O Estado de S. Paulo
Serviço Florestal Brasileiro anunciou ‘malha fina’ para identificar e punir fraudadores do CAR
Um furo de reportagem de Vinícius Valfré,
do Estadão, revelou nesta semana uma artimanha dos “grileiros”, os ladrões de
terra pública. Na Amazônia, os criminosos agem digitalmente. Eles preenchem os
formulários do Cadastro Ambiental Rural (CAR) na versão online, e avançam
ilegalmente sobre terras indígenas. Pior: usam os formulários para conseguir
benesses e financiamentos, aproveitando-se da lentidão da Justiça.
Valfré recorreu a ferramentas de jornalismo de dados – cruzou os formulários do CAR com tecnologia de geolocalização – e encontrou 325 fazendas registradas ilegalmente, entre 2014 e 2023. A grilagem online é um crime da era digital – e foi a própria tecnologia digital que apanhou em flagrante os piratas da floresta.
A geolocalização pode ser usada contra
outros tipos de crime. Uma nova lei da comunidade europeia dificulta a
importação de carne produzida em zonas de desmatamento. Pela lei, cabe ao
importador a verificação da procedência da mercadoria. Empresas brasileiras já
enfrentaram problemas no exterior por não ter registro de procedência.
“O Brasil já tem o sistema de rastreamento
SISBOV, utilizado por alguns exportadores de gado para a Europa”, diz o
engenheiro florestal Paulo Barreto, um dos fundadores do instituto de pesquisas
Imazon. “Falta, no entanto, cruzar essa informação com o mapa das fazendas,
para saber se o gado vem de região de desmatamento. Satélites já nos fornecem
esses dados, mas não fazemos o cruzamento.”
Barreto, entrevistado no minipodcast da
semana, faz parte do time do Amazônia 2030, um dos principais projetos de
pesquisa científica sobre a maior floresta tropical do mundo. Segundo ele, o
Brasil seria pioneiro nesse tipo de cruzamento de dados: “O governo poderia
liderar esse processo, até como estratégia para ganharmos mercado”.
A imagem do Brasil no mundo – nosso “soft
power”, no jargão das relações internacionais – depende de duas coisas. Nossa
capacidade de produzir alimentos, de preferência associada ao desenvolvimento
de uma indústria sofisticada e sustentável no setor. E o cuidado com a floresta
Amazônica, essencial para que a vida no planeta não se torne intolerável para
as gerações de nossos filhos e netos.
Depois da reportagem do Estadão, o Serviço
Florestal Brasileiro, órgão do governo federal, anunciou que está fazendo uma
espécie de “malha fina” para identificar e punir os fraudadores do CAR. É uma
boa notícia. Grilar terras indígenas é crime. Desmatar é crime. Como mostram a
reportagem do Estadão e as pesquisas do Amazônia 2030, existe tecnologia para
combater os dois crimes. Basta querer usá-la.
*Escritor, professor da Faap e Doutorando
em Ciência Política na Universidade de Lisboa
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