegaram ao poder. Há poucos exemplos na história
de um tribunal que tenha resistido, sem genuflexões, às ameaças de um
presidente autoritário.
Restaurada a normalidade
democrática, no entanto, cumpre ao Supremo contribuir para a recomposição
do equilíbrio entre os poderes, como vem propugnando por gestos e palavras a
Ministra Rosa Weber.
Nesse sentido, o presidente Lula deve, sim,
escolher para o Supremo alguém que tenha sensibilidade social, afinal vivemos
em um dos países mais desiguais do mundo; deve, sim, escolher uma mulher ou uma
pessoa negra, pois a composição de um tribunal não pode estar de costas para a
sociedade a que serve; mas deve, sobretudo, escolher uma pessoa honesta, capaz
de atuar colegialmente, e que demonstre um compromisso inquebrantável com a
Constituição. Pode parecer óbvio, mas disso que nosso Supremo precisa.
*Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)
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