Correio Braziliense
"A crise no governo envolvendo a
exploração de petróleo no litoral amazônico é a ponta de um iceberg: que tipo
de desenvolvimento desejamos?"
A análise dos cinco primeiros meses de
gestão federal mostram impasses políticos e administrativos de um governo sem
unidade e sem coalizão, com um parlamento mais preocupado com compromissos
paroquiais e eleitoreiros imediatos do que com interesses da República e do
povo no médio e longo prazo. A formulação e aprovação do arcabouço fiscal
parecem exceção, graças ao ministro Fernando Haddad em sua competência técnica
e habilidade política. Mas o grande impasse do governo é sinal de um tempo em
que o crescimento econômico no curto prazo não satisfaz e a vontade por um
desenvolvimento sustentável no longo prazo ainda não é suficiente para apoiar
sacrifícios no presente em nome do futuro distante promissor.
A crise no governo envolvendo a exploração de petróleo no litoral amazônico é a ponta de um iceberg: que tipo de desenvolvimento desejamos? Queremos aumentar o Produto Interno Bruto (PIB), com subsídios a carros chamados ironicamente de populares, ou melhorar a qualidade de vida, com transporte público decente? Queremos oferecer royalties, com destino incerto ou levar a Petrobras a investir em fontes alternativas de energia? Aumentar a renda nacional ou proteger povos primitivos e bens culturais? Obter resultados no presente ou construir um futuro sustentável?
Este é o grande impasse. O presidente Lula
não é culpado de seu governo ocorrer no momento da história em que um modelo de
desenvolvimento termina antes de um novo surgir com apoio político. Mas será
culpa dele se agir apenas pelo instinto eleitoral imediato, ignorando o
instinto histórico de dar sustentabilidade. Ao mesmo tempo, mantendo a base
parlamentar e o apoio popular necessários para evitar a volta do atraso radical
nas eleições de 2026.
Para caminhar através do grande impasse, o
presidente precisa convencer o parlamento, mas também usar o grupo selecionado
tão cuidadosamente para compor o chamado Conselhão, usar as universidades e
entidades sindicais de trabalhadores e de empresários, as organizações não
governamentais para buscar respostas de como enfrentar o grande impasse. Pode provocar
o pensamento à questão concreta sobre optar por Ibama ou Petrobras, símbolos
conjunturais de um impasse histórico. Não se trata de substituir a política,
nem que assessores votem para escolher o rumo, apenas que respondam a algumas
perguntas.
O embate entre Petrobras e Ibama é apenas
um ponto no debate entre crescimento econômico versus desenvolvimento
sustentável, e entre aumento imediato de renda e proteção do meio ambiente.
Esse debate poderá dar opinião sobre questões polêmicas:
1. A Petrobras explora petróleo no
território da Amazônia há 50 anos, sem um único vazamento, mas também sem
impacto social positivo na região, como estão prometendo agora ao povo do
Amapá. A renda gerada foi para acionistas distantes e salários de profissionais
de fora, o Índice de Desenvolvimento IDH continua o mesmo, ainda que cheguem
alguns recursos por royalties. O Rio de Janeiro é um bom exemplo da falta de
conexão entre exploração de petróleo e população próxima aos poços.
2. Ainda que o investimento seja feito pela
Petrobras, são recursos que em grande parte poderiam ser destinados aos
dividendos para o acionista governo federal, que poderia destiná-los a outros
propósitos com impactos sociais muito maiores para a população local. A própria
empresa poderia investir esses recursos no desenvolvimento de fontes
alternativas de energia que substituam o petróleo.
3. Quando, há 50 anos, foram tomadas
decisões de exploração na Amazônia, a crise ambiental ainda não era uma questão
decisiva para a humanidade. A Amazônia não era uma preocupação internacional e
o Brasil não era um pária no cenário internacional pelo descuido com florestas
e rios da Amazônia. Além disso, o petróleo não era ainda vilão do equilíbrio
ecológico.
4. Não havia a perspectiva atual de repúdio
ao uso de petróleo como combustível, nem à política de redução de seu consumo e
em consequência a queda das rendas que ele gera. Por isso, parece um equívoco
aos interesses nacionais, econômicos, sociais, ecológicos e nas relações
internacionais a possibilidade de exploração de petróleo no litoral amazônico.
5. Depois de anos visto como "grande
destruidor de florestas e da Amazônia", o Brasil pagará alto preço no
cenário internacional se depois de gritarmos "o Brasil voltou",
agirmos como no tempo da "boiada passando".
Esse é o grande impasse: "passamos a
boiada" para o Brasil crescer rápido ou controlamos a economia para dar
sustentabilidade, mesmo reduzindo o tipo e a taxa de crescimento.
* Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
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