Analisamos criticamente, de forma um tanto
sumária e resumida, as principais matrizes teóricas que dominaram o universo do
pensamento humano e inspiraram a ação política desde o Século XVII:
conservadorismo, liberalismo, comunismo, socialdemocracia, fascismo, socialismo
democrático e populismo autoritário.
O mundo hoje é outro. Grandes
transformações ocorreram. Fim da Guerra Fria, dissolução do bloco soviético,
globalização econômica, radical e veloz revolução científica e tecnológica,
emergência das plataformas digitais e das redes sociais, aparecimento de novos
players globais como a China, crise da democracia liberal, mudanças radicais do
mundo do trabalhado, radicalização do fundamentalismo islâmico, desafio da
imigração em massa de populações pobres, sobretudo para a Europa, e o
consequente fortalecimento do nacionalismo xenófobo de extrema-direita, crise
global em 2009 a partir do mercado financeiro americano, pandemia do
CORONAVÍRUS, guerra da Ucrânia, integração cultural e social inédita em escala
global.
As ideias clássicas de esquerda e direita há muito estão problematizadas. Mas creio que a partir da linha aberta pelo pensador social-liberal italiano Norberto Bobbio em seu “Direita e Esquerda – Razões e significado de uma disputa política”, de 1994, é possível ressignificar os conceitos e perceber que ainda fazem sentido no mundo contemporâneo.
Em nossos dias, no Brasil e no mundo, é
possível detectar a existência de três grande polos mobilizadores do pensamento
e da ação política: a direita, o centro democrático e a esquerda.
Mas antes é preciso perguntar: quais são as
questões decisivas que balizam a construção de divergências e convergências
entre as correntes dos mais diversos matizes?
Primeiro, a questão democrática. Há amplos
setores que defendem a democracia como valor universal, definitivo, inabalável
e permanente. Nem todos aderem à esta convicção. Em segundo lugar, surge o
desafio da sustentabilidade ambiental, que alguns apoiam, outros não. Em
terceiro, o combate à miséria, à fome e a exclusão social, que é central em
algumas formulações, e relegada a segundo plano por outras. Afinal, num mundo
globalizado, apenas capitais e mercadorias podem livremente circular e
trabalhadores não? Em quarto, a questão nacional, como conjugar identidade e
interesses nacionais e a globalização do mundo? Vamos ressuscitar velhos
nacionalismos retrógrados e cheios de xenofobia? As respostas variam da
extrema-direita à extrema-esquerda. Surge como quinto parâmetro, o papel do Estado
na economia e na sociedade. E por último, o desafio da organização social em
torno da revolução tecnológica, que produz inovação, mas também desemprego
estrutural e remete a polêmicas profundas de natureza moral, filosófica,
econômica e política. Como erguer um modelo de desenvolvimento sustentável,
justo, inovador, includente e que não agrida a essência humana?
A partir daí, colocadas as perguntas
essenciais é possível avançar na discussão sobre as diferenças entre direita,
esquerda e centro democrático no mundo contemporâneo. Os militantes da atual
polarização insana e sectária não querem saber de perguntas, fundamentos,
debate. Já têm meia dúzia de frases prontas e convicções ralas para estigmatizar
seus “inimigos” e construir suas narrativas.
Grosso modo, ressalvadas as naturais
peculiaridades históricas e nacionais, podemos enxergar a direita contemporânea
nas experiências de Trump nos EUA, Bolsonaro no Brasil, Erdogan na Turquia, Le
Pen na França, Berlusconi, Salvini e Giorgia Meloni na Itália, Orbán na
Hungria, Putin na Rússia, entre outros. O compromisso com a democracia é baixo
ou inexistente, cabendo às instituições e à sociedade resistir. A preocupação
com a proteção ao meio ambiente é mínima e só é presente na agenda graças aos
acordos internacionais e ao clamor da sociedade global em defesa da
sustentabilidade, do planeta e do clima. A preocupação com a equidade social é
marginal a partir de um liberalismo extremado, mas, as preocupações eleitorais
os empurram para alguma política social.
Em relação à globalização têm posição refratária, reacionária e de
nacionalismo radical. Quanto ao papel do estado, contraditoriamente, defendem
governos fortes e autoritários, que organizem a partir de cima a economia e a
sociedade, se possível transitando para experiências de poder totalitárias e
ditatoriais. Quanto às novas tecnologias usam a esmo as modernas formas
digitais de comunicação, mas tem postura negacionista em relação à ciência e
ressalvas às suas conquistas.
Já no campo da esquerda, as especificidades
diferenciadoras são maiores em seu próprio terreno. É difícil identificar numa
mesma órbita teórica e política o Capitalismo de Estado da China, Maduro na
Venezuela, a exótica experiência da Coréia do Norte, Gabriel Boric no Chile, a
corrente democrata de Bernie Sanders, Lula e o PT – que não assumem sua
natureza socialdemocrata – no Brasil, Daniel Ortega na Nicarágua, o decadente regime
cubano, o PODEMOS espanhol, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista em
Portugal, Jean-Luc Mélenchon na França, a Sinistra Italiana e o Die Linke na
Alemanha.
São muitos matizes e diversas nuances.
Alguns segmentos da esquerda mundial defendem radicalmente a democracia, mas há
setores que ainda carregam os traços autoritários do
marxismo-leninismo-maoísmo, inclusive exercendo o poder totalitariamente na
China, na Coréia do Sul, no Vietnam, na Nicarágua, em Cuba e na Venezuela. A
maior parte milita e defende firmemente a proteção ao meio ambiente, mas a
China, por exemplo, é um dos polos mais resistentes aos tratados internacionais
sobre emissões de gases do efeito estufa. A busca de equidade social é um dos
pontos centrais na matriz de pensamento da esquerda, sendo essa uma razão
seminal de sua própria existência, independente da eficácia ou não de suas
experiências no poder neste ponto. A questão nacional sempre foi central no
pensamento marxista. A herança das teses sobre o imperialismo leva as esquerdas
a se refugiar em um nacionalismo de esquerda refratário à globalização, embora
a China concentre suas energias no movimento de sua integração às grandes
cadeias produtivas globais. No tema do papel do Estado, tendem sempre a
configuração de um Estado Máximo, a partir das desconfianças permanentes em
relação ao caráter sinalizador dos mercados e derivam, em graus variados, para
advogar forte intervenção estatal. Em relação à revolução científica-tecnológica
tendem a ter papel positivo de estímulo da inovação, mas um natural pé a trás
com suas consequências no emprego e nas populações mais pobres.
Resta o centro democrático. Este campo
difuso é de onde pode nascer a grande convergência possível e necessária,
reunindo social-liberais, democratas, católicos e evangélicos conscientes e não
fundamentalistas, social-democratas, socialistas democráticos, um campo que
percorre o espectro político e ideológico da centro-direita à centro-esquerda.
Esse campo pode convergir na defesa radical
da democracia como valor universal e permanente, sem ambiguidades, como regime
que assegura freios e contrapesos, experimentação, aprendizado e autocorreção
de rumos, equilíbrio entre os poderes e a garantia dos direitos fundamentais
das pessoas e das minorias; na defesa
de um modelo de desenvolvimento inclusivo e sustentável, com a preservação do
meio ambiente e proteção do clima; no combate frontal às desigualdades sociais
a partir de fortes e eficientes políticas públicas sociais, sobretudo no campo
da educação e da saúde, e de programas de transferência de renda; na defesa do
Estado socialmente necessário e democraticamente regulado; no apoio à integração nacional negociada ao
mundo globalizado; e, no estímulo e regulação democrática das inovações
tecnológicas.
A experiência alemã da coalizão semáforo –
vermelho, da social-democracia, verde do PV e amarela dos liberais – aponta o
caminho. Também Emmanuel Macron, na França, tem se esforçado para consolidar um
projeto modernizador, acossado à direita por Le Pen e à esquerda por Mélenchon. O Partido Socialista Português desfez a
famosa “geringonça portuguesa” nas eleições de 2022, interrompendo a aliança
com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, por divergências em torno da
questão orçamentária e fiscal, e agora governa com maioria absoluta. Os esforços
do PD italiano também convergem nesta direção enfrentando a extrema-direita e a
extrema-esquerda italianas. Os democratas americanos, em seu sistema bipartidário,
continuam resistindo às investidas do populismo autoritário de Donald Trump e
são sempre uma referência para este tipo de aposta. Em países como Brasil e
Reino Unido, o centro democrático já teve grande expressão, mas vem se
esvaziando em anos recentes.
O mundo apresenta desafios complexos e
novos. Cremos, que nem a direita nem a esquerda tradicionais, possuem hoje
respostas adequadas para enfrentarmos a agenda do Século XXI. A grande
convergência em torno de um polo democrático e progressista ao centro do
sistema político, é que tem, a nosso juízo, a melhor condição para gerar
respostas. O cenário contemporâneo é tão disruptivo e vive em veloz
transformação permanente que não há teoria pronta e acabada para gerar alternativas
definitivas e incontestáveis. É no exercício da democracia – esse valor
universal e imprescindível – que poderemos com espírito aberto, longe de
sectarismos rasos e de bolhas fundamentalistas, encontrar essas respostas.
*Economista,
foi Deputado Federal (PSDB-MG)
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